Walter Garbe/Biblioteca Nacional
Remanescentes de botocudos fotografados por um expedicionário em 1909, no ES
MARCELO LEITE
Eram os botocudos polinésios? Geneticamente falando, pelo menos dois
indivíduos desses índios praticamente exterminados no século 19 eram,
sim, parentes de habitantes de ilhas do Pacífico a mais de 7.000 km de
distância. Mas ninguém sabe como nem por quê.
O mistério volta a aumentar com um artigo do grupo de Sergio Danilo
Pena, da UFMG, publicado em novembro no periódico "Current Biology".
Novas análises de DNA eliminaram as duas hipóteses menos implausíveis
para explicar a presença desses genes por aqui.
Editoria de Arte/Folhapress
Sabe-se agora que eles não são descendentes de escravos de Madagáscar
trazidos ao Brasil entre 1817 e 1843, quando navios negreiros tentavam
evitar as patrulhas britânicas na costa oeste da África capturando-os no
leste. Nem de escravos polinésios levados ao Peru na década de 1860.
Sobram as mais improváveis, quase impossíveis de provar: uma segunda
entrada do homem nas Américas, anterior à mais aceita, há 12-14 mil
anos, e migração direta de polinésios pelo Pacífico antes da chegada de
europeus.
"Acho que está na hora de ser humilde e declarar ignorância", afirma Pena. Não é uma frase usual da parte de pesquisadores.
CRÂNIOS
A origem do povo botocudo é tão intrigante quanto sua aparência, marcada pelos lábios e orelhas alargados com discos de madeira.
Uma eficaz "guerra justa" foi movida contra suas aldeias em Minas
Gerais, Espírito Santo e Bahia, no século 19, por ordem de dom João 6º.
Aldeias da etnia também conhecida como "aimorés", que resistia
ferozmente à assimilação, desapareceram sem deixar muitos registros.
Sobreviveu, no entanto, uma coleção de três dezenas de crânios de botocudos na coleção do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Deles saíram os dentes que tiveram o DNA extraído para análise e
renderam uma série de três artigos desconcertantes da equipe da UFMG,
tendo Pena e sua aluna Vanessa Faria Gonçalves entre os autores
principais.
O primeiro trabalho saiu em 2010 no periódico "Investigative Genetics".
Debruçou-se sobre o DNA mitocondrial, uma diminuta fração dos genes que
só as mães transmitem para filhas e filhos.
A comparação do material extraído dos dentes de 14 crânios botocudos com
moradores atuais da cidade de Queixadinha (MG) identificou variantes
genéticas incomuns partilhadas entre eles. Concluiu-se que deixaram
descendentes entre os mineiros.
O segundo artigo, de 2013, foi publicado na americana "PNAS". Novo exame
do DNA mitocondrial revelou que 2 daqueles 14 indivíduos, do sexo
masculino, tinham marcadores característicos de populações polinésias.
A descoberta concordava, assim, com análises do formato dos crânios
botocudos que sugeriam um parentesco com populações da Oceania. É esse
também o caso de Luzia, o mais famoso esqueleto dos sítios arqueológicos
de Lagoa Santa (MG).
Os autores discutiram na revista científica "PNAS" quatro possíveis
explicações para essa ancestralidade (veja infográfico). Os cenários 1 e
2 foram considerados "extremamente implausíveis", afirma Pena.
Seu favorito na época era o quarto cenário, Madagáscar. Supunha-se que
escravos trazidos da ilha tivessem gerado descendentes com índios
brasileiros. Agora, porém, tudo se complicou. Desta vez a análise
contemplou todo o DNA disponível nos dois dentes "botocudo-polinésios".
Em primeiro lugar, quase todo o DNA parece ter origem polinésia, o que
exclui a possibilidade de miscigenação com ameríndios. Depois, a datação
dos crânios mostra que os dois botocudos morreram antes do tráfico de
escravos malgaxes no século 19.
"Toda essa discussão presume que dois crânios polinésios não possam ter
sido acidentalmente incluídos na coleção do Museu Nacional", diz Pena.
Não há evidência disso: "Os crânios estavam identificados como botocudos
por escrito, com tinta, na própria calota craniana".
Continua sem solução o enigma dos botocudos.
Fonte: Folha de São Paulo
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