quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Chineses antigos já fabricavam armas em linhas de produção

 Os guerreiros enterrados em Xi'an, no Leste da China, com Qin Shi Huang Eric Feferberg/AFP


Descoberta mostra que, 2 mil anos atrás, indústria da guerra era avançada na China.


Os sete mil soldados enterrados com Qin Shi Huang em 210 a.C. foram feitos de barro. Mas as armas de bronze que os Guerreiros de Terracota carregavam em sua gigantesca tumba, próxima a Xi'an, no Leste da China, eram reais: dezenas de milhares de espadas, machados, lanças, arcos e flechas, todos capazes de arrancar sangue como qualquer outra arma do verdadeiro exército de Qin — que triunfou, pôs fim à guerra e, pela primeira vez, uniu a China sob uma única liderança.


O que vem intrigando cientistas por décadas é como tantas armas podem ter sido feitas de forma tão cuidadosa, uniforme e, sobretudo, tão rapidamente. (Qin reinou por apenas onze anos e acredita-se que a construção de seu mausoléu tenha começado bem antes da sua morte). 


Os especialistas, agora, teriam encontrado uma resposta. Um novo estudo feito com 40 mil pontas de flecha de bronze indica que elas foram produzidas de forma independente, em linhas de produção autônomas. 


Os resultados sugerem que métodos de produção usados hoje na indústria já eram empregados há dois mil anos.


— Nossa premissa inicial era que todos os itens teriam sido feitos em grandes linhas de produção, com as diferentes partes sendo produzidas em unidades especializadas antes de serem reunidas. É dessa forma que a maioria dos carros é feita hoje, o modelo que chamamos de fordismo — afirmou o arqueólogo Marcos Matinon-Torres, da University College, de Londres, principal autor do estudo, publicado no “Journal of Archaeological Method and Theory”. 


— No entanto, nossos dados indicam que a produção teria sido feita em unidades muito menores, muitas delas trabalhando em paralelo, e cada uma suficientemente autônoma para produzir itens finalizados, o que é conhecido como toyotismo.



Muitos operários em um mesmo local



Embora arqueólogos que estudam os Guerreiros de Terracota sempre tenham imaginado que alguma forma de produção em massa deve ter acontecido, é a primeira vez que um estudo traz dados concretos para corroborar a teoria. 


O trabalho foi feito a partir da análise da metalurgia e da química das armas. Inicialmente, os especialistas estudaram algumas das 37.348 pontas de flecha, usando um raio X portátil com espectrômetro — uma ferramenta capaz de determinar de forma precisa a composição química de um objeto.


Embora as pontas de flecha pareçam idênticas ao olho humano, o raio X revelou assinaturas químicas diferentes. 


Cada grupo apresenta sua própria mistura de cobre, estanho e chumbo. Diferentes grupos foram encontrados no local, sugerindo que múltiplos ferreiros estiveram envolvidos na operação ao mesmo tempo.


Os pesquisadores posicionaram, então, as armas em um mapa digital do mausoléu, feito com base nos detalhados registros criados nos anos 70 e 80 pelos primeiros arqueólogos chineses que escavaram o sítio.


Uma reveladora imagem surgiu. Cada aljava (onde se guardam as setas) dos guerreiros parecia ter sido montada por um único artesão. 


As pontas das flechas foram provavelmente feitas em grupo, amarradas com linho em lanças de bambu, finalizadas com penas e organizadas em lotes de 100 flechas em aljavas feitas de couro e cânhamo, colocadas nos guerreiros. O material orgânico não sobreviveu aos séculos.


Os arqueólogos esperavam que cada um dos componentes da aljava tivessem sido produzidos em diversos lugares diferentes e só depois reunidos para cada guerreiro. Mas, se fosse assim, as flechas não teriam a mesma assinatura química. Estariam misturadas.


— A descoberta foi uma surpresa — afirmou Martinon-Torres. — Foi só quando constatamos isso nos Guerreiros de Terracota que começamos a buscar paralelos na indústria moderna e nos deparamos com o toyotismo.



Erros punidos com brutalidade



Professor de engenharia industrial da Universidade de Michigan, Jeffrey Liker disse que o mais notável do trabalho não é a distinção das formas de produção (fordismo ou toyotismo), mas o fato de que características associadas à moderna produção em massa — padronização, controle de qualidade, fluxo — estivessem tão presentes naquela época.



Os arqueólogos acreditam que os responsáveis pela confecção dos artefatos eram equipes de artesãos, cada uma delas trabalhando para um mestre que garantia o controle de qualidade. 


Os especialistas conseguiram identificar os selos ou assinaturas de pelo menos 87 contramestres nas costas dos guerreiros, uma espécie de selo de qualidade.



Não havia, literalmente, espaço para erro. Os guerreiros estão localizados tão próximos uns dos outros que os responsáveis pela colocação das armas não tinham como se mover ao redor de cada um. O trabalho deve ter sido extremamente bem coordenado com os artesãos responsáveis pela construção das estátuas. O erro era punido com brutalidade.



O principal registro histórico que se tem do trabalho na tumba data do século I a.C., de autoria de Sima Qian. Segundo o texto, cerca de 700 mil pessoas participaram da construção do mausoléu. 


Escravos, servos, prisioneiros de guerra, capatazes, artesãos estavam submetidos a uma rígida hierarquia, com brutais condições de trabalho. Para o diretor do Centro Internacional de Arqueologia do Leste da Ásia da Universidade de Boston, Robert Murowchick, a produção seria bastante similar à das armas dos guerreiros reais.



— Qin tinha tropas poderosas porque garantia a padronização da produção das armas e substituía rapidamente as armas quebradas ou perdidas em batalha — explicou. — Faz todo o sentido que ele seguisse o modelo de produção em células. Se você está a 200 quilômetros de casa e precisa de um arco ou uma flecha ou de qualquer outra coisa, havia grupos capazes de produzi-los.




Fonte: O Globo Online

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