Os guerreiros enterrados em Xi'an, no Leste da China, com Qin Shi Huang
Eric Feferberg/AFP
Descoberta mostra que, 2 mil anos atrás, indústria da guerra era avançada na China.
Os sete mil soldados enterrados com Qin Shi Huang em 210 a.C. foram
feitos de barro. Mas as armas de bronze que os Guerreiros de Terracota
carregavam em sua gigantesca tumba, próxima a Xi'an, no Leste da China,
eram reais: dezenas de milhares de espadas, machados, lanças, arcos e
flechas, todos capazes de arrancar sangue como qualquer outra arma do
verdadeiro exército de Qin — que triunfou, pôs fim à guerra e, pela
primeira vez, uniu a China sob uma única liderança.
O que vem
intrigando cientistas por décadas é como tantas armas podem ter sido
feitas de forma tão cuidadosa, uniforme e, sobretudo, tão rapidamente.
(Qin reinou por apenas onze anos e acredita-se que a construção de seu
mausoléu tenha começado bem antes da sua morte).
Os especialistas,
agora, teriam encontrado uma resposta. Um novo estudo feito com 40 mil
pontas de flecha de bronze indica que elas foram produzidas de forma
independente, em linhas de produção autônomas.
Os resultados sugerem que
métodos de produção usados hoje na indústria já eram empregados há dois
mil anos.
— Nossa premissa inicial era que todos os itens teriam
sido feitos em grandes linhas de produção, com as diferentes partes
sendo produzidas em unidades especializadas antes de serem reunidas. É
dessa forma que a maioria dos carros é feita hoje, o modelo que chamamos
de fordismo — afirmou o arqueólogo Marcos Matinon-Torres, da University
College, de Londres, principal autor do estudo, publicado no “Journal
of Archaeological Method and Theory”.
— No entanto, nossos dados indicam
que a produção teria sido feita em unidades muito menores, muitas delas
trabalhando em paralelo, e cada uma suficientemente autônoma para
produzir itens finalizados, o que é conhecido como toyotismo.
Muitos operários em um mesmo local
Embora
arqueólogos que estudam os Guerreiros de Terracota sempre tenham
imaginado que alguma forma de produção em massa deve ter acontecido, é a
primeira vez que um estudo traz dados concretos para corroborar a
teoria.
O trabalho foi feito a partir da análise da metalurgia e da
química das armas. Inicialmente, os especialistas estudaram algumas das
37.348 pontas de flecha, usando um raio X portátil com espectrômetro —
uma ferramenta capaz de determinar de forma precisa a composição química
de um objeto.
Embora as pontas de flecha pareçam idênticas ao
olho humano, o raio X revelou assinaturas químicas diferentes.
Cada
grupo apresenta sua própria mistura de cobre, estanho e chumbo.
Diferentes grupos foram encontrados no local, sugerindo que múltiplos
ferreiros estiveram envolvidos na operação ao mesmo tempo.
Os
pesquisadores posicionaram, então, as armas em um mapa digital do
mausoléu, feito com base nos detalhados registros criados nos anos 70 e
80 pelos primeiros arqueólogos chineses que escavaram o sítio.
Uma
reveladora imagem surgiu. Cada aljava (onde se guardam as setas) dos
guerreiros parecia ter sido montada por um único artesão.
As pontas das
flechas foram provavelmente feitas em grupo, amarradas com linho em
lanças de bambu, finalizadas com penas e organizadas em lotes de 100
flechas em aljavas feitas de couro e cânhamo, colocadas nos guerreiros. O
material orgânico não sobreviveu aos séculos.
Os arqueólogos
esperavam que cada um dos componentes da aljava tivessem sido produzidos
em diversos lugares diferentes e só depois reunidos para cada
guerreiro. Mas, se fosse assim, as flechas não teriam a mesma assinatura
química. Estariam misturadas.
— A descoberta foi uma surpresa —
afirmou Martinon-Torres. — Foi só quando constatamos isso nos Guerreiros
de Terracota que começamos a buscar paralelos na indústria moderna e
nos deparamos com o toyotismo.
Erros punidos com brutalidade
Professor
de engenharia industrial da Universidade de Michigan, Jeffrey Liker
disse que o mais notável do trabalho não é a distinção das formas de
produção (fordismo ou toyotismo), mas o fato de que características
associadas à moderna produção em massa — padronização, controle de
qualidade, fluxo — estivessem tão presentes naquela época.
Os
arqueólogos acreditam que os responsáveis pela confecção dos artefatos
eram equipes de artesãos, cada uma delas trabalhando para um mestre que
garantia o controle de qualidade.
Os especialistas conseguiram
identificar os selos ou assinaturas de pelo menos 87 contramestres nas
costas dos guerreiros, uma espécie de selo de qualidade.
Não
havia, literalmente, espaço para erro. Os guerreiros estão localizados
tão próximos uns dos outros que os responsáveis pela colocação das armas
não tinham como se mover ao redor de cada um. O trabalho deve ter sido
extremamente bem coordenado com os artesãos responsáveis pela construção
das estátuas. O erro era punido com brutalidade.
O principal
registro histórico que se tem do trabalho na tumba data do século I
a.C., de autoria de Sima Qian. Segundo o texto, cerca de 700 mil pessoas
participaram da construção do mausoléu.
Escravos, servos, prisioneiros
de guerra, capatazes, artesãos estavam submetidos a uma rígida
hierarquia, com brutais condições de trabalho. Para o diretor do Centro
Internacional de Arqueologia do Leste da Ásia da Universidade de Boston,
Robert Murowchick, a produção seria bastante similar à das armas dos
guerreiros reais.
— Qin tinha tropas poderosas porque garantia a
padronização da produção das armas e substituía rapidamente as armas
quebradas ou perdidas em batalha — explicou. — Faz todo o sentido que
ele seguisse o modelo de produção em células. Se você está a 200
quilômetros de casa e precisa de um arco ou uma flecha ou de qualquer
outra coisa, havia grupos capazes de produzi-los.
Fonte: O Globo Online
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