Somente no ano passado, foram 79 ataques, o maior número da década. Em apenas um dia de dezembro, no Egito, quatro banhistas foram atacados - dois perderam os braços; e outro, a mão.
Cenas como esta explicam por que a popularidade do animal anda tão em baixa. Mas não esclarece o que tem deixado esses peixões tão inquietos. Os biólogos, no entanto, já chegaram a consenso: somos nós.
Na verdade, dizem, eles são as maiores vítimas, em razão do aumento do número de pessoas na água, da destruição do ecossistema marítimo e da pesca descontrolada.
Para se ter uma ideia, a média anual de pessoas mortas por peixes é inferior a cinco. Virou piada, mas é verdade: é mais fácil alguém morrer atingido por um coco do que atacado por um tubarão.
Enquanto isso, mais de 70 milhões deles são abatidos todos os anos, em boa parte devido à demanda pela barbatana. Cerca de 120 países participam dessa pesca predatória, entre eles, o Brasil.
- O número de ataques causados por tubarões aumentará a cada década - assegura George Burgess, diretor do Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões, vinculado à Universidade da Flórida. - Eles causam poucas mortes e, francamente, elas não são nossa maior preocupação. Concentramos esforços em modos de administrar a pesca e garantir que nossos filhos e netos possam ver essas espécies no mar.
Não é uma missão tão simples quanto parece. Na Costa Leste americana, onde está Burgess, alguns tipos de tubarões tiveram sua população reduzida em 90%.
Em todo o mundo, o tubarão branco perdeu 80% de seus indivíduos em apenas duas décadas. Se ainda não houve espécies extintas, é porque se trata de um animal oportunista, que sempre troca de área.
Mesmo ágil e daquele tamanho, o tubarão é vulnerável às mesmas pressões das espécies muito menores com quem divide os oceanos. Afinal, trata-se de um animal que ocupa o topo da cadeia alimentar.
Se a temperatura do planeta continuar subindo, por exemplo, os recifes de corais serão embranquecidos, o que sacrificará o número de peixes, e diminuirá a alimentação disponível para os tubarões, comprometendo a existência também dessas populações.
E, ao contrário do que ocorre com o urso panda, o mico-leão dourado e que tais, quando se trata de tubarões, os ambientalistas não contam com o apoio popular.
Para a maioria da opinião pública, esses peixões de 8 mil dentes devem ser relegados aos livros de História e à panela.
- Nossas culturas são diferentes, as linguagens também, mas a reação provocada pelos tubarões são a mesma - analisa. - Ficamos preocupados com algo que não conseguimos ver ou controlar.
Não nos sentimos muito à vontade na água, não é o local onde somos melhores. Por isso temos medo.
Nos últimos 20 anos, tivemos algum sucesso com a mídia. Mas mudar a cabeça das pessoas, mostrar como o tubarão é parte daquele ecossistema, é uma luta diária. E basta um ataque para voltarmos à estaca zero.
Embora os últimos três anos tenham assistido a uma ascendente no índice global de ataques de tubarões - foram 53 em 2008, 63 em 2009 e 79 no ano passado -, alguns especialistas consideram cedo demais para concluir que os mares vão se tornar cada vez mais hostis ao homem.
- Vendo apenas três anos não dá para dizer que há uma tendência de aumento. É preciso considerar por que, onde e com que frequência os tubarões estão atacando pessoas - avalia Bryan Wallace, diretor de Ciência do Programa de Espécies Marinhas da Conservação Internacional e professor da Universidade Duke, nos EUA. - Alguns deles, de áreas frequentemente visitadas por mergulhadores, respondem aos motores de barco aproximando-se deles, não fugindo.
Há, também, especulação de que as práticas de pesca diminuem as presas naturais consumidas por tubarões.
Para Fábio Hazim, diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco, trata-se de um “oscilação natural” dos índices.
O principal fator, ele concorda, é o aumento da presença humana no litoral. Em seu estado, porém, outros motivos deve ser considerados.
A costa da Região Metropolitana de Recife é uma zona de caça popular entre tubarões, principalmente o tigre e o cabeça-chata.
Eles buscam alimento onde as ondas arrebentam - área também benquista pelos surfistas. O fato de a água ser turva facilita ainda mais uma tragédia.
Não à toa, Pernambuco responde por 51% (45) das agressões promovidas pelos tubarões no Brasil entre 1931 e o ano passado (88).
- Temos conseguido diminuir a incidência de ataques capturando-os e transportando-os para o alto mar - conta Hazim. - Marcamos os animais, para que possamos conhecer suas rotas, e depois eles são soltos longe da praia.
O que poucos imaginam é que os ataques evitados pela trupe de Hazim, na maioria das vezes, não são intencionais.
Segundo Marcelo Szpilman, biólogo marinho e diretor do Instituto Aqualung, o tubarão-tigre “confunde o surfista com uma tartaruga”.
- Visto por baixo, o surfista é só uma prancha, uma superfície lisa, com duas pernas - lembra. - Eventualmente, por um erro de identificação, o tubarão dá a mordida investigatória, percebe que seu alvo não é o que ele imaginava e solta a vítima.
Quase todos os acidentes ocorrem com uma única mordida em uma extremidade. Ou, então, para marcar território, principalmente se a autora do ataque é uma fêmea grávida.
Szpilman lembra que a região de Suape, ao Sul de Recife, era um mangue - região rica em biodiversidade e fornecedora de alimento -, que, no início dos anos 90, foi aterrado e perdeu duas bocas de rio, obra necessária para a construção de um porto.
Era neste local que as fêmeas subiam o rio para dar à luz seus filhotes. Os tubarões que batiam ponto ali se deslocaram para a Grande Recife. E, assim, houve aumento da interação dos homens com estes animais.
Ainda de acordo com o biólogo, hoje os estudos de impacto ambiental jamais autorizariam um empreendimento com aquele porte.
- Aquela foi uma circunstância excepcional - opina. - Não se permitiria mais aquela intervenção agora, quando a consciência ecológica é mais forte.
Fonte: Extra Online
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