A
curiosidade pelo desconhecido é característica marcante da sociedade
atual e isso não seria diferente em relação a temas extraterrenos.
A
possibilidade de existir vida fora do planeta Terra e a de seres
extraterrestres nos visitarem em suas naves permeia o imaginário da
população há muito tempo.
Foi tentando desvendar como esse pensamento
surgiu e se modificou que Rodolpho Gautier Cardoso dos Santos, professor
da Uniara (Centro Universitário Araraquara), montou, através de
análises de jornais e pesquisas de opiniões da época, sua dissertação de
mestrado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp,
intitulada “A invenção dos discos voadores: Guerra Fria, imprensa e
ciência no Brasil (1947-1958)”.
Em palestra no Instituto de Psicologia
da USP, o professor falou um pouco sobre sua pesquisa, que teve como
objetivo mostrar como surgiu o termo discos voadores e as primeiras
aparições relatadas Além de analisar as percepções da população acerca
do tema e a influência da imprensa, da ciência e da Guerra Fria nessas
concepções.
“O extraterrestre era
algo muito distante”. Essa frase de Gautier resume o que era o assunto
vida fora da Terra até o fim do século XIX. Apesar da existência de
outros mundos ser conhecida e de abordarem as chances de vida em outros
planetas, isso ainda era tema remoto.
Somente com a popularização das
ideias de Giovanni Schiaparelli sobre canais artificiais em Marte e com o
livro de H. G. Wells, Guerra dos Mundos, é que o tópico passou a ser mais próximo do cotidiano.
A influência da Guerra Fria e surgem os discos voadores
“À medida em que a
tecnologia avançou, o raciocínio por analogia foi: se nós estamos
conseguindo voar, se nós já estamos pensando na possibilidade de ir para
outros planetas, por que eles não podem vir pra cá?”, como comenta o
professor, o avanço rápido da tecnologia armamentícia por causa da
Guerra Fria foi um fator extremamente importante para viabilizar na
mente da população a probabilidade de vida em outros planetas.
Contudo,
quando a primeira ‘aparição’ de disco voador foi relatada, não se
imaginou, na imprensa e na ciência e, por consequência, na população,
que tratava-se de naves extraterrestres.
Neste ponto, a evolução dos
armamentos teve papel inverso, fazendo acreditar que os discos eram, na
verdade, armas norte-americanas ou russas.
O termo disco voador
surgiu em 1947, após o piloto Kenneth Arnold relatar ter visto nove
objetos voadores com formatos parecidos com o de um boomerang e que
faziam movimentos ondulantes, semelhantes a discos jogados na água.
Porém, por obra de um ruído de comunicação, Bequette, o jornalista que
cunhou o termo ‘discos voadores’, entendeu que os objetos vistos
pareciam-se com discos.
Depois desse episódio, várias pessoas disseram
ter tido visões semelhantes a de Arnold nos Estados Unidos e, após a
chegada das notícias no Brasil, 28 casos foram informados no país. Com
isso, iniciou-se a discussão na imprensa se os discos de fato existiam e
o que eles eram.
Desenho feito a partir do relato de Arnold. Bem diferente de um disco
Ondas de visões
Em pesquisa de opinião
de agosto de 1947 feita pelo Instituto Gallup, 33% dos entrevistados
alegaram não saber o que era, 29% acreditavam que tudo não passava da
imaginação ou então eram miragens ou ilusões de óptica e 16%
consideravam que eram armas de algum tipo.
Vale salientar que não
existia nenhuma opção relacionada a extraterrestres na pesquisa, o que
mostra, no período, o descrédito em se tratar de algo não terreno.
Uma nova onda de visões
começou em 1950. Mas, nesse momento, havia cada vez mais a crença de que
os discos são armas secretas ou dos EUA ou da União Soviética.
Essa
ideia foi reforçada pelos novos aviões de guerra norte-americanos, que
possuíam forma de disco, e confirmada na pesquisa de opinião de maio de
1950 do Instituto Gallup, na qual 27% pensavam dessa forma. Contudo,
segundo Gautier, ainda que timidamente, começa o questionamento sobre a
possibilidade de serem naves extraterrestres.
Avião de guerra norte-americano que concretizou a hipótese dos discos voadores serem armamentos da Guerra Fria.
A popularização do tema
Para o professor, um
momento importante no fortalecimento da hipótese alienígena foram os
artigos publicados por Donald Keyhoe.
Nesses escritos, que tiveram
grande repercussão, Keyhoe prega que os alienígenas nos visitam para
interferir no nosso planeta porque, na época, estávamos mudando o curso
do universo por causa da criação da bomba atômica.
A teoria ainda
declara que o governo americano sabe disso, porém esconde para evitar o
caos que a notícia traria.
No Brasil, de acordo com
Gautier, a popularização do tema inicia-se com o caso da Barra da
Tijuca, quando dois jornalistas da revista O Cruzeiro dizem ter visto
discos voadores, chegando a publicar fotos dos mesmos.
Mais tarde,
através de análises técnicas, provou-se que as fotos eram falsas. Um dos
aspectos analisados e que definiu a fraude foi a sombra do objeto
voador, visto que uma sombra daquelas só seria possível se o sol
estivesse abaixo do objeto, o que era impossível (veja foto abaixo).
Além desse caso, nos anos 50, a revista produziu 58 reportagens sobre o
assunto, o que difundiu o tema no país inteiro, devido a sua circulação
nacional.
Apesar
de fraude clara em diversos relatos de aparições e mesmo no de O
Cruzeiro, a comunidade científica brasileira demorou a analisá-los com
eficiência, visto que, na época, ela era pequena e ainda estava em fase
de formação, além de a grande maioria ter total aversão ao tema.
A consolidação dos
discos como algo não terrestre chega, segundo Gautier, somente no fim
dos anos 1950, com a popularização do tema na indústria cultural e
devido ao uso, por parte da imprensa, do termo como sinônimo de nave
extraterrestre.
A hipótese extraterrestre prevalece
“A discussão pública a
respeito do que eles eram [os discos voadores] foi francamente permeada
pelo momento histórico”. Essa é a conclusão de Gautier em sua tese.
O
ambiente político influenciou muito a definição do que eram os discos,
mas, no final, venceu a hipótese extraterrestre. Mas por quê?
Para o
professor, isso ocorreu graças a alguns fatores. O primeiro deles é a
grande atuação da indústria cultural, que usou isso, assim como revistas
e jornais, por ser uma hipótese mais interessante do que armas.
O baixo
nível de conhecimento científico, que fez com que qualquer coisa que se
visse fosse associada ao disco voador também é citado pelo autor da
tese, assim como o apelo ao inexplicável, já que os discos passaram a
ser um reduto daquilo que não é passível de explicação e muitas pessoas
se recusavam a acreditar na ciência.
O último deles é a riqueza da ideia
do visitante alienígena, que pode ser tanto aquele que vem para alertar
que o fim da guerra é necessário quanto o que vem para destruir o
planeta, podendo ser uma alegoria para diversos temas.
Fonte: AUN
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