De médico e de monstro todo gafanhoto tem um pouco. Esse poderia ser o título de um estudo que acaba de revelar como uma espécie inofensiva e reclusa deste inseto pode se transformar numa praga devastadora.
Biólogos revelaram que a serotonina --a mesma substância cuja falta no cérebro humano pode levar à depressão-- faz os gafanhotos mudarem de visual e comportamento.
O gafanhoto-do-deserto (Schistocerca gregaria) é uma praga capaz de causar graves perdas na agricultura na Ásia, África e Austrália.
Mais conhecido como uma das pragas bíblicas lançadas contra o Egito, seus enxames podem ter bilhões de insetos.
E 20% do mundo é vulnerável à praga, segundo Stephen Rogers, biólogo da Universidade de Cambridge e um dos autores do estudo, publicado na edição de hoje da revista científica "Science".
Normalmente, o gafanhoto vive isolado. Mas, quando chove e a vegetação cresce, ele se reproduz e aumenta a sua densidade. Ele passa a se tornar gregário.
Pesquisas anteriores tinham mostrado que estímulos físicos causam a mudança --cheiro, visão e toque de outros gafanhotos.
Em dado momento, o comportamento gregário agrupa um enxame migratório em busca de comida.
O novo estudo demonstrou que os insetos operando no "modo gregário" tinham cerca de três vezes mais serotonina no sistema nervoso do que aqueles em "modo solitário".
"A serotonina é encontrada em todo o reino animal, no qual um dos seus papéis é alterar o modo com que as células nervosas se comunicam", disse Rogers à Folha.
"Muitas vezes, ela atua no contexto de alterar o modo como os animais respondem a estímulos vindos de outros animais."
Em várias espécies, ela regula a agressividade. Em humanos, a sensação de bem-estar ou depressão.
"Nos gafanhotos, foi cooptada para produzir a mudança de comportamento que precede a formação do enxame", diz Rogers.
Poção mágica
O neurotransmissor tem no gafanhoto um efeito como o da famosa poção tomada pelo bondoso médico Henry Jekyll, transformando-o no maligno Sr. Edward Hyde, do clássico romance do escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894).
Assim como no livro "O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde", se suspeitava que os dois fossem pessoas diferentes.
Só em 1921 que foi provado que o gafanhoto verde-solitário e o amarelo-gregário eram a mesma espécie. A serotonina faz o bicho pacato enveredar pela formação de quadrilha.
A forma gregária dos gafanhotos (à esq.) e a solitária (à dir.) (Foto: Tom Fayle/Divulgação)
Andar em bando tem suas vantagens. "Um enxame acontece quando os gafanhotos têm que se mover para fora de uma área que não mais é capaz de suportá-los e achar comida em outra parte.
Sendo móveis eles são mais conspícuos, mas os números dão segurança", diz Rogers. "Se você está sozinho e um predador o detecta, você é o alvo. Se você faz parte de um grupo, você é apenas um alvo possível entre muitos".
Em "modo enxame", o gafanhoto pode comer o equivalente ao seu peso em um dia. O enxame pode voar 100 km entre cinco e oito horas, devastando o que encontra pelo caminho.
O biólogo alemão Paul Stevenson, que comenta a descoberta em outro artigo, diz que o estudo de Rogers ajudará a criar um método de controle da praga, mas não será fácil.
Para impedir a formação de enxames, drogas antisserotonina teriam de ser aplicadas em grandes extensões de habitat do gafanhoto solitário e conseguir penetrar o corpo do inseto.
Fonte: Folha Online
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