Grupo da Unicamp participará de escavação em porto de Chichén Itzá. Rede de trocas ligava região do México aos EUA e à América do Sul.
Pesquisadores brasileiros estão se preparando para investigar os segredos da ilha de Cerritos, que há mais de mil anos funcionava como porto de Chichén Itzá, uma das maiores cidades da civilização maia.
Em parceria com uma equipe internacional, um grupo do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) deve realizar escavações na ilha e em seus arredores no primeiro semestre deste ano.
"Queremos entender como o comércio de longa distância influía na economia das cidades maias. Além disso, queremos explorar a região em busca de entrepostos de comércio que ainda não sejam conhecidos", explicou ao G1 o arqueólogo Alexandre Guida Navarro, da Unicamp.
A coordenação geral dos trabalhos ficará a cargo de Rafael Cobos, arqueólogo da Universidade Autônoma do Yucatán (México).
Chichén Itzá, localizada no norte da península do Yucatán, teve seu apogeu entre os anos 800 e 1000 da Era Cristã, quando sua população tinha em torno de 30 mil habitantes.
Navarro explica que, a julgar pelo que já se descobriu na ilha de Cerritos, os mercadores maias tinham sua miniversão do que chamaríamos "globalização".
"Sabemos que as trocas de longa distância eram bastante praticadas porque muitos produtos vinham de fora do território maia", diz ele.
A lista é longa: conchas do Pacífico; cerâmica da Guatemala; obsidiana (uma rocha vulcânica apreciada para a fabricação de armas e objetos rituais) das terras altas do México; ouro do Panamá ou, talvez, da Colômbia; turquesa do sudoeste dos EUA -- tudo pago com os principais produtos de Chichén Itzá, como mel, algodão e sal.
O raio de atuação comercial ultrapassava os 2.000 km. "Os maias aproveitavam os rios e o litoral para transportar todos esses produtos", afirma o arqueólogo.
A presença dos mesmos objetos e de elementos arquitetônicos muito parecidos, bem como a proximidade, sugerem fortemente que Cerritos era o porto da metrópole maia.
A ilha na verdade é uma ilhota, com apenas 200 m de comprimento, mas há sinais claros de sua importância estratégica para a navegação comercial maia.
Ao sul de Cerritos, por exemplo, já dentro das águas do mar, foi construído um muro que minimizava a força das ondas e, ao mesmo tempo, tinha uma abertura para permitir a passagem de barcos.
No alto desse mesmo muro, há sinais de torres de vigia, ideais para o monitoramento do tráfego marítimo. E, no interior da ilha, morros artificiais podem ter servido como forma de diminuir a intensidade dos ventos.
O comércio maia, contudo, não usava veleiros. "Os barcos eram feitos com um único grande tronco de cedro, mediam cerca de 10 m e carregavam até 40 pessoas", diz Navarro.
Os pesquisadores pretendem descobrir novas pistas sobre como a ampla rede de trocas de Cerritos turbinava a economia maia, bem como entender melhor a função de algumas estruturas misteriosas, como os chamados pátios-galerias -- áreas rebaixadas em relação ao nível natural do solo que eram cercadas por uma galeria com colunas.
Boa parte dessa complexidade cultural já não existia na região quando os espanhóis chegaram ao Yucatán durante a Era dos Descobrimentos.
Uma das poucas áreas ainda ativas em Chichén Itzá na época do contato com os europeus era o chamado Cenote, uma espécie de poço natural que era sagrado para a cultura maia.
"Como há poucos rios na região, a principal fonte de água era esse tipo de poço. O costume era fazer sacrifícios humanos ao deus da chuva no Cenote, principalmente de crianças do sexo masculino", diz Navarro.
É provável que a combinação de secas e crescimento populacional desenfreado tenha levado à fome e à perda do poderio maia na área, conta o arqueólogo.
A pesquisa tem apoio financeiro da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Fonte: G1
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