O templo romano do século I d.C. soterrado em Beja, identificado há 70 anos e que tem sido escavado desde que foi descoberto há um ano, é "o maior" de Portugal e "um dos maiores" da Península Ibérica.
"É o maior dos templos romanos já conhecidos em Portugal", como o de Évora e o de Conímbriga, e, "sem dúvida, um dos maiores da Hispânia" (designação da Península Ibérica na época romana), confirmou hoje à agência Lusa a arqueóloga Conceição Lopes.
Trata-se de "um edifício imponente", com 30 metros de comprimento e 19,40 metros de largura, e, tal como os templos romanos de Évora, da província espanhola de Ecija (Sevilha) e de Barcino (Barcelona), é rodeado por um tanque, com 4,5 metros de largura, precisou a arqueóloga.
Segundo Conceição Lopes, o templo imperial, "seguramente do século I d.C", é o identificado pelo arqueólogo Abel Viana em 1939, durante a abertura dos caboucos para a construção do reservatório de água de Beja, junto ao logradouro do Conservatório Regional do Baixo Alentejo (CRBA).
Na altura, o arqueólogo identificou um "grande edifício, que interpretou como o templo romano de Pax Julia" (designação de Beja na época romana), mas os vestígios foram tapados e no final dos anos 90 Conceição Lopes decidiu avançar com escavações no local, para "tentar ver o que Abel Viana tinha identificado".
Nas duas primeiras campanhas de escavações, em 1997 e 2006, foram achados edifícios de várias épocas, mas só na campanha do ano passado, entre Julho e Agosto, foi descoberto o templo romano identificado por Abel Viana.
Entretanto, a demolição do edifício do departamento técnico da Câmara de Beja, que tinha sido atingido por um incêndio em Outubro de 2008, e a queda de um muro do edifício da antiga tipografia do jornal Diário do Alentejo (DA), "abriram terreno" e permitiram estender as escavações ao longo de um núcleo entre a Praça da República e as ruas Abel Viana, da Moeda e dos Escudeiros.
Através das três campanhas deste ano, cuja última terminou na passada semana, Conceição Lopes e alunos do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra conseguiram "perceber melhor" a "imponência" do templo romano.
As escavações no local onde era o fórum (praça central) da cidade Pax Julia, para recuperar a cota da época romana e desvendar o templo imperial, deverão recomeçar após a Câmara de Beja comprar e demolir o edifício da antiga tipografia do DA e que está instalado "em cima de grande parte" e "a mais interessante" do templo, previu Conceição Lopes.
A autarquia "está em negociações" para comprar o edifício, que deverá ser demolido, porque "a ideia é escavar até colocar todo o templo à mostra", disse o presidente da Câmara de Beja, Francisco Santos.
O patrimônio descoberto, "fundamental" para conhecer a história de Beja, é "tão valioso" que a Câmara "está disponível" para "dar os passos necessários" para que os achados, sobretudo o templo romano, tenham um tratamento museológico "adequado".
O objetivo é expor o patrimônio achado para "ser usado e visitado" pelos habitantes e turistas e, no futuro, ser "uma mais-valia econômica para a cidade", disse Francisco Santos.
O projeto "pensado", que poderá implicar um investimento "entre 1,5 a dois milhões de euros", previu o autarca, deverá incluir a reconstrução do departamento técnico da Câmara, a compra e a demolição do edifício da antiga tipografia do DA, comparticipação de escavações, musealização dos achados, como a hipotética reconstituição do templo imperial romano, e o enquadramento paisagístico da zona.
Francisco Santos admitiu que o reservatório de água de Beja, situado no local e quase sem utilidade, poderá ser "transformado num miradouro", a partir do qual será possível observar o templo e a cidade.
Na campanha do ano passado, além do templo imperial romano, a equipe coordenada por Conceição Lopes descobriu outro "importante" edifício do fórum da cidade Pax Julia.
O edifício, a "primeira instalação romana da cidade, foi construído no final do século I a.C., no tempo de Augusto, o primeiro imperador romano".
O templo imperial e o edifício, frisou a arqueóloga, demonstram que Pax Julia "era a mais importante cidade romana" de Portugal, a "grande colônia do sudoeste peninsular" e "a capital do 'conventus pacencis'", ou seja, da região político-administrativa e jurídica que ocupava toda a zona a Sul do Tejo do atual território português.
Além dos dois edifícios romanos, as escavações colocaram ainda a descoberto outro edifício da Idade do Ferro que "confirma a ocupação e revela a importância da cidade na época pré-romana", disse a também coordenadora do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto.
Apesar de frisar que não dispõe de elementos para dizer exatamente quando foi construído o edifício, "um dos melhores e dos mais bem conservados da Idade do Ferro descobertos no Sul de Portugal", Conceição Lopes referiu que "há a presença de materiais desde o século VII a.C. ao século III d.C.".
Nas anteriores campanhas, já tinham sido descobertas várias estruturas de períodos posteriores à época romana, como "belíssimos" edifícios dos séculos XVI e XVII, como "vestígios da antiga cadeia de Filipe III e de algumas casas do tempo de D. Manuel".
Em termos científicos, "o mais interessante" destas descobertas "é perceber que Beja teve uma dinâmica muito interessante ao longo dos tempos" e que "soube reciclar e usar muito bem os edifícios que tem", frisou a arqueóloga.
O patrimônio que tem vindo a ser descoberto no núcleo escavado junto à Praça da República é "extraordinariamente importante", porque "pode, finalmente, permitir contar a história" de Beja, desde o século VII a.C., na Idade do Ferro, até ao século XXI, salientou Conceição Lopes.
"Neste momento, estão reunidas as condições para Beja vir a recuperar, do ponto de vista da sua identidade, um grande passado, absolutamente interiorizado na contemporaneidade", disse.
Fonte: Diário de Notícias
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