Popular na Idade Média, redescoberto no século 18, primeiro épico alemão inspirou artistas e caçadores de tesouros, além de contribuir para a formação da nação germânica. E permanece um dos mistérios do Rio Reno.
Hagen von Tronje, vassalo do rei Gunther, dos
burgúndios, leva 144 carros cheios de ouro, de Worms, sede do reino, até
um lugar desconhecido no rio Reno.
Trata-se do tesouro do lendário rei
Nibelungo, de que Hagen se apoderara após assassinar o matador de
dragões e herói Siegfried. Então – segundo narra a Canção dos Nibelungos, o primeiro épico heroico germânico – Hagen submerge o ouro no Reno.
Uma das poucas aventuras que restam
No início do século 13, um autor desconhecido registrou por escrito a narrativa que inclui um dragão, belas mulheres, o valente guerreiro Siegfried e uma eterna luta em torno de amor, fidelidade e traição.
No
entanto, a Canção é mais do que uma saga com elementos fantásticos, como
sangue de dragão ou um elmo mágico. Ela tem um núcleo histórico, a
decadência da raça dos burgúndios, no início do século 5º. Figuras como
rei Gunther realmente existiram.
Então, o "ouro dos nibelungos" poderia ter existido? Até
hoje, caçadores de tesouros sonham em encontrar seu esconderijo.
O
arquiteto Hans Jörg Jacobi, de Mainz, é um dos que são obcecados pelo
tesouro. Porém o que o impele não é a perspectiva de riquezas, mas antes
a emoção de resolver uma charada literária. Juntamente com seu falecido
pai, ele procurou o esconderijo por cerca de 40 anos.
"É uma das poucas aventuras ainda possíveis", comenta
Jacobi. Para ele, não se trata de um conto fantástico, embora admita: "É
preciso acreditar na coisa". A Canção dos Nibelungos dedica
apenas uma frase sumária ao local de onde Hagen supostamente lançou o
ouro na correnteza: "Perto do Loche ele o afundou no Reno".
Busca obstinada
A palavra "Loche" já fascina Jacobi há quatro décadas, e ele acredita ter encontrado o local em antigos mapas cadastrais.
"É um nome e se refere a Lochheim, um
lugar que não existe mais hoje". Ele fica lá onde, até hoje, o Reno tem
um de seus pontos mais profundos, o assim chamado "Schwarzer Ort"
(Lugar Negro), nas proximidades do lugarejo de Gernsheim.
Lá o rio faz uma curva fechada. Além disso, o ponto está
a apenas 20 quilômetros do antigo lar dos burgúndios, a cidade de
Worms.
Então, o ouro dos nibelungos estaria a 25 metros de profundidade?
"Hoje, esse local fica em terra, ao lado do Reno", explica o arquiteto.
Afinal, o rio se transformou ao longo dos séculos.
Com o auxílio de uma firma de perfurações, Hans Jörg
Jacobi e seu pai chegaram a realizar uma escavação arqueológica nas
cercanias de Gernsheim, na década de 70.
No entanto, eles não
encontraram o tesouro: a cerca de dez metros de profundidade, a broca
esbarrou em jazidas de mármore. Mergulhadores tampouco encontraram
quaisquer vestígios sob a água.
Mas para Jacobi nada disso é motivo para desistir. Até
hoje ele guarda em casa grossos fichários com os resultados das
medições. "Quero encontrar o tesouro e provar que a Canção dos Nibelungos está correta."
Símbolo ou história
A professora de Germanística Anna Mühlherr, da Universidade de Tübingen, igualmente não acredita que o ouro do Reno seja mera lenda.
No entanto, "eu não
utilizaria 'realidade histórica' como conceito oposto", argumenta. Para
ela, o tesouro é um elemento narrativo, com o qual se ilustra a ascensão
e queda de dinastias.
Esse elemento também aparece em outras sagas medievais.
"O público deve compreender que não convém mexer com tesouros."
No
sentido metafórico, portanto, o poder do rei não devia ser colocado em
questão. Ao fim da Canção dos Nibelungos não sobra ninguém vivo que saiba do paradeiro do tesouro. Mas isso não significa o fim da narrativa.
O ouro do Reno passou a ser um mito, e isso tem muito a
ver com a história alemã. Embora gozasse grande popularidade na Idade
Média, a Canção temporariamente caiu em total esquecimento.
Em
1755 encontrou-se um velho manuscrito, e a partir daí artistas e
literatos elevaram o poema à categoria de épico nacional alemão. Afinal,
nada mais adequado para tal do que uma história de lealdade absoluta
perante o próprio povo e o rei.
Em uma época em que ainda não existia um Estado alemão, o
tesouro que repousava no fundo do "Pai Reno" tornou-se símbolo da
unidade nacional.
Pintores românticos, a exemplo de Moritz von Schwind,
combinaram motivos de tesouro, como uma coroa dourada, com a bandeira
preta-vermelha-dourada.
O que, em meados do século 19 era um sinal do
anseio de muitos revolucionários por um Estado alemão, são hoje as cores
da bandeira nacional.
Da sátira à ópera
Também na literatura o tesouro dos nibelungos ganhou contornos nacionalistas. Na primeira metade do século 19, o poeta Ernst Moritz Arndt o descreveu como "fulgor do Reino Alemão".
Porém também havia vozes contrárias, como
o autor Heinrich Heine que, no poema Alemanha no verão de 1840, satirizava o mito nacional, inclusive a "coroa dourada".
O célebre compositor e poeta Richard Wagner dedicou até mesmo todo um ciclo operística a esse tesouro, a tetralogia O anel do Nibelungo, cujo "prólogo", O ouro do Reno, estreado em 1876, abre com as três Filhas do Reno vigiando a preciosidade no fundo do rio.
Ao desenvolver seu libreto, no entanto, Wagner orientou-se antes por sagas nórdicas do que pela Canção dos Nibelungos germânica, e criou novas personagens.
"Mais interessante que o pouso na Lua"
Hoje em dia a exploração artística do tesouro dos nibelungos perdeu a carga política, mas sua fascinação se mantém. Produções de TV, romances fantásticos, obras de arte ou o famoso Festival dos Nibelungos de Worms ocupam-se intensamente da temática.
As histórias em torno do tesouro chegaram até mesmo à
República de Nauru, no Oceano Pacífico, que já foi colônia da Alemanha e
que em 2003 cunhou uma moeda de ouro de dez dólares com os dizeres
"Nibelungen Treasure".
E a caça ao ouro prossegue. Ao lado de Lochheim no Reno,
cogitam-se outros possíveis locais para seu esconderijo, como um campo
cultivado em Rheinbach, no estado da Renânia do Norte-Vestfália. Também
lá, nada foi encontrado até hoje. Mas isso não faz mal, comenta Anna
Mühlher.
"Também o histórico-imaginário é parte de uma cultura.
No mundo da imaginação, o tesouro é algo bem real." E, quem sabe, um dia
ainda serão resgatados do Reno carros repletos de ouro. Para Hans Jörg
Jacobi, tal evento seria "quase mais interessante do que o pouso na
Lua".
Fonte: Terra
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