Abaixo reportagem de Mauricio Stycer publicada na Folha de São Paulo em 11 de maio de 1997:
O regime militar brasileiro (1964-1985) investigou, nos anos 70, casos de supostos aparecimentos de discos voadores e espionou as atividades dos especialistas brasileiros em ETs (extraterrestres).
Documentos do extinto Dops (Departamento de Ordem Política e Social), hoje guardados no Arquivo do Estado de São Paulo, mostram que os chamados serviços de informação perderam tempo e dinheiro averiguando o “seqüestro” de um comerciante paulista por tripulantes de um objeto voador não-identificado (óvni).
Os documentos também mostram que o Dops chegou a convocar para depor dois ufólogos, pessoas que são estudiosas de óvnis (UFOs, em inglês), e infiltrou um agente para acompanhar as reuniões periódicas de um grupo de apaixonados por discos voadores.
Localizados pelo historiador Cláudio Tsuyoshi Suenaga, os documentos confirmam algo que os ufólogos brasileiros sempre suspeitaram, mas que a comunidade científica via apenas como mais um sintoma da mania de perseguição que acomete muitos desses estudiosos: “Os militares sempre se preocuparam com o fenômeno óvni”, diz Suenaga.
O historiador, que prepara tese de mestrado sobre o tema na Unesp (Universidade Estadual Paulista), vai além: “É claro que existe um ‘Arquivo X’ brasileiro. Até hoje existe preocupação do governo brasileiro com esse tema”. (…)
Na avaliação de Cláudio Suenaga, os documentos do Dops que encontrou mostram claramente que o interesse original dos serviços de informação era pelo “fenômeno óvni em si”.
À medida que a investigação da polícia política evolui, o foco de atenção passa a se concentrar nas atividades dos ufólogos, visando averiguar se praticavam algum tipo de atividade “subversiva”.
“Os documentos que encontrei são apenas uma parte, uma pequena parte, do ‘Arquivo X’ brasileiro”, diz Suenaga.
Dops queria saber se ufólogos eram ’subversivos’
A investigação “extraterrestre” do Dops tem origem num fato ocorrido no dia 28 de abril de 1974, nas proximidades de Guarantã (423 km a noroeste de São Paulo).
Naquele dia, conforme relato enviado ao diretor do Dops pelo delegado Hermínio José Theodoro, “Guarantã foi abalada pela notícia de que o indivíduo Onilson Patero fora ‘sequestrado’ por um ‘DISCO VOADOR’ há (sic) 12 quilômetros desta cidade”.
O caso Patero, como ficou conhecido, teve grande repercussão na mídia. Comerciante, estabelecido em Catanduva (385 km a noroeste de São Paulo), ele afirmava ter tido dois contatos com óvnis.
O primeiro teria ocorrido em maio de 73, numa rodovia próxima a Catanduva. No segundo “encontro”, que causou maior alvoroço, Patero sumiu por seis dias.
O carro do comerciante foi encontrado abandonado numa rodovia no interior de São Paulo na manhã do dia 29 de abril e ele reapareceu após seis dias numa fazenda em Colatina, no Espírito Santo.
No relatório que enviou ao Dops, o delegado Theodoro observa que, ao narrar para jornalistas a sua viagem num disco voador, Patero estava na companhia de quatro “elementos estudiosos da Associação de Estudos dos óvnis”.
O delegado se apressa em identificar os estudiosos e pedir ao Dops que os investigue, na tentativa de ajudar a esclarecer se, de fato, Onilson Patero viajou num disco voador de Guarantã a Colatina.
Em São Paulo, a investigação foi comandada por Roberto Quass, à época delegado-adjunto do Serviço de Informações (SI) do Dops.
O SI era então comandado pelo hoje senador Romeu Tuma (PFL-SP), que, segundo mostra um documento, tomou conhecimento da principal investigação sobre os óvnis “vistos” pelo comerciante Onilson Patero.
Entre os ufólogos que estiveram com Patero em Guarantã e serão investigados pelo Dops, estão dois dos pioneiros da ufologia no país, Max Berezovsky e Willi Wirtz.
É o delegado Quass que toma os depoimentos de Berezovsky e Wirtz, à época integrantes da Associação Brasileira de Estudos das Civilizações Extraterrestres. Os depoimentos à polícia foram dados no dia 11 de outubro de 74, quase seis meses após o caso Patero aparecer nos jornais.
O médico Berezovsky (…) afirmou em seu depoimento que considerava verdadeiro o relato de Onilson Patero sobre o seu primeiro encontro com um disco voador, mas via sinais de que o segundo encontro fora inventado.
Por sua vez, o professor Wirz disse à polícia que considerava falsos os dois “encontros” de Patero com discos voadores.
Segundo Wirz, a história contada pelo comerciante de Catanduva era “completamente inconsistente, com muitos pormenores que lembram filmes de televisão, principalmente a série ‘Os Invasores’”. (…)
No final de outubro, o delegado Quass parece se dar por satisfeito com os depoimentos de Berezovsky Wirz e aceita a conclusão de que Onilson Patero é um “mitômamo”, que “apresenta certa alteração neurológica”.
O seu relato é enviado ao delegado Romeu Tuma, que o encaminha ao então diretor-geral do Dops, Lúcio Vieira. O caso parece encerrado – mas será reaberto.
Em janeiro de 75, a investigação sofre uma reviravolta – e os ufólogos de São Paulo é que passam a ser investigados.
Um documento com carimbo do 2º Exército, enviado ao Serviço de Informações do Dops, relata que “tem havido reuniões de cunho duvidoso” na casa de Max Berezovsky e num clube israelita em Higienópolis (centro de SP).
Nessas reuniões, “com a idéia de se realizar debates sobre Estudos das Civilizações Extraterrestres (discos voadores), buscam contatos com estudantes e outros elementos, possivelmente ligados à subversão, para discussão e combate ao governo constituído”.
É este relato anônimo que leva o Dops a infiltrar agentes nas reuniões dos ufólogos paulistanos.
Berezovsky tem certeza de que, no período, teve todos os seus telefones grampeados e era vigiado pela polícia. O que se pode afirmar com certeza é que um agente do Dops assistiu, disfarçado, uma reunião dos ufólogos, em 27 de junho de 75, e relatou detalhes do que viu e ouviu a seus superiores.
Num texto saboroso, porque surreal, o agente relata que “o conferencista (Flávio Augusto Pereira) discorreu sobre a problemática dos discos voadores, transmitindo inúmeras teorias e informações sobre o assunto”.
Mais adiante, o agente informa que “a posição do orador ficou manifesta sobre a existência de tais objetos, como civilizações de outros planetas e galáxias, parecendo também evidente que a maioria dos presentes é aficionada e crente no assunto”.
Por fim, o agente do Dops informa que os ufólogos estão em campanha de novos sócios e, o mais importante, que não observou “qualquer comentário, atitude ou alusão política” no encontro.
Assim, com a conclusão favorável do agente, observa o historiador Cláudio Suenaga, “encerrava-se um dos mais insólitos processos movidos durante o período pelo Estado brasileiro”.
Aeronáutica recolhe dados sobre óvnis
Dentro do governo, o principal centro de referência sobre objetos voadores não-identificados fica no Ministério da Aeronáutica, no Núcleo do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro, conhecido pela sigla Nucomdabra.
A forma de atuação desse núcleo é alvo de muita discussão. Os ufólogos juram que o Nucomdabra investiga aparições de óvnis, desloca agentes para os locais onde eles podem ter aparecido e monitora o espaço aéreo brasileiro atrás de movimentações suspeitas.
A Aeronáutica nega. “O que fazemos é receber informações e arquivar, arquivar, arquivar. Por que não investigamos? Porque não existe uma diretriz específica nesse sentido”, diz o brigadeiro José Montgomeri Rebouças, chefe do Centro de Comunicação Social do Ministério da Aeronáutica.
“Deve ser um assunto palpitante, porque recebemos muitas informações, mas não damos tratamento científico a esses relatos, nem consideramos discos voadores como ameaça aérea”, diz ele.
O ufólogo Cláudio Suenaga, autor da tese de mestrado sobre óvnis, constatou em 1991 que o Nucomdabra faz mais do que apenas arquivar informações sobre supostos discos voadores.
Suenaga enviou ao órgão fotos que tirou em Guaianazes (zona leste de SP) de um suposto óvni.
Em resposta, o então major-aviador Mardem José de Andrade, do Nucomdabra, enviou a Suenaga um “parecer preliminar” sobre as fotos, no qual diz que a luz que se vê no céu “parece tratar-se de um rastro de condensação (jet stream), relativo a uma aeronave em grande altitude”.
Andrade também enviou um questionário-padrão, no qual se pede uma série de informações sobre o óvni, tais como a “posição do objeto”, a sua forma, tamanho, cor, velocidade e rastro, a trajetória e a duração da observação.
Fonte: Blog do Mauricio Stycer
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