sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Menino de 7 anos morto pelos incas ilumina a conquista da América



 
 
DNA de múmia confirma que americanos chegaram ao continente 15 milênios atrás.
 
 
Um dia, por volta do ano 1500, um grupo de pessoas deve ter subido pelas encostas do cume mais elevado da América, o Aconcágua, na atual Argentina. Eram incas e levavam consigo um menino de 7 anos escolhido por sua beleza e seu bom estado de saúde. 
 
 
A comitiva, seguindo por uma trilha escarpada, alcançou os 5.300 metros de altitude. Lá em cima, cercados pelo gelo e por penhascos, os incas supostamente acabaram com a vida do menino com um golpe na sua cabeça.
 
 
Quase cinco séculos depois, em 8 de janeiro de 1985, cinco montanhistas argentinos se depararam com um monte de ossos e penas despontando nos gelos do Aconcágua.


Acharam que se tratava do cadáver de um condor, mas era o tal menino inca. Estava vestido com adornos de plumas e enterrado com seis estatuetas de homens e de lhamas esculpidas em ouro e conchas de moluscos.


Três décadas depois desse achado, o menino sacrificado aos deuses incas volta a falar. Uma equipe comandada pelo geneticista Antonio Salas, da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), leu seu DNA e o comparou a uma base de dados de 28.000 genomas.


Seus resultados mostram que o menino pertenceu a uma linhagem humana que se formou há 14.300 anos e que já não existe sobre a face da Terra. A pesquisa respalda os últimos estudos genéticos com americanos atuais e esqueletos ancestrais, que sustentam que os humanos pisaram na América pela primeira vez há 15.000 anos, procedentes da Sibéria.



O grupo de Salas não leu o genoma nuclear, o livro de instruções presente no núcleo de cada célula nossa, e sim o DNA residual que existe nas mitocôndrias, as pilhas que dão energia às células. O DNA mitocondrial é herdado exclusivamente da mãe, razão pela qual é muito útil para averiguar se duas pessoas estão aparentadas.


“A linhagem desse menino entrou pelo norte da América, evoluiu e desapareceu, o que não é surpreendente, porque a maioria dos incas morreu após seu contato com os europeus, por enfermidades como o sarampo, a gripe, a varíola e a difteria”, diz Salas.



Os cientistas conseguem reconstruir o passado comparando genomas, da mesma maneira que é possível ordenar cronologicamente centenas de bíblias observando as suas erratas acumuladas.



Em julho, outra equipe liderada pelo geneticista Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague (Dinamarca), concluiu que os primeiros americanos procedem de um grupo que partiu há 23.000 anos da Sibéria e ficou isolado durante 8.000 anos na Beríngia, um istmo hoje submerso, entre a Rússia e o Alasca.



“Toda a variedade genética americana surge da incubação no estreito de Bering [a antiga Beríngia] e entrou em várias ondas. A linhagem-mãe do menino inca data de 18.300 anos atrás, e a da múmia é um ramo”, detalha Salas. É a primeira vez que se lê o genoma mitocondrial inteiro de uma múmia americana, dizem os autores no estudo publicado nesta quinta-feira pela revista Scientific Reports.



Os pesquisadores, entre eles o pediatra Federico Martinón Torre, do Hospital Clínico Universitário de Santiago de Compostela, utilizaram uma pequena amostra do pulmão do menino, colhida tempos atrás. A múmia completa “continua sob a guarda da Universidade Nacional de Cuyo [Argentina], congelada a -20 graus Celsius, mas seu lugar concreto é um segredo”, conta Salas.



O próximo objetivo dos pesquisadores é analisar o genoma inteiro da múmia e, sobretudo, seu microbioma: o DNA dos micro-organismos que viviam no interior da criança e que podem ter sido modificados com a chegada dos europeus e suas doenças.



O menino inca, conhecido na Argentina como a múmia do Aconcágua, foi sacrificado como parte da Capacocha, uma cerimônia inca que consistia em fazer oferendas ao Sol na época das colheitas ou ao soberano do Império em caso de enfermidade. No ritual eram oferecidos objetos, mas também sacrifícios humanos – crianças sãs e belas, destinadas a transmitir sua energia ao Inca.

 
 
 
 
Fonte: El País

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