segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Pesquisadora estuda animais gigantes em Quixeramobim

Lagoa do Fofó apresenta indícios da presença de bichos da megafauna. Estudo vai analisar a interação com as populações da época, por meio de pesquisa interdisciplinar/MARCÉLIA MARQUES


Estudo vai descobrir como interagiam animais da megafauna e seres humanos em região do Ceará há 6 mil anos.

Já imaginou um tatu gigante, com tamanho próximo ao de um Fusca, andando entre os serrotes da cidade de Quixeramobim, se alimentando nas margens das lagoas?

Está achando a imagem surreal? É possível que a cena tenha acontecido há milhares de anos naquele Município e adjacências.

Pelo menos, este é o objetivo do Projeto "Caçadores-coletores do Holoceno no Sertão Central do Ceará, Nordeste do Brasil: processo de ocupação e contexto ambiental", para tentar reconstruir esta época histórica, coordenado pela doutora em Arqueologia, Marcélia Marques.

A marca de povos e animais pré-históricos que viveram no sertão estão distribuídos por vários afloramentos cristalinos da zona rural de Quixeramobim, Município localizado a 203Km da Capital cearense.

Pedra do Letreiro, Fazenda Canhotinho, Fazenda São José, Serrote de Santa Maria, Serrote da Onça e da Fortuna e Serrote da Lagoa do Fofó são alguns desses locais que abrigam inscrições rupestres e outras evidências da presença humana e de animais gigantes na região há milhares de anos.

Ela conta que, em 2000, quando realizava pesquisa, em Quixeramobim, para a sua dissertação de mestrado, descobriu, junto a moradores da Lagoa do Fofó, relatos sobre a descoberta de fósseis da megafauna - animais gigantes - durante a escavação de cacimbas no local, o que despertou interesse em aprofundar a pesquisa.

"São animais que se extinguiram no holoceno (cerca de 11 mil anos atrás, no tempo geológico). A preguiça gigante, tatu gigante, mastodonte, todos esses animais existiram na região, em Itapipoca, Tauá, Quixadá", afirma a pesquisadora.

Dez anos depois, ela volta ao local, desta vez em equipe e pesquisa interdisciplinar. "Vamos tentar compreender onde, em que condições e como viveram essas populações que se abasteciam do ambiente daquela lagoa", conta Marcélia.

Além dela, formam a equipe o professor doutor, César Veríssimo, geólogo da Universidade Federal do Ceará (UFC); dr. Klaus Hilbert, da PUC-RS; dr. Sérgio Miranda, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz); dr. Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar/UFC); além das estudantes do curso de História, da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (Feclesc/Uece), Vládia Lima e Mariane Santos; Adriano Azevedo, estudante de História (Uece); e o historiador e estudante de Arqueologia (Univasf), Everaldo Dourado.

Neste momento, os pesquisadores finalizam a primeira etapa do projeto. "Estamos fazendo levantamento de instrumentos, de evidências do local, fotografando o espaço. Foi feito um estudo da cartografia do local, abordado arqueologia, geografia e geologia. Depois, trabalhamos na prospecção na Lagoa do Fofó, fazendo imagens e identificando parte desta cultura material", explica.



Marcélia Marques, doutora em Arqueologia, identifica arte rupestre em sítio do Sertão Central /EVERALDO DOURADO


No monólito margeado pela Lagoa do Fofó, de 420 metros de altura, um painel desenhado na base da rocha mostra a arte rupestre, com gravuras e pinturas, possivelmente feito à dedo pelas populações da época.

Dois tons de pigmentos, um amarelo-ocre e outro vermelho, mostram que é possível que o painel tenha sido desenhado e redesenhado posteriormente.

Um estudo físico-químico vai descobrir se estes povos já utilizavam tons diferentes de pigmentos, ou se anos depois, a pintura recebeu nova camada de tinta.



Entendimento



As cúpulas, cravadas na rocha, podem ter sido utilizadas como pilões ou afiadores de outros instrumentos, por exemplo.

"Com estas evidências e estudos mais aprofundados, vamos entender o processo de ocupação deste espaço numa perspectiva cronológica", conta.

O próximo passo da pesquisa será dado entre os meses de novembro e dezembro. "Vamos solicitar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) autorização para realizarmos sondagens na lagoa.

No primeiro momento não houve intervenção na sub-superfície, mas agora realizaremos escavações. Estas sondagens serão orientadas pelas cacimbas naturais", explica Marcélia Marques.

Nesta segunda etapa, poderão ser encontrados os fósseis da megafauna. Os pesquisadores de outras instituições também integrarão os trabalhos.

Serão coletadas amostras de sedimentos, como resto de pólen, para identificar vegetais. Estudos na paleobotânica, por exemplo, reconstruirão o paleoambiente da Lagoa do Fofó.



Preservação



Um ponto que preocupa os pesquisadores é quanto à conservação e preservação do ambiente e das evidências encontradas.

Apesar das rochas aparentarem fortaleza, a pesquisadora explica que elas também têm suas fragilidades.

O processo de contração-descontração da rocha, exposição à altas temperaturas, desplacamento e destruição antrópica (aquela realizada pelo homem) são alguns danos que as inscrições rupestres podem sofrer.

A circulação de animais também pode danificar instrumentos como os líticos de pedra lascada (pontas de lanças, suportes para corte etc.).




Para minimizar os danos, algumas ações serão colocadas em prática pelo projeto, como a instalação de termo-higrômetros, que vão monitorar por dois anos a variação diária da temperatura do local.

"É possível fazer uma restauração do painel de arte rupestre, mas vai ficar para um outro momento. Vamos sugerir que o material coletado seja acondicionado de forma correta, porque muitos permanecem no local e são pisoteados pelos animais que circulam por lá", sugere Marcélia.

Até setembro de 2012, o projeto pretende esclarecer aspectos da formação da estrutura geológica dos tanques, conforme já foi feito em São Raimundo Nonato (PI), na Serra da Capivara, e outros Países da América do Sul.

"No Piauí, eles já constataram o registro da megafauna há 6 mil anos. Mas os Países da América do Sul ainda não conseguiram descobrir de que forma se dava a relação entre estes animais e as populações", afirma Marques.



Abrangência




420 Metros de altura mede o serrote da Lagoa do Fofó, em Quixeramobim. As pesquisas são realizadas no monólito margeado pela lagoa. O objetivo é ampliar para outros do Município em breve.




Fonte:
Diário do Nordeste

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