As três sepulturas foram descobertas na cidade medieval de Nimes, no sul da França (ilustração). A descoberta mostra o quão longe a fé muçulmana se espalhou em pouco mais de um século desde que foi fundada
Os
testes genéticos nos três esqueletos revelaram que eram berberes, o
grupo que vivia no Norte da África.
Eles foram conquistados pouco antes pelo império islâmico
Umayyad e apareceram rapidamente integrados em seus exércitos após a
conversão a fé islâmica ( foto: cavaleiros berberes em seus camelos)
Os
esqueletos dos três indivíduos foram encontrados em túmulos que datam do
século 7 dC (foto) foram enterrados de uma
maneira que se seguia os preceitos islâmicos, orientando seus corpos e
cabeças em direção a Meca. O teste de DNA revelou também que o trio era do norte da África, dominado pelos muçulmanos Omíadas
A queda do Império Romano do Ocidente, no século V d.C., fragmentou a
Europa, mergulhando o continente nas trevas da Idade Média, numa época
marcada pela desurbanização, redução da população e conflitos entre os
muitos pequenos reinos que se organizaram na região e contra invasores
externos.
Menos de 200 anos depois, porém, uma nova potência emergia na
esteira do surgimento de uma nova religião, o islamismo, que nos séculos
seguintes se expandiu do Oriente Médio para ocupar desde a fronteira da
Índia até a Península Ibérica. E embora a presença muçulmana nos
territórios de hoje Portugal e Espanha seja bem conhecida e documentada,
pouco se sabe sobre sua expansão para além dos Pirineus, cadeia de
montanhas que separa a área do Sul da França.
Mas a recente descoberta
de três túmulos com características islamitas na cidade francesa de
Nimes joga uma nova luz neste obscuro período da História.
Datados
do século VIII, as sepulturas e restos mortais, inicialmente
desencavados entre 2006 e 2007, foram alvo de uma análise
multidisciplinar que envolveu arqueologia, antropologia, história e
genética para determinar as origens de seus ocupantes.
E, segundo os
cientistas liderados por Yves Gleize, do Instituto Nacional de Pesquisas
Arqueológicas Preventivas da França (Inrap), os estudos indicam que de
fato eles pertencem a prováveis integrantes da etnia norte-africana
bérbere parte do exército do califado Omíada, que tomou Nimes no início
dos anos 700, representando os mais antigos túmulos de muçulmanos já
encontrados ao Norte dos Pirineus.
- As análises arqueológica,
antropológica e genética conjuntas desses três antigos túmulos medievais
em Nimes evidenciam enterros ligados à ocupação muçulmana do Sul da
França no século VIII – resume Gleize.
Ainda de acordo com os
pesquisadores, a descoberta ecoa em especial as fontes textuais
disponíveis que indicam umas poucas décadas de presença muçulmana em
Nimes entre 720 e 752 d.C..
“Sugerimos que as sepulturas
discutidas nesse estudo podem fornecer mais detalhes sobre esta presença
muçulmana. De fato, a descoberta de ritos funerários fiéis aos costumes
muçulmanos indicam a presença de uma comunidade que era familiarizada e
praticava o islamismo em Nimes durante esse período”, destacam os
autores no artigo sobre o estudo, publicado na quarta-feira no
periódico científico on-line de acesso aberto “PLoS One”.
Mas além
de confirmar registros documentais históricos, os cientistas acreditam
que os túmulos são importantes pistas para a natureza da relação dos
primeiros conquistadores muçulmanos da Europa com os povos das regiões
tomadas.
Segundo eles, mesmo que breve, a ocupação de Nimes poderia ter
sido do interesse da própria população visigoda da região como forma de
proteção contra os francos, ao mesmo tempo que puderam manter suas leis e
tradições sob a dominação islâmica.
Ainda assim, os francos acabaram por
conquistar a área na segunda metade do século VIII sob a liderança do
rei Pepino, o Breve, mais conhecido por ter sido o pai de Carlos Magno.
Por fim, os cientistas apontam que a origem étnica bérbere dos corpos é
uma demonstração do quão rápidas foram a aceitação da nova religião
islâmica pelas populações do Norte da África e sua integração ao
crescente califado.
“Mesmo que as descobertas funerárias em Nimes
não respondam todas as questões, elas apoiam a ideia da complexidade das
relações entre essas comunidades durante este período, que não podem ser
resumidas na simples oposição entre cristãos e muçulmanos, e estão
longe da descrição clichê ainda encontrada em alguns livros de
História”, concluem os pesquisadores do artigo.
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