Recentemente, a antropóloga Louisa Lombard, da Universidade da
Califórnia em Berkeley (EUA), descreveu um caso curioso que presenciou
ao visitar uma pequena cidade na República Centro Africana, envolvendo
dois homens que afirmavam que seus pênis haviam sido roubados.
Isso mesmo. Parece que, no dia anterior, um viajante havia visitado a
cidade e apertado as mãos de um vendedor de chá, que imediatamente
alegou que sentiu um choque, que por sua vez fez seu pênis encolher.
Ele
gritou no instante do acontecimento, reunindo uma multidão, na qual um
segundo homem disse que o mesmo havia acontecido com ele.
Eu e você estamos provavelmente pensando a mesma coisa: “isso é impossível”, ou então “isso é uma piada”.
Mas não é. Na verdade, é um distúrbio psicológico real, chamado de síndrome do Koro, ou simplesmente koro.
Nessa síndrome, as vítimas (principalmente homens, mas pode ocorrer
em mulheres) passam a acreditar que seus genitais estão encolhendo ou se
retraindo para dentro do corpo.
A preocupação não é só com a sua
sexualidade, mas também com sua vida, uma vez que as pessoas acreditam
que a condição pode ser fatal se não for revertida.
A fim de evitar maior encolhimento, existem casos relatados de
vítimas que amarraram firmemente seus pênis com grampos, corda ou metal –
às vezes até mesmo pedindo que membros da família o segurassem até que
algum tratamento pudesse ser realizado, geralmente por curandeiros
tradicionais locais ou xamãs.
A condição tem sido mais frequentemente descrita na África nas últimas décadas, embora tenha também sido amplamente registrada na Ásia.
“Nos últimos anos, a mídia em diversos países do Oeste Africano
relatou episódios periódicos de ‘pânico’ em que homens e mulheres são
espancados, às vezes até a morte, depois de serem acusados de encolher
ou desaparecer com pênis, seios e vaginas”, escreveram Vivian Dzokoto e
Glenn Adams em um estudo publicado em 2005 na revista Culture, Medicine
and Psychiatry.
“Pelo menos 56 casos separados de encolhimento,
desaparecimento e roubo genital foram relatados nos últimos sete anos
[1998-2005] pela mídia de sete países da África Ocidental”.
Vítimas de koro geralmente acreditam que um toque, mesmo acidental,
de um estranho causa o roubo, da mesma forma que um batedor de carteira
pode furtar sua bolsa.
Enquanto algumas reportagens afirmam que ninguém nunca morreu
diretamente de koro – a condição é puramente psicológica, ou seja, os
principais perigos da síndrome são relacionados à ansiedade causada pelo
medo -, outras afirmam que as medidas extremas que as pessoas tomam
para “puxar os genitais para fora” do corpo são conhecidas por causar
lesão e até morte.
Indubitavelmente, no entanto, a crença em koro pode ter consequências
mortais: centenas de pessoas já foram acusadas de roubar (ou encolher)
os genitais de outras, e dezenas foram mortas por conta disso.
Em muitos casos, “vítimas” de koro que gritaram e pediram a
transeuntes para ajudar a prender o “ladrão de pênis” – este muitas
vezes surpreso e protestando a sua inocência – acabaram linchando o
coitado no local da confusão, como outros episódios de “justiça de rua”
que vemos por aí.
Sistema de crenças
Especula-se que o termo “koro” venha do malaio. Supostamente, a
palavra refere-se a cabeça de uma tartaruga conforme ela se “esconde”
para dentro do casco.
Considerando que a síndrome do Koro é a crença de
que os órgãos genitais estão recuando para dentro do corpo, a metáfora é
válida.
O aparecimento da síndrome é súbito. Segundo os médicos, os sintomas
relacionados com a doença são distorção da imagem corporal, autoestima
baixa, obsessão por réguas e fitas métricas, medição frequente dos
órgãos genitais, inquietação, irritabilidade, depressão, pânico e
ansiedade.
Quando a síndrome era quase que exclusivamente relatada em países do
leste da Ásia, os cientistas acreditavam que era devido a alguma
tendência intrínseca cultural para um tipo específico de preocupação.
Também indagavam se o distúrbio não havia começado como um boato ou
lenda que foi interpretado literalmente na região.
Na Ásia, os que desenvolvem a síndrome normalmente possuem conflitos
interpessoais, e são mais vulneráveis a pressões socioculturais (que
impõe tamanhos ideais para os órgãos genitais).
Exposição ao frio, coito
excessivo, conflitos interpessoais e pressões socioculturais, são,
resumidamente, fatores que os cientistas acreditam que podem levar à
síndrome.
No entanto, hoje se sabe que a estranha condição pode ser entendida
de uma variedade de maneiras. Do ponto de vista psicológico, pode ser
vista como um exemplo de histeria ou ilusão em massa, em que uma crença
cultural coletiva pode manifestar-se na forma de experiências pessoais –
seja essa experiência objetivamente “real” ou não.
As vítimas desse pânico do encolhimento de genitália podem se
recuperar dentro de horas ou dias depois de serem convencidas de que a
“doença” foi curada ou nunca existiu, bem como podem não ter quaisquer
problemas psicossexuais.
Nestes casos, mais comuns na África, a ilusão é possível graças à
crença subjacente na bruxaria, ou magia negra.
Uma pesquisa da Gallup em
2010 descobriu que a crença na magia é generalizada em toda a África
subsaariana, com mais da metade dos entrevistados dizendo que acreditam
pessoalmente em bruxaria.
Estudos realizados em 18 países da África subsaariana mostram que
essa crença varia muito, mas em média, 55% das pessoas entrevistadas
acreditam em magia.
Como a maioria dos ocidentais não acredita em magia e bruxaria – ou
pelo menos não na variedade que tem o potencial de reduzir ou roubar os
genitais de alguém -, não há sistema de crença subjacente que tornaria o
koro plausível e, portanto, não há relato da doença por aqui.
No entanto, segundo alguns médicos, conforme a síndrome torna-se mais
conhecida nos países ocidentais, casos esporádicos têm sido
registrados.
A diferença é que estes casos tendem a ser associados a
outras doenças psicológicas, enquanto que em outros lugares a síndrome é
frequentemente diagnosticada em pessoas perfeitamente saudáveis.
“É um lembrete oportuno de que ninguém está imune a delírios de massa
e que a influência da cultura e da sociedade no comportamento
individual é muito maior do que a maioria de nós gostaria de admitir.
Qualquer ilusão é possível se a falsa crença de que lhe está subjacente é
plausível”, escrevem Robert Bartholomew e Benjamin Radford no livro
“Hoaxes, Myths, and Mania: Why We Need Critical Thinking” (em português,
algo como “Trotes, Mitos, e Manias: Por que Precisamos de Pensamento
Crítico”).
No caso da crença em magia, “tratamentos” com curandeiros podem ser o
suficiente para aliviar o sofrimento da “vítima”.
No caso de um
distúrbio mental mais grave, tratamento com acompanhamento psicológico
pode ser feito. Médicos dizem que a psicoterapia pode regredir os
sintomas e reajustar emocionalmente o doente.
A terapia habitual envolve
também medicação antiansiedade ou antipsicótica, para ajudar o doente a
recuperar uma visão objetiva.
Fonte: Hypescience
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