Por que diabos um supertatu da Era do Gelo, coberto por uma armadura natural e munido de garras possantes, precisaria se esconder sob a terra, como os tatus atuais?
"Você tem de lembrar que um dos predadores da época era o Smilodon [o célebre dente-de-sabre]", explica Francisco Sekiguchi Buchmann, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de São Vicente. "Portanto, provavelmente valia a pena."
Buchmann e seus colegas estão descobrindo como era extensa a rede de bunkers antidente-de-sabre dos supertatus.
Segunda a última contagem, apresentada no 7º Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, já são cerca de 200 paleotocas, como os pesquisadores as chamam --algumas ainda intactas, outras (a maioria) já preenchidas por terra.
Com até 45 metros de comprimento, os túneis se espalham por diversas localidades no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo.
Os buracos estão vindo à tona aos montes durante, por exemplo, cortes de terra feitos para obras de infraestrutura em vários municípios.
As paleotocas são grandes o suficiente para abrigar humanos --agachados, bem entendido. Isso permitiu que Buchmann e colegas como Renato Pereira Lopes, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), estudassem em detalhe tanto o interior das que se encontram desobstruídas quanto sua disposição no ambiente.
CSI TATU
Esse trabalho de detetive revelou, em primeiro lugar, que os escavadores dos túneis eram tão cuidadosos quanto os construtores de um metrô na hora de montar suas supertocas.
"Não adianta simplesmente cavar um buraco no chão, porque a chuva vai encher aquilo de água em dois tempos", explica Lopes.
Os bichos, portanto, aproveitavam as encostas de grandes barrancos. O mapeamento dos locais com a ajuda do GPS (Sistema de Posicionamento Global) sugere que os cavadores levavam em conta variáveis como posição do Sol, ventilação e presença de água na hora de construir seus ninhos.
Na Era do Gelo, a partir de 400 mil anos atrás (idade estimada para as paleotocas), não faltavam criaturas avantajadas que pudessem ter criado a rede de túneis.
As pistas, porém, apontam para os supertatus -mais especificamente bichos do gênero extinto Propraopus, por exemplo, significativamente maiores que os tatus-canastras do Brasil moderno.
São pistas indiretas: marcas de garras, de pelos e de osteodermas (como são conhecidas as unidades que formam a carapaça dos tatus) que batem com o que se conhece dos Propraopus. Ao se arrastar pelas galerias, explicam os pesquisadores, os bichos deixaram tais marcas.
CONDOMÍNIO FECHADO
Uma característica paradoxal das paleotocas é o fato de elas apareceram aos montes no mesmo lugar. "Eles formavam condomínios", diz Buchmann. Paradoxal porque tatus são bichos solitários, e não sociais.
O ajuntamento dos bunkers provavelmente tem a ver com o terreno favorável, e não com algum interesse dos supertatus em vizinhança animada.
Falta ainda a prova definitiva: achar o fóssil de algum dos bichos "em casa". "Nas tocas ainda abertas, o contato com o ar deve ter decomposto os ossos", afirma ele.
As supertocas e supertatus estudados pelos pesquisadores brasileiros podem parecer impressionantes para os desavisados, mas são café pequeno diante do tamanho gigantesco que outras espécies do tipo alcançaram.
A Era do Gelo foi também uma era de ouro para os tatus e bichos assemelhados. Originários da América do Sul (a mais antiga espécie tem uns 60 milhões de anos e foi achada em Itaboraí, no Rio de Janeiro), os bichos avançaram rumo à América do Norte quando o istmo do Panamá se formou e uniu os dois subcontinentes.
De norte a sul, os ambientes foram tomados pelos gigantescos gliptodontes, cuja carapaça maciça e arredondada dava a essas criaturas o aspecto -e o tamanho aproximado- de um Fusca. Não cavavam tocas, claro.
Os gliptodontes não são considerados tatus verdadeiros. Ao contrário de seus primos menores, eram pastadores, e não comedores de inseto.
Outra diferença importante é a falta de dobradiças no casco, o que os tornava rígidos feito um tanque se comparados, por exemplo, a um tatu-bola.
Além dos tatus verdadeiros e dos gliptodontes, outros animais do tipo a alcançar grandes dimensões foram os pampatérios, esses com carapaças mais maleáveis.
Não se sabe ao certo porque essa diversidade de bichos gigantes sumiu. Mudanças na vegetação são um dos fatores apontados pelos paleontólogos, mas a caça por humanos não está descartada.
Fonte: Folha.com
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