sábado, 11 de julho de 2009

Expansão do Canal do Panamá desenterra riqueza paleontológica

Serge Bloch



É impossível Aldo Rincon ficar sozinho. Enquanto um pequeno grupo de cientistas e visitantes com capacetes e coletes laranjas de segurança dava voltas às margens do Canal do Panamá, discutindo sobre o programa de expansão de US$ 5 bilhões que hoje amplia o célebre canal para permitir o tráfego de cargueiros ainda maiores, Rincon, 30 anos, retirou silenciosamente de sua mochila algumas ferramentas de escavação.

Ele se agachou nas proximidades de uma porção indistinta de cascalho e rocha e começou a eliminar metodicamente a sujeira.

A aglomeração de capacetes se afastou por um tempo para inspecionar um trecho de camada vulcânica e sedimentar exposta pelo projeto de construção próximo.

Ao voltarem para onde Rincon raspava a rocha, cientistas e convidados ficaram igualmente impressionados. Em meros 15 minutos de trabalho, Rincon, paleontólogo temporário do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, havia desenterrado um enorme e belo fêmur fossilizado que se projetava de um substrato sedimentar.

O osso tinha cerca de 18 cm de comprimento e estava tão perfeitamente preservado que parecia pronto para uma sopa.

Rincon - alto, esguio, de concentração monástica, costeletas, modernos óculos de aro grosso e pulseira de couro trançado - deduziu que o fêmur pertencia a uma espécie extinta de lhama que havia vivido na área há 20 milhões de anos.

Ele fala com propriedade: já encontrou ossos de lhama antes, assim como lembranças mineralizadas de pré-históricos crocodilos, pecaris, anacondas e tartarugas gigantes.

Uma de suas descobertas, parte do crânio de um cavalo folívoro, está descrita na edição de maio do Journal of Paleontology, em artigo de Bruce MacFadden, do Museu de História Natural da Flórida.

"Aldo possui uma habilidade impressionante de descobrir fósseis", disse Camilo Montes, seu supervisor no Projeto de Geologia do Panamá. "Onde quer que ele cave, encontra outro fóssil."

Atualmente, Rincon e diversos outros cientistas estão escavando o mais rápido possível nas sombras da grande escavação que é o programa de expansão do canal do Panamá, a mais ambiciosa reestruturação do complexo arranjo de eclusas, canais, diques e pontes desde sua construção há um século. O governo panamense iniciou o projeto por razões puramente econômicas.

Em sua atual configuração, o atalho de 82 km entre os oceanos Pacífico e Atlântico garante apenas a passagem de navios com até 65 mil t de carga.

Mas muitas companhias de frotas mercantes internacionais preferem utilizar navios-cargueiros com capacidade para até 300 mil t.

Como resultado, o Canal do Panamá tem perdido negócio para outras rotas transoceânicas; e com os pedágios do canal equivalendo a quase US$ 10 mil por navio em passagem de mão-única, e potencialmente mais para cargueiros maiores, o governo decidiu que não tinha outra escolha senão ampliar e ajustar o canal para os gigantes dos mares.

Para cientistas, o projeto de engenharia massiva promete desdobramentos espetaculares. Os trópicos são considerados a sala de bagunça da natureza, o habitat onde a maioria das formas de vida do mundo começou e, portanto, de grande interesse para estudiosos evolucionários. Entretanto, as mesmas condições propícias à diversidade biológica e inovação acabam obscurecendo a biografia da vida.

O sol, a água, as plantas em crescimento frenético, nada permanece exposto por muito tempo e evidências fósseis são empurradas cada vez mais para baixo de sucessivas páginas de crescimento e declínio.

O verdor tropical também mascara sua geologia, a história subjacente de como a paisagem se formou.

Essa indefinição é uma lástima particular no caso do istmo do Panamá, dado seu papel decisivo como ponte entre dois continentes.

Geólogos anseiam por compreender como e quando o istmo surgiu, mas os trópicos não são o Arizona e nem há um Grand Canyon que sirva de livro aberto.

O projeto de expansão de cinco anos começou no ano passado, oferecendo aos cientistas um tipo de cânion efêmero, um breve expurgo da cobertura de clorofila.

Usando dinamite, buldôzeres, retroescavadeiras, escavadoras e muitas, muitas pás, operários rearranjarão centenas de milhões de metros cúbicos de lama e pedra.

"Não há nada parecido para conseguir tanta exposição nos trópicos", disse Montes. "Não podemos perder essa oportunidade científica."

Carlos Jaramillo, também do Smithsonian, disse: "Sabemos que somos apenas convidados por aqui, mas pelo menos estão cavando um buraco de US$ 5 bilhões."

No canal, não há tráfego lento ou adiamentos. No momento em que os operários explodem uma nova abertura, pesquisadores avançam para lá imediatamente e coletam o máximo de dados que conseguem.

Além da selva estar sempre pronta para reclamar solo descoberto, as autoridades do canal também estão dedicadas ao reflorestamento, acrescentando uma camada superficial onde necessário para incentivar uma nova cobertura vegetal estabilizadora.

Eles não querem repetir as muitas tragédias que acompanharam a construção do canal original, quando milhares morreram em deslizamentos causados pelo desnudamento acelerado do terreno.

"Estamos numa corrida contra o tempo", disse Jaramillo. Esses encontros-relâmpagos já renderam frutos aos cientistas.

Pela análise de mais de dois mil fósseis, o registro estratigráfico, revelado por novos cortes rochosos, dados paleomagnéticos, razões isotópicas, radiação de carbono e outras fontes, deu uma ideia aos pesquisadores de como uma antiga floresta tropical se pareceria.

Há cerca de 15 milhões de anos, embora o Panamá fosse o posto mais austral do continente norte-americano e a ligação de terra ainda não estivesse formada, a floresta era um grande sonho de miscigenação.

Sua fauna, segundo MacFadden do museu da Flórida, era similar à encontrada na Flórida e no Texas, ou seja, lhamas saltitantes e cavalos folívoros que pareciam grandes antas, antas médias que pareciam antas, rinocerontes silvestres e um carnívoro especialmente feroz que era meio urso, meio cachorro.

Entretanto, a flora parecia sul-americana, o resultado aparente de sementes que atravessaram o oceano em correntes marítimas ou pelo vento e encontraram solo amigável no calor panamense.

Há cerca de 10 milhões de anos, o istmo do Panamá começou a se formar. Agora, pesquisadores estão descobrindo que o minúsculo país é um dos lugares mais geologicamente complexos do planeta: parte caribenho, parte norte-americano, parte uma pequena ilha no meio do Pacífico, parte um minúsculo trecho de um arco de ilhas.

"Quatro placas tectônicas estão envolvidas e todas elas colidem no Panamá", explicou Jaramillo. "Você não vai encontrar esse tipo de configuração tectônica em nenhum outro lugar do mundo."

Além disso, enquanto a maior parte das placas tectônicas do mundo é rígida, um dia se colidindo, outro se quebrando, as placas do Panamá são flexíveis.

"Elas parecem estar dobrando e não sabemos o motivo", disse Jaramillo. Talvez seja um aquecimento para o dia em que, logo acima, as eclusas renovadas forem abertas e o fluxo pesado for liberado.


Fonte: Terra/The New York Times

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