Recentemente, fiz um teste genético para descobrir
mais a respeito dos meus ancestrais. Os resultados confirmaram o que eu
já sabia: sou de uma família de judeus europeus. Mas também recebi uma
surpresa - tenho um antepassado neandertal.
Aos 11 anos, fiz minha primeira entrevista com
minha avó, Ray Zall, que respondeu todas as minhas perguntas sobre sua
infância em Belarus, no Leste Europeu.
A gravação, que ainda guardo, começa com pompa: "Aqui é Carol Zall
entrevistando Ray Zall, minha avó, ou 'Bobe' em iídishe. Então, senhora
Zall, poderia me contar sobre sua infância?"
"O que posso te dizer?", ela respondeu, no seu inglês com forte sotaque. "Nasci em uma pequena aldeia chamada Kashuki."
Nunca tinha ouvido falar de Kashuki. E ainda não consigo encontrá-la no mapa. "É perto de qual país?", perguntei.
"Rússia-Polônia, Rússia-Polônia", ela respondeu.
Países que não existem
Minha avó nasceu no início dos anos 1900, na atual Belarus (ex-Polônia e parte do Império Russo). Outros dos meus ancestrais vêm de lugares
igualmente remotos em países que não existem mais, como
"Áustria-Hungria". Isso dificultou a identificação das minhas raízes.
Trinta e quatro anos depois da entrevista com
minha avó, descobri que existem novos e reveladores modos de montar uma
árvore genealógica.
Avanços no campo genético permitem usar o DNA de
alguém para descobrir a origem dos seus antepassados. Diversas empresas
já oferecem esses exames, e algumas estimativas ajudam a diferenciar a
ciência da fraude.
A questão era: será que isso vai funcionar para mim?
Por cerca de US$ 200 dólares (R$ 370), contratei a empresa chamada
23andMe (o nome deriva do fato de termos 23 pares de cromossomos).
Em pouco tempo eu estava cuspindo em um tubo plástico e mandando minha saliva para a companhia.
"A primeira coisa que fazemos é extrair o DNA da
saliva", conta Joanna Mountain, diretora-sênior de pesquisa da 23andMe.
"O DNA é cortado em pequenos pedaços e colocado no que chamamos de
chip."
Código
O DNA humano é como um código feito de três bilhões de letras.
Empresas como a 23andMe não leem todas essas
letras (ou posições, como as chamam). Olham apenas uma porcentagem delas
- cerca de 1 milhão, em um processo chamado de "genotyping" (ou
genotipificação).
As posições são então estudadas para a descoberta de
todos os tipos de informação, de doenças que corremos o risco de
desenvolver no futuro a detalhes sobre o nosso passado.
Sempre soube que minha família era judia. Toda a
minha árvore genealógica, até onde sei, consiste de judeus europeus
conhecidos como Ashkenazi.
Sempre imaginei meus ancestrais como pessoas
que falassem iídishe, vivessem no Leste Europeu e ouvissem músicas
tradicionais ("klezmer").
No entanto, como os Ashkenazis passaram séculos
vagando pela Europa, vivendo em meio a diferentes populações, me
perguntava se eles não teriam se casado e tido filhos com pessoas de
outras etnias.
Afinal, a mãe da minha mãe e todos os seus
irmãos tinham cabelos ruivos e olhos azuis. E em geral as pessoas acham
que a minha irmã - ruiva de sardas - é de origem irlandesa.
Resultados
Algumas semanas depois do exame, chegaram os resultados.
"Parece que dois terços (do seu DNA) podem ser
rastreados a ancestrais judeus Ashkenazi na Rússia, na Polônia, em
Belarus e outros países vizinhos", conta Joanna Mountain.
"É aqui que a sua ancestralidade judia realmente
se sobressai", continua Mountain, enquanto me mostra meus cromossomos,
divididos em segmentos que eu compartilho com outras pessoas do banco de
dados da 23andMe que também têm origem Ashkenazi.
É assim que as empresas de teste determinam ancestralidade -
comparando seus genes a populações conhecidas que servem de referência,
para ver com quais você mais se parece.
Nenhuma surpresa nos meus resultados, e nenhuma pista sobre a origem ruiva da família.
Mas isso não significa que eu não tivesse nada
em comum com outros grupos. Meu DNA tinha alguma semelhança, por
exemplo, com genes de judeus marroquinos.
Só que isso é pouco comparado
com o número de segmentos genéticos idênticos que eu compartilho com os
Ashkenazi.
"Sempre há ao menos algum grau de interação
entre populações Ashkenazi e todos aqueles que viveram ao seu redor",
explica David Goldstein, diretor do Centro de Vriação do Genoma Humano
da Universidade Duke (EUA).
"Então (eles têm) uma história incrivelmente
complicada de inserções (genéticas) de diversas populações."
15 mil anos atrás
Não pude evitar: fiquei um pouco decepcionada.
Duzentos dólares e alguns cuspes para identificar algo que eu já sabia, com a adição de alguns detalhes curiosos.
Meu "DNA mitocondrial" (o pedaço especial de DNA
que passa de mãe para filho) pode ser rastreado a um ancestral feminino
comum na Península Ibérica - atual Espanha e Portugal -, cerca de 15
mil anos atrás.
Outra coisa interessante que aprendi remete à
Idade da Pedra. O teste que eu usei permite ver qual porcentagem de seu
DNA vem dos neandertais. E 2,7% do meu é neandertal.
Isso não é algo inesperado. Quase todos os que não descendem de
africanos tem um pouco de DNA neandertal. Acho fascinante pensar que, em
algum momento da história, eu fui um cintilho nos olhos de um
neandertal.
À medida que as pesquisas genéticas avançam a um
ritmo inédito, na próxima década, o custo de ter seu genoma inteiro
sequenciado - todas as 3 bilhões de letras do código - se tornará
viável. Isso mudará a genealogia genética completamente, dizem os
especialistas com quem conversei.
"Você poderá olhar o genoma de um indivíduo e
dizer, 'eles têm esta mutação, que surgiu nesta aldeia específica no sul
da França', por exemplo", diz o geneticista da Universidade de Harvard
Joe Pickrell.
Agora, estou esperando pelo dia em que poderei
ver a sequência completa do meu DNA e finalmente descobrir por onde
minha família passou - antes de Kashuki.
Colaborou Rob Hugh-Jones
Fonte: BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário