sábado, 24 de janeiro de 2009

Um predador acima de qualquer suspeita

Em uma imagem rara, cágado ataca pomba no Parcão. A oferta limitada de alimentos faz com que o réptil saia da água para caçar aves.

Uma cena de documentário sobre a vida selvagem se descortina em plena zona urbana de Porto Alegre.

Em imagens raras captadas pelo fotógrafo Ronaldo Bernardi, de Zero Hora, uma espécie de cágado segue seu instinto e caça uma pomba na beira do lago do Parcão.

Com agilidade surpreendente, o réptil captura sua presa e, a seguir, arrasta a ave para o fundo do lago, onde é devorada por diversos cágados.



Quem confirma a raridade do registro é o coordenador do Projeto Chelonia-RS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em biologia animal Clóvis de Souza Bujes.

Ele afirma nunca ter visto esses ataques documentados. Mesmo sendo de difícil registro, o comportamento do animal é considerado normal, dado o ambiente em que se encontra.

— Eles vivem em um ambiente muito pequeno, onde o estresse por alimento e espaço é constante, e a administração (do Parcão) não os alimenta.

É um ambiente urbano em que vivem competindo por alimento — explica Bujes. A administradora do Parcão, Gisalma Puggina, confirma que somente patos e marrecos são alimentados.

O Phrynops hilarii pertence à família dos quelídeos e também é conhecido como cágado-cinza ou cágado-de-barbelas. A espécie, nativa do Rio Grande do Sul, é onívora, quer dizer, come de tudo, desde pequenos animais até plantas e bichos mortos.

— Uma de suas funções na natureza é manter o ambiente limpo. Tem o papel equivalente ao urubu, porém num ambiente aquático — compara Bujes.

No meio onde vive o réptil, a disputa por alimento é grande. Isso explica o esforço do animal em sair da água (onde normalmente se alimenta) e acuar as pombas.

Pode ser doloroso aos mais sentimentais ver a ave fazer parte do cardápio do quelídeo. O biólogo, porém, pondera que o rumo da natureza deve seguir normalmente. No caso, esse mecanismo serve também para regular a população de pombas.

— Isso tem que ser visto como algo natural. É como o leão pegando uma zebra. Não vá salvar a pomba! — recomenda.


Projeto Chelonia-RS


O Projeto Chelonia-RS tenta verificar a população de cágados no Rio Grande do Sul e definir ações para a sua conservação.

No Parcão, a intenção é conhecer quais as espécies que habitam o local e o tamanho das populações por espécie.

O recolhimento de dados iniciou em 2004 nos lagos de Porto Alegre e, essa fase, no Parcão, vai até março. O resultado do estudo mostrará, por exemplo, se a área está superpovoada. A partir daí, será traçado um plano de ação.


Saiba mais

Nome científico: Phrynops hilarii

Família: Chelidae

Nomes populares: cágado-de-barbelas ou cágado-cinza

Região de ocorrência: nativo do RS, ocorre também em Santa Catarina, Uruguai e nordeste da Argentina

Surgimento da espécie: no Carbonífero, há aproximadamente 340 milhões de anos

Alimentação: peixes, aves, répteis, pequenos mamíferos e animais mortos

Período de vida: pode durar até 40 anos

Tamanho máximo: 40 centímetros de casco

Peso máximo: cinco quilos

Reprodução: em dois períodos (de agosto a dezembro e de fevereiro a abril)

Cópula: dentro da água. A fêmea pode estocar espermatozóides de vários machos

Postura: de um a 24 ovos, depositados em ninhos escavados pela fêmea na terra, podendo ter mais de uma ninhada por estação

Nascimento: ovos eclodem em seis meses

Taxa de eclosão : muito baixa. Na natureza, mais de 80% dos ovos são comidos por outros animais

Hibernação: durante todo o inverno. Normalmente, enterram-se no lodo do fundo de rios, lagos e lagoas

Predadores: em Porto Alegre, os filhotes podem ser predados por aves e peixes grandes. No Parcão, os predadores em potencial são o biguá, a garça branca e o socó

Características: visão e olfato são muito apurados. As barbelas, abaixo do queixo, têm função tátil, utilizada para se movimentar na água turva de um lago, por exemplo. Também funciona na reprodução, no reconhecimento de uma fêmea receptiva

Caça: fêmea e macho caçam. O cágado não tem dentes, nem é venenoso. Em caso de mordida onde haja sangramento, no entanto, é possível haver infecção, em decorrência das bactérias que todos os animais têm na boca. Se ocorrer, é preciso fazer a higienização normal do ferimento

Proteção à espécie: o cágado-cinza, como todas as espécies, é protegido por lei. Matar um exemplar é crime ambiental, assim como mantê-lo em cativeiro.

Essa última ação também é caracterizada como maus-tratos, já que um ambiente artificial não supre as necessidades do animal, como hibernação anual, dieta alimentar rica e variada e longos períodos de exposição ao sol.


Fonte: Zero Hora

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