O imperador Antoku, então com aproximadamente 9 anos de idade, avistou as bandeiras nos navios e logo compreendeu que iria morrer, assim como milhares de outros que viviam sob seu comando.
Foram quase 50 anos até esse confronto. De um lado, os Heike, da Casa de Taira; de outro, os guerreiros Genji, do clã Miyamoto. A disputa era, nada menos, pelo controle do mundo (ou pelo menos do mundo conhecido na época).
Ambos se achavam com direitos ancestrais ao trono imperial. De um lado, mil navios de Heike, lotados de samurais prontos para a luta. De outro, três mil navios de Genji, estrategicamente melhor colocados.
A avó de Antoku, Nu, recolhe o pequeno imperador em seus braços e o leva para um outro reino, no fundo do mar, eliminando o último suspiro de esperança dos Heike.
Muitos samurais Heike, leais ao seu imperador, optam por se atirar ao mar, morrendo afogados. O massacre que aconteceu em seguida foi rápido e brutal, consagrando os Genji como futuros governantes do Japão.
A história acima é real. A vitória dos Genji marca a transferência do poder da aristocracia para a classe guerreira, começando o período de liderança militar japonesa, ou shogunato. Toda a armada Heike foi destruída – só sobreviveram algumas mulheres.
Essas damas da corte imperial viram-se forçadas a prestar favores aos pescadores da costa, perto do palco da batalha.
Interessante notar que os pescadores dizem que os samurais Heike continuam vivos no fundo do mar, sob a forma de caranguejos.
De fato encontram-se neste local caranguejos com marcas e recortes que se assemelham ao rosto de um samurai Heike.
Quando coletam esses caranguejos, os pescadores não os comem, mas os retornam ao mar, em respeito aos trágicos acontecimentos de Dan-no-ura.
Uma das explicações parece ser que essa característica é consequência direta da influência humana. As marcas da carapaça dos caranguejos são hereditárias.
Tal como nas pessoas, existem muitas linhas genéticas nos caranguejos, contribuindo para uma enorme diversidade de formas.
Imagine agora que, entre os antepassados desse caranguejo, surja por acaso um indivíduo que se assemelhe a um rosto humano.
É possível que os pescadores, ao se depararem com essa forma, relutem em comê-los, devolvendo-os ao mar.
Seja por respeito ou sentimentos anti-canibalísticos, essa seleção dos pescadores inicia um curioso processo evolutivo: caranguejos normais servirão de alimento aos humanos e a linhagem terá menos chances de deixar descendentes.
Por outro lado, caranguejos que se assemelhem a um rosto humano serão devolvidos intactos e terão maiores chances de gerar outros da mesma linhagem.
Imagine esse processo repetindo-se ao longo de muitos anos, diversas gerações de caranguejos e de pescadores.
Vemos a sobrevivência preferencial de caranguejos com face humana caminhando com a transmissão cultural humana, histórias da batalha de Dan-on-ura e lealdade de seus samurais. Num determinado momento, só restariam caranguejos não apenas com uma face humana estampada nas costas, mas com a face de um furioso samurai Heike do Japão medieval.
Repare que em nenhum momento a seleção fora baseada em alguma característica vantajosa para os caranguejos samurais. A seleção foi imposta do exterior, realizada inconscientemente pelos pescadores – e sem qualquer premeditação da parte dos caranguejos.
Existem controvérsias a respeito das causas reais da seleção dos caranguejos Heike. É possível que outras forças evolutivas, desconhecidas do homem, atuaram na seleção.
As “bochechas” e outras características humanas observadas na carcaça do animal servem para determinados fins e não são meramente decorativas.
Algumas fissuras são locais de inserções musculares, que podem ter sido requisitadas durante algum outro processo seletivo.
Além disso, existem outras culturas orientais que também associam a forma de caranguejos com faces humanizadas, como no termo chinês Keui Lien Hsieh (caranguejo com face de demônio).
De qualquer forma, a saga dos caranguejos Heike é um potencial exemplo do processo de seleção onde certas linhagens sobrevivem não por causa de forças da natureza, mas pela intenção humana.
Esse caso específico é conhecido por biólogos e foi amplamente difundido por Carl Sagan em um episódio de “Cosmos” (alguém lembra?).
Na verdade, é apenas um dos milhares de exemplos desse tipo de seleção artificial, onde os homens decidem quais tipos de organismos sobreviverão no futuro.
Hoje em dia, a seleção artificial é conscientemente utilizada em microbiologia, genética e biotecnologia, para a descoberta e desenvolvimento de novas drogas, por exemplo.
Fora dos laboratórios, o homem também modifica o ambiente a todo momento, nem sempre de forma consciente.
Ainda não compreendemos as conseqüências de nossas ações no ambiente. Ações corriqueiras como o uso de detergentes, plásticos etc., influenciam o ecossistema e vão direcionar as espécies que vão habitar o planeta no futuro.
Interessante notar que, mesmo com tanta capacidade mental e tecnológica, o homem corre o risco de não estar entre as espécies selecionadas, gerando a própria extinção.
Fonte: Espiral
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