sexta-feira, 8 de maio de 2009

Esqueleto de homem com "couraça óssea" é exposto nos EUA

Harry Eastlack sofria de uma doença rara na qual cortes, machucados e traumas no corpo eram "reparados" por células cuja função é criar ossos


Quando Harry Eastlack tinha cinco anos, quebrou a perna esquerda em uma brincadeira com a irmã. A fratura não se curou devidamente, e em pouco tempo seu quadril e joelho também se enrijeceram.

Ao examinar o menino, os médicos encontraram ameaçadores crescimentos ósseos nos músculos de sua coxa. Passados poucos anos, os depósitos ósseos se haviam espalhado por todo o corpo de Eastlack, infiltrando seu pescoço, peito, costas e nádegas.

Cirurgiões tentaram remover o material ósseo excedente, mas ele retornou ainda mais espesso e mais invasivo.

Quando chegou aos 20 e poucos anos, Eastlack tinha vértebras unidas como que em uma couraça, e seu torso se inclinava rigidamente para frente; os músculos de suas costas também haviam sido substituídos por ossos sólidos. Por fim, sua mandíbula também travou e ele morreu de pneumonia em 1973, pouco antes de seu 40° aniversário.

Eastlack pediu que seu esqueleto fosse preservado para pesquisas científicas, e hoje ele é parte do acervo do Museu Mutter, do Colégio de Medicina da Filadélfia.

Na verdade, o que se pode ver são seus esqueletos, porque, como afirma o biólogo Armand Marie Leroi, o esqueleto de Eastlack e todos os seus acréscimos na verdade representa "o esqueleto de um homem de 40 anos aprisionado dentro de um segundo esqueleto, este inchado e fora de controle".

Eastlack sofria de uma doença rara e pouco estudada chamada fibrodisplasia ossificante progressiva, na qual cortes, machucados e traumas no corpo, não importa em que área ocorram, são "reparados" por células cuja função é criar ossos.

Por mais devastadora que seja, a doença revela elementos fundamentais da maravilha que os ossos representam como tecido conectivo.

Para começar, ainda que os ossos possam parecer pétreos, na verdade são um componente incansável e ambiciosamente vivo.

De muitas maneiras, os ossos são mais animados do que os músculos e a gordura que os envolvem ou os órgãos vitais trêmulos que protegem. E certamente estão mais enquadrados ao ambiente que os cerca.

Pesquisadores descobriram que um volume notável de hormônios metabólicos e de reprodução ativam tecidos ósseos, muitas vezes em dosagem bem menor do que a necessária a ativar os seios, gônadas ou outros órgãos vistos como alvo primordial do hormônio.

Entre as mais instigante revelações está a de que os ossos se aceleram quando tocados por serotonina e oxitocina, sinalizando a moléculas usualmente associadas ao bom humor, amizade e aconchego, mais do que à integridade da coluna dorsal.

"Nenhum órgão é uma ilha", diz Gerard Karsenty, professor de genética e desenvolvimento no Centro Médico da Universidade Colúmbia, "e o esqueleto está funcionalmente conectado a muito mais órgãos do que havíamos antecipado".

Esta semana, Karsenty e outros nomes proeminentes no estudo dos ossos discutirão suas descobertas e alegremente removerão seus esqueletos dos armários, durante a conferência de medicina e biologia do esqueleto da Escola de Medicina Mount Sinai, em Nova York.

O caso de Eastlack também revela que ossos saudáveis são ossos disciplinados, com uma estrutura invejavelmente organizada em todas as escalas já estudadas, da calibragem milimétrica dos fêmures e falanges às dimensões nanométricas dos átomos que os constituem.

"Tudo está na arquitetura", diz Robert Richie, professor de ciência dos materiais na Universidade da Califórnia em Berkeley, que pesquisa sobre ossos.

Os ossos são feitos de dois componentes básicos: fibras flexíveis de colágeno e cadeias quebradiças de hidroxiapatita, um mineral rico em cálcio.

Mas esses ingredientes relativamente simples estão entrelaçados em uma formação tão complexa de camadas sobrepostas que o resultado é uma obra-prima de engenharia em termos de força tênsil, compressiva e elástica. "Nosso maior desejo seria imitá-los", diz Ritchie.

Ou ao menos imitar os sinais que mantêm o alinhamento dos 206 ossos de nossos corpos. Doenças que envolvam crescimento excessivo dos ossos são raros, mas a degradação óssea é sintoma quase inevitável do envelhecimento, e sua forma severa, a osteoporose, é considerada como uma crise médica de proporções cada vez mais graves.

O que causa a dissolução dos ossos idosos é um sistema projetado para os anos itinerantes da juventude.

O esqueleto é um órgão com múltiplos propósitos, oferecendo cálcio para diversas tarefas bioquímicas e abrigando a medula da qual nascem as células sanguíneas.

Mas sua principal função é permitir a locomoção, o que significa que sofre grande desgaste. Paradoxalmente, a resistência a esse desgaste envolve constantes microfraturas. "Os ossos sofrem microfraturas para aliviar a tensão", explica Ritchie.

E eles contam com uma equipe de reparos: as células osteoclastas, que eliminam a velha matriz óssea por meio de ácidos, e os osteoblastos, que migram para o espaço aberto por esse procedimento e o ocupam com novo material ósseo.

Como todas as formas de tratamento de saúde, esse conserto de ossos não sai barato: manter a integridade do esqueleto consome talvez 40% de nosso uso médio de calorias.

Esse processo dispendioso talvez explique por que o aparelho digestivo e os ossos pareçam existir sincronizados em termos hormonais, diz Karsenty.

Quando os ossos precisam de mais energia, solicitam ao sistema digestivo; se não houver nutrientes, os osteoblastos não podem trabalhar.

Um provável candidato a elo entre os aparelhos arquitetônico e alimentar do corpo é o hormônio serotonina.

Em estudo publicado no ano passado pela revista Cell, Karsenty e seus colegas demonstraram que retardar a liberação da serotonina gerada pelo aparelho digestivo poderia prevenir osteoporose em ratos de laboratório.

Porque existe uma barreira que separa naturalmente a área de circulação sanguínea e o cérebro, os depósitos de serotonina na porção mais alta do corpo e no aparelho gástrico ficam bem separados, o que poderia permitir o uso de uma abordagem semelhante em seres humanos.


Fonte: Terra

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