sexta-feira, 20 de abril de 2012

'Como rastreei minhas origens genéticas até a Idade da Pedra'

 Repórter encontrou traços do neandertal ao mapear seu DNA


Recentemente, fiz um teste genético para descobrir mais a respeito dos meus ancestrais. Os resultados confirmaram o que eu já sabia: sou de uma família de judeus europeus. Mas também recebi uma surpresa - tenho um antepassado neandertal.


Aos 11 anos, fiz minha primeira entrevista com minha avó, Ray Zall, que respondeu todas as minhas perguntas sobre sua infância em Belarus, no Leste Europeu.


A gravação, que ainda guardo, começa com pompa: "Aqui é Carol Zall entrevistando Ray Zall, minha avó, ou 'Bobe' em iídishe. Então, senhora Zall, poderia me contar sobre sua infância?"


"O que posso te dizer?", ela respondeu, no seu inglês com forte sotaque. "Nasci em uma pequena aldeia chamada Kashuki."


Nunca tinha ouvido falar de Kashuki. E ainda não consigo encontrá-la no mapa. "É perto de qual país?", perguntei.


"Rússia-Polônia, Rússia-Polônia", ela respondeu.


Países que não existem



Minha avó nasceu no início dos anos 1900, na atual Belarus (ex-Polônia e parte do Império Russo). Outros dos meus ancestrais vêm de lugares igualmente remotos em países que não existem mais, como "Áustria-Hungria". Isso dificultou a identificação das minhas raízes.


 Avó (à dir.) de Carol Zall nasceu em uma aldeia chamada Kashuki, no Leste Europeu


Trinta e quatro anos depois da entrevista com minha avó, descobri que existem novos e reveladores modos de montar uma árvore genealógica. 


Avanços no campo genético permitem usar o DNA de alguém para descobrir a origem dos seus antepassados. Diversas empresas já oferecem esses exames, e algumas estimativas ajudam a diferenciar a ciência da fraude.


A questão era: será que isso vai funcionar para mim?


Por cerca de US$ 200 dólares (R$ 370), contratei a empresa chamada 23andMe (o nome deriva do fato de termos 23 pares de cromossomos).


Em pouco tempo eu estava cuspindo em um tubo plástico e mandando minha saliva para a companhia.


"A primeira coisa que fazemos é extrair o DNA da saliva", conta Joanna Mountain, diretora-sênior de pesquisa da 23andMe. "O DNA é cortado em pequenos pedaços e colocado no que chamamos de chip."


Código

 

O DNA humano é como um código feito de três bilhões de letras.


Empresas como a 23andMe não leem todas essas letras (ou posições, como as chamam). Olham apenas uma porcentagem delas - cerca de 1 milhão, em um processo chamado de "genotyping" (ou genotipificação). 



 Mapeamento genético confirmou algumas suspeitas de Carol Zall sobre sua ancestralidade


As posições são então estudadas para a descoberta de todos os tipos de informação, de doenças que corremos o risco de desenvolver no futuro a detalhes sobre o nosso passado.


Sempre soube que minha família era judia. Toda a minha árvore genealógica, até onde sei, consiste de judeus europeus conhecidos como Ashkenazi. 


Sempre imaginei meus ancestrais como pessoas que falassem iídishe, vivessem no Leste Europeu e ouvissem músicas tradicionais ("klezmer").


No entanto, como os Ashkenazis passaram séculos vagando pela Europa, vivendo em meio a diferentes populações, me perguntava se eles não teriam se casado e tido filhos com pessoas de outras etnias.


Afinal, a mãe da minha mãe e todos os seus irmãos tinham cabelos ruivos e olhos azuis. E em geral as pessoas acham que a minha irmã - ruiva de sardas - é de origem irlandesa.


Resultados

 

Algumas semanas depois do exame, chegaram os resultados.


"Parece que dois terços (do seu DNA) podem ser rastreados a ancestrais judeus Ashkenazi na Rússia, na Polônia, em Belarus e outros países vizinhos", conta Joanna Mountain.


"É aqui que a sua ancestralidade judia realmente se sobressai", continua Mountain, enquanto me mostra meus cromossomos, divididos em segmentos que eu compartilho com outras pessoas do banco de dados da 23andMe que também têm origem Ashkenazi.


É assim que as empresas de teste determinam ancestralidade - comparando seus genes a populações conhecidas que servem de referência, para ver com quais você mais se parece.


Nenhuma surpresa nos meus resultados, e nenhuma pista sobre a origem ruiva da família.


Mas isso não significa que eu não tivesse nada em comum com outros grupos. Meu DNA tinha alguma semelhança, por exemplo, com genes de judeus marroquinos.


Só que isso é pouco comparado com o número de segmentos genéticos idênticos que eu compartilho com os Ashkenazi.


"Sempre há ao menos algum grau de interação entre populações Ashkenazi e todos aqueles que viveram ao seu redor", explica David Goldstein, diretor do Centro de Vriação do Genoma Humano da Universidade Duke (EUA). 


"Então (eles têm) uma história incrivelmente complicada de inserções (genéticas) de diversas populações."


15 mil anos atrás

 

Não pude evitar: fiquei um pouco decepcionada.


Duzentos dólares e alguns cuspes para identificar algo que eu já sabia, com a adição de alguns detalhes curiosos.


Meu "DNA mitocondrial" (o pedaço especial de DNA que passa de mãe para filho) pode ser rastreado a um ancestral feminino comum na Península Ibérica - atual Espanha e Portugal -, cerca de 15 mil anos atrás.


Outra coisa interessante que aprendi remete à Idade da Pedra. O teste que eu usei permite ver qual porcentagem de seu DNA vem dos neandertais. E 2,7% do meu é neandertal.



Carol (à esq., quando criança) queria identificar raízes ruivas de sua irmã (dir.)


Isso não é algo inesperado. Quase todos os que não descendem de africanos tem um pouco de DNA neandertal. Acho fascinante pensar que, em algum momento da história, eu fui um cintilho nos olhos de um neandertal.


À medida que as pesquisas genéticas avançam a um ritmo inédito, na próxima década, o custo de ter seu genoma inteiro sequenciado - todas as 3 bilhões de letras do código - se tornará viável. Isso mudará a genealogia genética completamente, dizem os especialistas com quem conversei.


"Você poderá olhar o genoma de um indivíduo e dizer, 'eles têm esta mutação, que surgiu nesta aldeia específica no sul da França', por exemplo", diz o geneticista da Universidade de Harvard Joe Pickrell.


Agora, estou esperando pelo dia em que poderei ver a sequência completa do meu DNA e finalmente descobrir por onde minha família passou - antes de Kashuki.



Colaborou Rob Hugh-Jones


 Fonte: BBC

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...