segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os poderes do rato-toupeira-pelado contra o câncer



 
 
Grupo de cientistas descobrem que resistência a tumores da espécie está ligada a anormalidade na produção de ácido hialurônico.
 
 
Escrever sobre o rato-toupeira-pelado é um problema. Ele tem tantas características bizarras, e não há espaço para escrever sobre todas elas. 


Por enquanto, vamos esquecer que eles parecem um dedo enrugado com dentes na ponta, que eles não sentem dor na pele, sua tolerância a níveis asfixiantemente baixos de oxigênio, seu esperma estranho e seu mau controle de temperatura corporal. 


Não vamos nem lembrar que eles vivem em colônias como a de formigas, com rainhas e operários. Ignore sua capacidade de viver por mais de 30 anos - uma expectativa de vida excepcional para um roedor do seu tamanho.


Vamos nos concentrar na questão do câncer: uma doença que eles não têm.


Ninguém nunca descobriu um tumor em um rato-toupeira-pelado. Os cientistas criam grandes colônias dos roedores e já os observaram por muitos anos. Nunca se viu um indivíduo espontaneamente desenvolver câncer.



Agora, Xiao Tian, Jorge Azpurua e Christopher Hine, da Universidade Rochester descobriram um dos segredos desta resistência extraordinária.


O grupo estava cultivando células de pele dos animais em frascos de laboratório, quando notaram algo estranho: o líquido da cultura celular ficava viscoso depois de alguns dias.


Isso acontecia porque as células secretavam ácido hialurônico, que engrossava o líquido. O ácido hialurônico é um açúcar comum na pele, cartilagem e outros tecidos conjuntivos.


Como rejunte na parede, é uma das muitas moléculas que preenchem os espaços entre as células e lhes dá apoio. O rato-toupeira-pelado produz uma molécula de ácido hialurônico que é cinco vezes maior que a nossa. E produz muitas delas.


Há duas inovações por trás desta fartura de ácido hialurônico. Os animais produzem versões ineficazes das enzimas que digerem o ácido, bem como versões alteradas da proteína que produz a substância, a HAS2.


Ela é feita de 552 aminoácidos, que na versão do rato têm apenas dois alterados em relação a de outros mamíferos. Estas duas pequenas mudanças foram suficientes para criar um ácido hialurônico monstro.


Andrei Seluanov, que liderou o estudo publicado no periódico Nature, suspeita que a molécula maior de ácido hialurônico literalmente prende células potencialmente malignas, evitando que elas se soltem e desenvolvam tumores.


Mas ele também previne que as células tenham contato uma com as outras se começarem a crescer descontroladamente. Isto é chamado "inibição de contato" -- é porque células saudáveis fazem uma camada plana em uma placa de Petri, mas células cancerosas se empilham umas em cima das outras.


Baseados em um estudo anterior, a equipe de Seluanov suspeitava que os ratos-toupeira-pelados estavam protegidos do câncer porque eles eram especialmente sensíveis à inibição de contato.


Agora, descobriram que o responsável por isso é o ácido hialurônico. As células do roedor são muito receptivas à substância: quando elas se aproximam, o ácido gruda na superfície celular e inicia uma programação genética que impede que cresçam.


Para testar sua hipótese, o grupo ativou dois genes de câncer em células do rato e as transplantaram em camundongos.


Normalmente, nada deveria acontecer - as células são realmente resistentes a câncer. Mas quando os cientistas interferiram com o ácido hialurônico, tanto parando sua produção quando melhorando sua destruição por enzimas, as células de rato-toupeira-pelado fizeram o impensável: desenvolveram câncer.


Isso fez com que Seluanov considerasse o ácido hialurônico o principal mecanismo anti-câncer da espécie de roedor. Afinal, quando ele foi alterado, as células do animal se tornaram tão suscetíveis a tumores quanto as de um camundongo.


Calma lá, avisa Rochelle Buffenstein do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, que descobriu a resistência ao câncer da espécie. "Já é o terceiro que descobre um mecanismo potencial," diz.


"Claramente, existem várias defesas usadas pelo organismo do rato". Outros podem incluir suicídio em massa de células crescendo desordenadamente, e tolerância para moléculas de oxigênio que danificam DNA.


Então como a espécie desenvolveu este ácido hialurônico gigante? A resposta pode ter nada a ver com câncer. Seluanov diz que açúcares grandes são ligeiramente flexíveis e se cercam de moléculas de água -- duas propriedades que fazem a pele do rato-toupeira-pelado ser solta e elástica.


Ela o ajuda a se mover por apertados túneis subterrâneos sem se machucar ao se esfregar contra pedras, raízes ou terra. Talvez o ácido hialurônico evoluiu como uma adaptação à vida subterrânea, e uma vida sem câncer foi só um bônus.


O que esta descoberta significa para os seres humanos? É tentador imaginar que o ácido hialurônico tem o segredo para acabar com câncer, mas é preciso ter cuidado. No início das pesquisas com o ácido, pesquisadores descobriram que ele pode tanto prevenir quanto causar o mal.


Desde então, foi descoberto que o tamanho da molécula é o responsável por sua natureza dupla. Bryan Toole, da Universidade Médica da Carolina do Sul, que estuda o ácido, disse que altas concentrações de versões de moléculas grandes podem realmente impedir que células se tornem cancerosas, enquanto as moléculas menores causam a doença.


De modo similar, as moléculas grandes diminuem inflamações enquanto as menores as pioram, o que pode ser relevante já que inflamação está ligada a vários tipos de tumores. "Não está claro como a célula distingue entre os dois tipos," acrescenta Seluanov. É algo que seu grupo ainda precisa descobrir.




(Por Ed Yong)
 
 
 
 
Fonte: IG

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