Há apenas um dia do aniversário de 35 anos do Golpe Militar que deu a Augusto Pinochet o comando do Chile, de 11 de setembro de 1973 a 11 de março de 1990, as feridas de um dos mais belos cartões postais do país, ainda continuam abertas nas lembranças, utilizado como uma espécie de campo de concentração de Pinochet.
"Quando houve o golpe de estado, as pessoas desapareciam. Sabemos que muitas pessoas foram trazidas ao Estádio Nacional e por aqui foram torturadas até a morte. Não é fácil trabalhar em um lugar onde muitos chilenos morreram", contou a auxiliar de serviços gerais, Vilma Sanches, enquanto tentava varrer das arquibancas do estádio.
O Estádio Nacional de Santiago foi construído pelo arquiteto austríaco Karl Brunner e inaugurado em 3 de dezembro de 1938, pelo presidente Arturo Alessandri Palma. A inspiração no Estádio Olímpico de Berlim, sede dos Jogos Olímpicos de 1936, não se restringiu apenas ao projeto que inicialmente reunia em um único complexo um campo de futebol, um velódromo e uma pista de atletismo.
Mais do que a semelhança física da obra, estão os traços de selvageria impostos por Adolf Hitler, no Estádio Olímpico de Berlim, e Augusto Pinochet, no Estádio Nacional do Chile.
"Deveria ser um lugar para diversão. Para as pessoas trazerem as famílias e curtirem o esporte. Foi feito para isso, não para matar. Chega a ser assustador", complementa Vilma Sanches.
O Estádio, com vista para a Cordilheira dos Andes, tem capacidade para pouco mais de 70 mil pessoas. A falta de manutenção e modernização causam a sensação de abandono nas arquibancadas e tribunas de imprensa. O campo de concentração de Pinochet esconde em suas dependências internas um grande labirinto de corredores e portas semelhantes a um calabouço antigo.
As paredes estão pichadas por todos os lados, as portas, quebradas e apesar da reforma dos vestiários, em condições inferiores ao que se vê na Europa, no próprio Estádio Olímpico de Berlim, não há conforto e tampouco segurança.
A falta de cuidado com "La Cancha", como é chamado, e as recordações da sangria militar sustentam nos alicerces do estádio, na parte subterrânea do campo, uma espécie de mito que vai além dos limites da fantasia e da realidade, diante dos chamados "Fantasmas do Estádio Nacional".
"Em algumas partes do estádio se pode ouvir gritos e batidas de portas. Particularmente, nunca ouvi, mas tenho colegas que já escutaram. Principalmente nas proximidades do portão de entrada chamado Escotilha 8", conta Vilma.
A tese é defendida pela colega de trabalho Ana Marchan. "Já ouvi gritos. É assombroso. Não gosto de ficar aqui à noite e nunca ando sozinha pelos corredores."
Para o ambulante Jorge Lopez, que tenta ganhar a vida vendendo camisas de futebol falsificadas em dias de jogos, o local é mal assombrado. "Já ouvi vozes. Você pode perguntar a quem quiser. Por aqui, ninguém passa sozinho de madrugada. São sombras que passam correndo gritando, pedindo socorro. Há cerca de um mês escutei alguém chorando."
O cantor Victor Jara foi uma das vítimas da ditadura: assassinado a tiros no Estádio Nacional em 16 de setembro de 1973, foi torturado e teve as mãos decepadas.
Victor Zurita, que atua como vigilante do estádio há dois anos, desmente a tese. "É um mito. Nunca ouvi nenhum tipo de voz aqui. Dizem que o estádio serviu como campo de concentração de Pinochet. Não sei até que ponto isso é verdade. O que sei é que durante o período em que esteve no governo, cerca de 12 mil policiais morreram e algo em torno de 7 mil civis."
Os números oferecidos pelas autoridades são outros. Somente entre os meses de setembro e novembro de 1973, cerca de 40 mil pessoas foram torturadas no Estádio Nacional de Santiago. O local foi usado como campo de prisioneiros. Muitos foram assassinados. Outros foram levados a Chacabuco no Deserto do Atacama.
"Vi muitas pessoas mortas, aqui, durante o Governo de Pinochet. Lembro que as pessoas amanheciam mortas em frente à porta de entrada do Estádio, empilhadas umas sobre as outras, como se fossem lixo. Na Escotilha 8, os presos escreviam o nome nas paredes antes de morrer para que um dia isso viesse a público. Está lá para quem quiser ver", conta Ana Marchan.
Aos 55 anos, ela se diz uma testemunha viva da selvageria imposta pela ditadura. "Lembro disso. As pessoas amanheciam com hematomas por todo o corpo e eram jogadas na calçada ainda com algemas, mortas. Quem passava pelo estádio fingia que não havia visto nada. Tínhamos muito medo e até hoje não gosto de falar sobre o assunto."
A Escotilha 8, onde os presos políticos eram torturados, foi projetada para servir de acesso de entrada para o público. Em verdade, muitos dos que passaram por lá, não sairam. Está localizada atrás de uma das traves do Estádio Nacional do Chile.
Possui cerca de 30 metros de comprimento e está situada abaixo das arquibancadas. Uma escadaria de pouco mais de 20 degraus conduz à porta de entrada e a um corredor com pouca luminosidade que serve de ligação ao campo.
Dentro da galeria podem ser vistos os nomes das vitimas de Pinochet. Duas grades, trancadas por cadeados, impossibilitam a passagem para o centro da tortura. O local não é aberto aos torcedores e poucos corajosos ousam entrar no leito da tortura chilena.
"É uma sensação ruim. Fiquei arrepiado ao descer na Escotilha. A falta de luz e a escuridão do recinto deixam o clima mais assustador. Não é um lugar para se levar uma namorada e ouvir contos de fada. É estranho saber que muitos chilenos torcem pelo país em um local em que muita gente perdeu a vida. Vou estar no jogo, torcendo pela Colômbia, mas prestando o meu respeito às pessoas que morreram aqui", afirma o colombiano Emerson Uribe, que reside em Barranquilla e passa férias no Chile.
O jogo de hoje marca o início da comemoração da Semana da Pátria, que começa com o Golpe do dia 11 e termina com a Independência no dia 18 de Setembro. Neste ano, a data se apresenta com um gosto de vitória.
Fora dos campos, a população chilena comemora os 20 anos do "não a Pinochet", em um evento que será realizado no próprio Estádio Nacional do Chile, no próximo dia 5 de outubro.
Fonte: Portal Terra
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