Cena do filme “Convenção das bruxas”: desde a Antiguidade, o bem era
associado à beleza e o mal à feiura. Assim, as bruxas costumam ser
apresentadas como velhas e enrugadas.
Divulgação
Curandeiras populares, feiticeiras sanguinárias e magos farsantes são os protagonistas de uma das datas mais célebres do ano.
Cena comum na Europa do século XVI: moradores aterrorizados com uma
vizinha levam-na para o Tribunal da Fé. Alegam que a mulher fez um pacto
com o demônio. O inquisidor julgará por que crime ela responderá —
curandeirismo, superstição, sortilégio, heresia, fingimento ou bruxaria.
O dia 31 de outubro era considerado pela civilização celta, por volta
do século V a.C., o início do inverno, a estação da escuridão. Era a
celebração da Noite dos Mortos, cujo símbolo mais sinistro e conhecido é
a bruxa. A data ainda é famosa, embora, claro, não inspire o horror de
séculos atrás.
Nos Estados alemães (pré-unificação), 25 mil bruxas
foram queimadas em poucas décadas. A convulsão social também foi forte
no Leste Europeu e em Portugal e Espanha, os países mais influenciados
pela Igreja e seu Tribunal da Inquisição.
O fanatismo religioso
atravessou o Atlântico e chegou às colônias britânicas. O caso mais
conhecido foi o das bruxas de Salém, em 1692, quando cerca de 20
mulheres foram executadas naquele vilarejo por supostamente invocar o
demônio com práticas de vodu.
Autora do livro “Brujas, Magos e
Incrédulos en la España del Siglo de Oro” (em tradução livre, “Bruxas,
magos e incrédulos na Espanha do século de ouro”), a historiadora María
Lara Martínez, da Universidade a Distância de Madrid (Udima), revela que
a crença nos feitiços surgiu na arte pré-histórica.
— Havia a
ideia de que a magia proporcionaria o sucesso da caça — explica. — Os
antigos gregos e romanos recorriam a oráculos. Na Idade Média se temia o
mau olhado e, no século XVI, Roma, a sede da Igreja Católica, estava
repleta de pessoas que invocavam os mortos. Existia um desejo de
intervir nos rumos da natureza e de manipular as forças planetárias.
Esta
interferência, segundo María Lara, serviria para o bem ou para mal. No
primeiro caso, as mulheres eram chamadas de “bruxas brancas”.
Consideradas curandeiras, elas usavam seu “dom” para ajudar os vizinhos
em assuntos como fecundidade e no combate a dores.
Seu conhecimento das
propriedades das plantas fazia a população respeitá-las em um período em
que a prática formal de medicina ainda era restrita aos religiosos e à
elite — e estes eruditos viam a popularidade da magia como uma ameaça ao
ensino acadêmico.
As “bruxas negras”, porém, são as mais
lembradas até hoje. Segundo a Inquisição, suas vítimas não resistiam à
ação demoníaca e tinham a alma presa nas trevas. Estas feiticeiras
reuniam-se em locais ocultos e realizavam “danças sinistras”, de acordo
com María Lara.
A primeira alusão às vassouras como um meio de
transporte das bruxas veio de um manuscrito de 1451. Elas poderiam voar
devido ao efeito de substâncias alucinógenas, como plantas ornamentais,
ingeridas frequentemente por estas mulheres.
Segundo o mesmo documento,
as feiticeiras deveriam ser temidas por suas “artes macabras”,
expressadas por sua aparência descuidada, e tinham gatos como mascotes.
Os felinos são, desde o Egito Antigo, relacionados ao mistério.
—
Quando as feiticeiras iniciavam as “viagens”, entravam nas casas e
discutiam com seus donos, que as encontravam ao lado da cama ou tentando
matar seus filhos — conta a historiadora. — Já se pensou que elas
entravam nas casas pela chaminé, mas a maioria acredita que elas
arrombavam as portas. E também usavam cavernas e campos para invocar as
forças do mal.
O inventor da ‘fórmula da invisibilidade’
As
vassouras, associadas aos afazeres domésticos, eram usadas apenas por
bruxas. Afinal, limpar a casa era um dever das mulheres.
Os homens
tinham acesso à universidade, desde que pagassem pelo ensino e
cumprissem os “estatutos de limpeza do sangue” — ou seja, não poderiam
ter antepassados judeus ou muçulmanos.
— No século XVI, no
entanto, as universidades contavam com disciplinas de estudo esotérico e
o astrólogo era uma figura muito popular. Muitos poderosos consultavam
videntes — lembra María Lara.
Quando erravam suas profecias, os
feiticeiros eram torturados. Entre as punições mais comuns estavam
esmagar a vítima com um sistema de alavancas ou esticar seus braços com
roldanas até arrebentar o esqueleto.
Havia, porém, quem
conseguisse driblar as punições reais. É o caso de Jerome Liébana, que
convenceu a corte do espanhol Felipe IV de que inventara uma fórmula da
invisibilidade. Segundo o falso mago, havia um baú enterrado em uma
praia de Málaga, no Sul da Espanha.
Dentro dele haveria um gênio, que
daria muito poder a quem o encontrasse. O rei mandou escavar toda a
região, mas nada encontrou. Liébana foi julgado e condenado, mas não
chegou a cumprir sua pena. Conseguiu escapar e, até o fim da vida,
continuou iludindo as pessoas.
O medo da bruxaria diminuiu a
partir do século XVII. O advento das ideias iluministas, a modernização
do currículo de medicina e a ligação entre os intelectuais e a
Inquisição golpearam a credibilidade dos curandeiros.
— A
Inquisição foi convencida de que havia duas culturas, a dos teólogos e a
do povo, ou seja, dos estudiosos e dos iletrados — destaca a
historiadora da Udima. — Devia-se, então, racionalizar o tratamento da
bruxaria e arrancar a superstição de uma vez, ou se corria o risco de
que muitas pessoas caíssem no ateísmo.
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