Na década de 1930, o etnólogo Curt Nimuendajú fotografou festas realizadas por índios Ramkokamekrá em que eles dançavam com máscaras de palha. (foto: Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira/ Museu do Estado de Pernambuco)
Fotos de festas de máscaras realizadas por índios
Ramkokamekrá-Canela nos anos 1930 aproximam os membros atuais do grupo
de uma tradição interrompida há 50 anos e antes só conhecida pelo
registro oral.
Fotos antigas são um bom registro histórico de momentos que muitas
vezes não presenciamos. Mas, para os índios Ramkokamekrá-Canela, que
vivem no Maranhão, elas se revelaram também instrumento de aproximação
com tradições interrompidas há 50 anos.
Fotografias tiradas na década de
1930 que mostram festas de máscaras realizadas por esse povo indígena
trouxeram à tona o orgulho de seus membros atuais em relação a uma
herança cultural antes conhecida apenas pelo registro oral.
“Quando eles se deparavam com as fotos, aquilo que eles conheciam
pela memória oral se concretizou pela memória fotográfica”, declara a
antropóloga Nilvânia Mirelly Amorim de Barros, do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Etnicidade da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Para o estudo, desenvolvido em seu mestrado, ela conviveu com os índios
Ramkokamekrá no início de 2012.
Barros conta que seu interesse pelas festas de máscaras e pelos
índios Ramkokamekrá surgiu depois de ter visto fotografias dessas
cerimônias durante pesquisa na Coleção Etnográfica Carlos Estevão de
Oliveira, coordenada pelo etnólogo Renato Monteiro Athias, que foi
também seu orientador.
A coleção, que tem mais de 3 mil objetos
etnológicos e arqueológicos, faz parte do acervo do Museu do Estado de
Pernambuco. “Quando procurei saber mais sobre aquelas fotos, percebi que
quase não havia bibliografia sobre as cerimônias”, ressalta.
As fotografias que chamaram a atenção de Barros foram tiradas entre
1930 e 1935 pelo etnólogo alemão naturalizado brasileiro Curt
Nimuendajú, que viveu entre vários povos indígenas do Brasil por cerca
de 40 anos.
“Muitas das fotos de Nimuendajú mostram as festas de
máscaras dos índios Ramkokamekrá, e eu comecei a me perguntar o porquê
disso”, diz a pesquisadora.
A antropóloga explica que os Ramkokamekrá realizam celebrações
durante todo o ano, com maior intensidade no verão, época das grandes
festas.
Era nesse período que aconteciam as festividades de máscaras,
realizadas por um grupo de homens da aldeia que pertenciam a uma
sociedade cerimonial chamada Kokrit. Esses homens usavam máscaras feitas de palha que cobriam o corpo todo e personificavam monstros aquáticos.
Segundo Barros, a festa de máscaras era uma grande brincadeira para
os índios. “Eles são muito alegres, tudo com eles é festa, tudo o que
fazem é para celebrar”, completa.
Retorno ao passado
Após obter autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) para
entrar na aldeia dos Ramkokamekrá, localizada a 70 quilômetros do
município de Barra do Corda, no Maranhão, a antropóloga apresentou ao
conselho da aldeia sua ideia de pesquisa e as fotos de Nimuendajú.
“Eu
estava interessada na história e na beleza das fotos, e a melhor forma
de saber sobre elas era mostrá-las para os próprios índios”, esclarece.
“Fiquei apreensiva com a reação deles, que, durante algum tempo,
ficaram conversando em sua própria língua”, relata a pesquisadora.
“Um
dos membros do conselho disse depois que eles estavam com os corações
chorando, porque era a primeira vez que viam seus avós nas festas de
máscaras dos Kokrit.”
Barros ressalta que os índios Ramkokamekrá têm muito orgulho de sua
cultura, além de serem altamente receptivos – eles convivem com
pesquisadores há muito tempo.
Em uma segunda visita à aldeia, entre o
fim de fevereiro e o início de abril de 2012, Barros foi acolhida por
uma família Ramkokamekrá.
“Eu dormia na casa deles, comia lá; eles
perguntavam se eu estava bem acomodada, se precisava de alguma coisa.
Eles me ajudaram muito a compreender o modo de vida Ramkokamekrá, a
língua deles, a história, os ritos.”
Durante sua estadia na aldeia Ramkokamekrá, a antropóloga Nilvânia
Barros pôde compreender o modo de vida desse povo. Na foto, índia trança
uma esteira com palha de palmeira de buriti, usada para sentar ou
dormir. (foto: Nilvânia Barros)
A partir desse convívio, a pesquisadora levantou três hipóteses para as festas da sociedade cerimonial Kokrit
não serem mais realizadas atualmente.
A primeira é o fato de cada
máscara medir o tamanho correspondente ao seu dono, o que exige muito
tempo para colher, secar e trançar a palha.
A segunda é que durante o tempo de traçado da máscara
(aproximadamente dois meses), o seu dono deve manter restrições
alimentares e sexuais, até que o adorno esteja pronto e a festa se
inicie.
Por último, hoje os índios priorizam os ritos de iniciação dos
meninos, que devem ser realizados fora do calendário escolar. Quando
essas festas acabam, já é quase inverno.
No fim de sua estadia entre os Ramkokamekrá, Barros organizou com
eles uma exposição com cópias de 70 fotografias de Curt Nimuendajú em um
posto abandonado da Funai na aldeia. Entre as reações dos índios, a
antropóloga ouvia comentários como: “Tudo isso é bonito! Nós, Canela,
somos bonitos!”
Em novembro, a pesquisadora soube que a exposição ainda estava na aldeia. “Recebi um recado do meu Inxú
[pai] Ramkokamekrá que avisava que as fotografias ainda estavam
expostas nas mesmas paredes”, conta. “Isso me deixou muito contente, mas
permaneço curiosa sobre o que irá acontecer com elas no futuro.”
Depois do contato com os Ramkokamekrá, a antropóloga decidiu
pesquisar, em seu doutorado, a relação entre índios e museus a partir
dos objetos que estão na coleção Carlos Estevão. “É um estudo sobre
memória e mercadoria por meio desse material”, esclarece.
Além dos
objetos dos índios Ramkokamekrá, Barros pretende trabalhar com peças dos
povos Apinagé e Gavião, que também figuram na coleção pernambucana e
têm tradições e histórias semelhantes às dos Ramkokamekrá.
Fonte: Ciência Hoje Online
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