quinta-feira, 29 de março de 2012

Antropólogo inglês contabiliza 40 anos de trabalhos com etnias da Amazônia

Stephen Hugh-Jones escreveu sobre vida e cultura de índios do Alto Rio Negro (Ney Mendes)


Stephen-Hugh-Jones está aposentado da Universidade de Cambrigde mas desenvolve estudos por “hobby” e admite que gostaria de empreender um número maior de trabalho de campo se “tivesse tempo e dinheiro”.

Nos últimos 20 anos, a compreensão sobre os povos pré-colombianos que viveram na Amazônia Brasileira mudou graças aos novos estudos arqueológicos. 

Foi comprovado que sociedades pré-colombianas do Alto Rio Negro mantiveram intercâmbios com “parentes” do médio Solimões e do baixo Rio Negro. 

E essas sociedades, ao contrário do que se imaginava, eram complexas e mantinham um elevado grau hierárquico.

Esta relação entre diferentes povos indígenas, muitos dos quais falantes da língua aruak (originários do litoral equatoriano e das planícies venezuelanas), ocupa atualmente os estudos do antropólogo inglês Stephen Hugh-Jones, 67, um dos pioneiros nos estudos sobre indígenas da Amazônia. 

Hugh-Jones está em Manaus desde o início da semana participando de uma série de atividades na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Nesta semana, ele recebeu a reportagem do jornal A CRÍTICA, para quem deu uma entrevista sobre seu retorno ao Estado, 10 anos depois de sua última visita. Stephen-Hugh-Jones está aposentado da Universidade de Cambrigde, mas desenvolve estudos por “hobby” e admite que gostaria de empreender um número maior de trabalho de campo se “tivesse tempo e dinheiro”.


Arqueologia


Entre os incontáveis estudos que não deixou de realizar, apesar da aposentadoria, está o esforço intelectual sobre a interpretação de petróglifos (gravuras em rochas) que podem ajudar a compreender como se dava a relação entre os povos indígenas da Amazônia e sua conexão com os rituais.

“Nos últimos anos, a arqueologia mudou totalmente. Anteriormente a gente acreditava que os indígenas do Amazonas eram bem simples, bem primitivos. Mas agora a gente vê outra situação. Perto de Manaus, por exemplo, foram descobertas sinais de que haviam cidades inteiras.

Evidentemente foram sociedades com alta hierarquia. É bem provável que os índios do Alto Rio Negro tiveram vínculos com as sociedades complexas do Médio Solimões e do Baixo Rio Negro”, afirmou Hugh-Jones, que está produzindo um artigo sobre estes estudos.

O foco do estudo de Stephen Hugh-Jones na interpretação dos petróglifos pretende mostrar como funcionavam as estruturas dos sistemas intelectuais, considerados por ele “bem complicados”.
“São sistemas de memória. 

Os petróglifos nas cachoeiras podem, por exemplo, servir como técnicas de memória. Há sequencias inteiras (nos petróglifos) feitas como uma maneira de memorizar os cantos rituais”, comentou.


Alto Rio Negro


Durante 40 anos, em diferentes momentos, Stephen Hugh-Jones trabalhou no Alto Rio Negro, especialmente com indígenas da Amazônia Colombiana. 

 Há dez anos esteve em São Gabriel da Cachoeira e em Pari-Cachoeira, quando era professor-visitante no Rio de Janeiro. 

“Foi mais uma visita para conhecer o lado brasileiro e olhar os sítios sagrados”, relembra.

Apesar de seus estudos se concentrarem sobretudo entre os indígenas da Colômbia, em particular os tukano, não há diferenciação entre os “mundos indígenas” daquele país e os que vivem no território brasileiro, segundo ele.

Stephen Hugh-Jones começou seus estudos no Brasil de campo em 1969, em uma época em que os indígenas da Amazônia eram quase desconhecidos no mundo antropólogo, lembra ele.

“Eu e minha esposa, que também é antropóloga, fizemos um estudo total sobre aquela região. Escrevi depois um livro sobre mitologia, rituais de xamanismo, rituais do jurupari (instrumento musical) e flautas sagradas”, destaca.

Uma década depois, Hugh-Jones direcionou seus estudos para a relação do mundo dos indígenas e o mundo dos “brancos”, tendo como foco a indústria da cocaína e da influência dos mercadores dentro da sociedade indígena. 

Desde então, Hugh-Jones não deixou de desenvolver estudos na região, atuando em diferentes áreas de interesse: xamanismo, movimentos messiânicos, parentesco, etc.

A abrangência dos estudos do antropólogo inglês deixou um legado sobre os indígenas do Alto Rio Negro que atesta uma peculiaridade daquela região: a forte inclinação para a tradição intelectual. 

“É bem aparente que as sociedades do Alto Rio Negro são diferentes do que se chama de sociedade amazônica. Em vez de ter pajé ou xamã, no sentido típico, temos pessoas que atuam mais como intelectuais, quase sacerdotes. Se pode dizer que ali são pessoas que possuem um cânone bem desenvolvido. Em vez de enfatizar a performance, enfatizam o conhecimento de uma tradição muito extensa”, analisa.


Fonte: A Crítica

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