sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O fim dos astecas na visão indígena


Localizadas ao lado de uma imponente catedral do século XVIII, as ruínas do que já foi o maior centro imperial asteca resistem ao tempo e à multidão que transita na Cidade do México.

Pouco sobrou da chamada Tenochtitlán, fundada em 1325 pelos mexicas, ou astecas, assim conhecidos por sua origem mítica em Aztlán, povoado ao Norte do continente.

Em seu esplendor, Tenochtitlán reuniu 120 mil habitantes, e dominou povos até a Guatemala. Essa hegemonia terminou em agosto de 1521, quando a expedição espanhola de Hernán Cortés, engrossada por grupos indígenas subjugados, derrubou o centro mexica.

Não foi uma conquista rápida, diferentemente do que se costuma imaginar. Os nativos registraram sua resistência e o sofrimento em códices (placas em que se registravam acontecimentos) que, quase 500 anos após a queda do império, estão sendo resgatados para mostrar o outro lado dessa história.

Cortés chegou à costa mexicana em 1519 com 500 homens para exigir dos senhorios indígenas o reconhecimento à Coroa espanhola.

Ali não encontrou muita resistência, mas a violência aumentou com o avanço da expedição rumo ao centro do país, onde estavam os povos mais desenvolvidos.

Em Tlaxcala, o exército espanhol forçou uma aliança com os tlaxcaltecas ao se impor como nova potência bélica.

Depois, em Cholula, ordenou um ataque surpresa e dominou os cholultecas. Seu maior objetivo, porém, era derrubar o império do tlatoani (governante) mexica Montezuma. Mas a primeira investida falhou.

Com os indígenas subjugados unidos à tropa, Cortés entrou na região formada pela aliança entre a capital imperial Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopán.

A recepção foi pacífica, mas Cortés aprisionou Montezuma no palácio em que os espanhóis foram hospedados. Assim ficaram até meados de 1520, quando, segundo relatos dos conquistadores, eles se assustaram ao presenciar uma festividade dedicada ao deus da guerra, Huitzolopochtli, e atacaram os mexicas.

Os testemunhos indígenas afirmam que o massacre foi uma estratégia para apropriar-se do ouro. Os nativos reagiram. Cortés escapou por pouco, Montezuma morreu - segundo os espanhóis, pelas mãos do próprio povo, mas de acordo com registros indígenas, assassinado por Cortés.

Refugiados em Tlaxcala, os espanhóis conquistaram o apoio de mais povos descontentes com a soberania mexica. Só derrotaram Tenochtitlán um ano depois, com um exército numeroso, barcos carregados com canhões e a "ajuda" do vírus da varíola.

Cuauhtémoc, o último líder asteca, foi capturado em 1525 - o fim de uma era para os índios mexicas.

- A aliança entre Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopán havia expandido seu império com a exigência de impostos aos povos conquistados, o que criou um frágil equilíbrio entre os senhorios indígenas - explicou ao GLOBO Francisco González-Hermosillo, historiador do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH) do México. - Existem mitos de que uns poucos espanhóis conquistaram o centro imperial mexica, mas, na verdade, Cortés soube se aproveitar dessa relação delicada para aumentar suas tropas.



Apesar de muitas tradições pré-hispânicas terem sido abolidas com a Conquista, os povos nativos mesoamericanos, em especial no México, mantiveram um elaborado sistema pictográfico onde registravam sua história e crenças.

Os frades espanhóis incentivaram a continuidade da prática numa tentativa de compreender a religião local e modificá-la.

Cerca de 50 códices indígenas restaram da época colonial. A maioria foi levada à Europa, mas várias reproduções estão na exposição "A Conquista a sangue e fogo", no Museu de Antropologia da capital mexicana.

À primeira vista simples e até influenciados pela estética europeia, a coleção de manuscritos vale mais pelo significado.

- Os códices não eram só um registro da época, mas também agenda política de como as comunidades indígenas poderiam inserir-se na Nova Espanha. Pintar significava existir - afirma Diana Magaloni, diretora do Museu de Antropologia.

É o caso do Códice Florentino, crônica de toda a Conquista e mais importante fonte do passado pré-hispânico no altiplano central mexicano. Mantido em Florença e escrito em língua náhuatl, ele foi organizado pelo frade Bernardino de Sahagún com toda a estrutura religiosa e os deuses venerados pelos nahuas pré-hispânicos, grupo étnico que falava náhuatl.

Já no Códice de Huexotzinco (1531), os indígenas reproduziram os impostos que eram obrigados a pagar, principalmente ouro, além de algodão, milho, cacau etc.

Sem o tributo, eram castigados, queimados ou mortos por cachorros treinados para persegui-los.

- Esses documentos chegaram a ser apresentados em tribunais espanhóis como prova da exploração dos conquistadores - conta González-Hermosillo, também curador.

Hoje, 6,7 milhões de mexicanos, menos de 7% da população, sabem alguma língua indígena. O Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi) registra 89 línguas indígenas no país, das quais nove são faladas por menos de uma dezena de pessoas e outras dez línguas por menos de uma centena.

- Existem iniciativas isoladas de evitar sua extinção. Já da gastronomia pré-hispânica, muito se perdeu, embora a tortilha se mantenha como emblema nacional - conta González-Hermosillo. - Em alguns lugares, como Chiapas, a presença das divindades agrícolas pré-hispânicas ainda é forte. Ali se venera a deusa do milho ao lado de uma imagem de Cristo.

Apesar de não apagar as atrocidades da Conquista, essas reminiscências, além das várias zonas arqueológicas que persistem, mantêm viva a história asteca.

Já Cortés terminou repreendido pela Coroa espanhola por sua violência, longe do prestígio de um tlatoani.



Fonte: O Globo Online

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