segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Pesquisa mostra diferença entre autodefinição de cor e genética


Muito se fala que todo brasileiro tem um pé na África. Mas uma pesquisa brasileira recém-concluída aponta para outra direção: muitas pessoas que se consideram ou se definem como negras ou pardas tem um pé, ou até mesmo uma perna inteira, na Europa, só que não sabem disso.

A constatação é resultado de um estudo feito por pesquisadores brasileiros, entre antropólogos e geneticistas, junto a estudantes de ensino médio da cidade de Nilópolis, na Baixada Fluminense.

Por se debruçar sobre universo fechado, um grupo escolar, a pesquisa não retrata a realidade de um país tão diversificado regionalmente.

Mas a intenção dos pesquisadores foi checar a reação dos alunos sobre a diferença entre como eles se autodefinem em relação à cor e sua ancestralidade genética.

A pesquisa procurou saber como os estudantes se percebiam em relação à sua cor, segundo classificações do IBGE (branca, negra e parda).

Depois, foram feitos testes de DNA para checar a origem geográfica: europeia, africana ou indígena.


Ascendência


Os estudantes que se classificaram como “negros”, por exemplo, relataram, em média, ascendência africana de 63%; indígena de 20% e 17% europeia.

.Os testes de DNA mostraram resultados bem diferentes: a ascendência européia domina. A média é de 52% de ancestralidade européia; 41% africana, e 7% a indígena.

Os alunos que se autodefiniram como “pardos” referiram que teriam aproximadamente os mesmos índices de ancestralidade europeia (37,9%), africana (33,5%), e ameríndia (28,6).

O teste de DNA, de novo, trouxe resultados com índices mais “europeizantes”: mais de 80% em média, contra a ascendência indígena (4,1%) e africana (5,6%).

Os estudantes “brancos”, que se percebiam como portadores de substancial ascendência africana (17,1%) e ameríndia (21,1%), se defrontaram com resultados de testes genéticos que, na realidade, evidenciaram muito pouca ancestralidade tanto africana (5,6%) como ameríndia (4,1%), contra 90,3% de ascendência europeia.

– A percepção das pessoas quanto à sua cor ou raça é muito diferente da realidade biológica – diz o antropólogo Ricardo Ventura Santos, na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), da Fiocruz, um dos coordenadores da pesquisa.

A pesquisa de campo foi feita com adolescentes do CEFET-Química, em Nilópolis, há três anos, segundo Ventura.

– O conceito de raça, biologicamente, é superado, mas ainda tem impacto relevante sobre a dinâmica social.

Tanto é que existem as políticas afirmativas, como as que reservam vagas para estudantes que se declaram negros nas universidades brasileiras – diz o antropólogo.


Estudantes pesquisados se surpreendem com resultados


No artigo que deu origem à esta reportagem, que está sendo publicado na edição de dezembro da revista americana Current Anthropology, o jornalista Kevin Stacey compila a íntegra da pesquisa brasileira.

Ele selecionou trechos sobre a reação dos estudantes aos resultados. Ainda fez reflexões sobre conceitos de raça e sobre estas implicações na sociedade brasileira. O material do jornalista americano, traduzido por Ruth B. Martins, segue abaixo.

“Os alunos que se classificaram como 'brancos' em geral declararam-se decepcionados com os baixos percentuais para as categorias africano e ameríndio a partir dos testes de ancestralidade genômica", dizem os pesquisadores brasileiros.

Outros ficaram "desconcertados" quando verificaram que os resultados dos testes genéticos mostraram alta ascendência européia.

Alguns inclusive colocaram em um segundo plano a importância da evidência biológica.

– Apesar da elevada percentagem de ancestralidade genômica européia, não deixarei de ser negra nunca! – disse uma estudante.

Alguns estudantes levantaram temas relacionados com políticas públicas de cotas raciais para o ensino universitário.

– A minha ancestralidade genômica é 96% europeia, 1% ameríndia e 3% africana – disse um aluno. – Acho que a única coisa que muda é que eu não tenho mais a chance de conseguir a cota – ironizou.

A pesquisa brasileira traz reflexões sobre o controverso conceito de raça: “nas últimas décadas, biólogos, especialmente os geneticistas, têm afirmado repetidamente que a noção de raça não se aplica à espécie humana".

"Por outro lado”, sustentam os autores, “cientistas sociais afirmam que o conceito de 'raça' é altamente significativo em termos culturais, históricos e sócio-econômicos”.


Debates


Atualmente, as questões relacionadas com a temática da raça, suas concepções científicas e culturais, despertam muitos debates em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Os brasileiros se orgulham de sua ascendência miscigenada, fruto da relação histórica entre europeus, africanos e ameríndios.

No entanto, nos últimos anos, as desigualdades raciais têm estimulado o surgimento de propostas de políticas que despertam controvérsias, como as cotas raciais para empregos em órgãos do governo e vagas para estudantes nas universidades públicas.

”Ao mesmo tempo“, destacam os autores, "os resultados dos estudos no campo da genética, que enfatizam a ampla miscigenação da população brasileira, têm sido divulgados nos meios de comunicação e tem desempenhado um papel importante nos debates sobre a implementação de políticas públicas baseadas em raça".

Os alunos material colhido em raspagem das mucosas bucais, a partir da qual foram realizados testes de ancestralidade genômica, com base na análise do DNA nuclear, na UFMG.

Na etapa final da pesquisa, os dados de percepção de ancestralidade e dos testes genômicos foram debatidos pelos estudantes.

”Os resultados dos testes de ancestralidade genômica são bastante diferentes das estimativas de ascendência percebidas“, relatam os investigadores.

Em geral, os resultados dos testes genéticos mostraram que os alunos têm ascendência européia bem maior do que pensavam.

“Neste estudo”, escrevem os autores, "ressaltamos a importância de se melhor compreender as complexas formas de como as informações genéticas são interpretadas pelo público leigo”.

Os autores também discutem seus achados à luz das políticas públicas relacionadas às questões raciais, visando promover a inclusão social.

Outro aspecto destacado pela equipe interdisciplinar de pesquisadores é quanto a necessidade de um maior diálogo entre as ciências biológicas (genética, em especial) e as ciências humanas, em torno de complexos temas como cor, raça e ancestralidade.


Autores


O estudo foi feito por sete pesquisadores, três deles da Fundação Oswaldo Cruz: o sociólogo Marcos Chor Maio, da Casa de Oswaldo Cruz, os antropólogos Ricardo Ventura Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública, e Simone Monteiro, do Instituto Oswaldo Cruz; os antropólogos Peter Fry, da UFRJ, e José Carlos Rodrigues, da PUC-Rio; além dos geneticistas Luciana Bastos-Rodrigues e Sergio Pena, da UFMG.

A revista Current Anthropology é publicada pela Editora da Universidade de Chicago. O artigo de Ricardo Ventura Santos e colaboradores tem o título “Color, race and genomic ancestry in Brazil: Dialogues between anthropology and genetics” (“Cor, raça e ancestralidade no Brasil: Diálogos entre antropologia e genética”).


Fonte: JB Online



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