Stephen Hugh-Jones escreveu sobre vida e cultura de índios do Alto Rio Negro (Ney Mendes)
Stephen-Hugh-Jones está aposentado da Universidade de Cambrigde mas desenvolve estudos por “hobby” e admite que gostaria de empreender um número maior de trabalho de campo se “tivesse tempo e dinheiro”.
Nos
últimos 20 anos, a compreensão sobre os povos pré-colombianos que
viveram na Amazônia Brasileira mudou graças aos novos estudos
arqueológicos.
Foi comprovado que sociedades pré-colombianas do Alto Rio
Negro mantiveram intercâmbios com “parentes” do médio Solimões e do
baixo Rio Negro.
E essas sociedades, ao contrário do que se imaginava,
eram complexas e mantinham um elevado grau hierárquico.
Esta
relação entre diferentes povos indígenas, muitos dos quais falantes da
língua aruak (originários do litoral equatoriano e das planícies
venezuelanas), ocupa atualmente os estudos do antropólogo inglês Stephen
Hugh-Jones, 67, um dos pioneiros nos estudos sobre indígenas da
Amazônia.
Hugh-Jones está em Manaus desde o início da semana
participando de uma série de atividades na Universidade Federal do
Amazonas (Ufam).
Nesta
semana, ele recebeu a reportagem do jornal A CRÍTICA, para quem deu uma
entrevista sobre seu retorno ao Estado, 10 anos depois de sua última
visita. Stephen-Hugh-Jones está aposentado da Universidade de Cambrigde,
mas desenvolve estudos por “hobby” e admite que gostaria de empreender
um número maior de trabalho de campo se “tivesse tempo e dinheiro”.
Arqueologia
Entre os incontáveis estudos que não deixou de realizar, apesar da aposentadoria, está o esforço intelectual sobre a interpretação de petróglifos (gravuras em rochas) que podem ajudar a compreender como se dava a relação entre os povos indígenas da Amazônia e sua conexão com os rituais.
“Nos últimos anos, a arqueologia mudou totalmente. Anteriormente a
gente acreditava que os indígenas do Amazonas eram bem simples, bem
primitivos. Mas agora a gente vê outra situação. Perto de Manaus, por
exemplo, foram descobertas sinais de que haviam cidades inteiras.
Evidentemente foram sociedades com alta hierarquia. É bem provável que
os índios do Alto Rio Negro tiveram vínculos com as sociedades complexas
do Médio Solimões e do Baixo Rio Negro”, afirmou Hugh-Jones, que está
produzindo um artigo sobre estes estudos.
O
foco do estudo de Stephen Hugh-Jones na interpretação dos petróglifos
pretende mostrar como funcionavam as estruturas dos sistemas
intelectuais, considerados por ele “bem complicados”.
“São
sistemas de memória.
Os petróglifos nas cachoeiras podem, por exemplo,
servir como técnicas de memória. Há sequencias inteiras (nos
petróglifos) feitas como uma maneira de memorizar os cantos rituais”,
comentou.
Alto Rio Negro
Durante 40 anos, em diferentes momentos, Stephen Hugh-Jones trabalhou no Alto Rio Negro, especialmente com indígenas da Amazônia Colombiana.
Há dez anos esteve em São Gabriel da Cachoeira e em Pari-Cachoeira,
quando era professor-visitante no Rio de Janeiro.
“Foi mais uma visita
para conhecer o lado brasileiro e olhar os sítios sagrados”, relembra.
Apesar
de seus estudos se concentrarem sobretudo entre os indígenas da
Colômbia, em particular os tukano, não há diferenciação entre os “mundos
indígenas” daquele país e os que vivem no território brasileiro,
segundo ele.
Stephen
Hugh-Jones começou seus estudos no Brasil de campo em 1969, em uma
época em que os indígenas da Amazônia eram quase desconhecidos no mundo
antropólogo, lembra ele.
“Eu e minha esposa, que também é antropóloga,
fizemos um estudo total sobre aquela região. Escrevi depois um livro
sobre mitologia, rituais de xamanismo, rituais do jurupari (instrumento
musical) e flautas sagradas”, destaca.
Uma
década depois, Hugh-Jones direcionou seus estudos para a relação do
mundo dos indígenas e o mundo dos “brancos”, tendo como foco a indústria
da cocaína e da influência dos mercadores dentro da sociedade indígena.
Desde então, Hugh-Jones não deixou de desenvolver estudos na região,
atuando em diferentes áreas de interesse: xamanismo, movimentos
messiânicos, parentesco, etc.
A
abrangência dos estudos do antropólogo inglês deixou um legado sobre os
indígenas do Alto Rio Negro que atesta uma peculiaridade daquela
região: a forte inclinação para a tradição intelectual.
“É bem aparente
que as sociedades do Alto Rio Negro são diferentes do que se chama de
sociedade amazônica. Em vez de ter pajé ou xamã, no sentido típico,
temos pessoas que atuam mais como intelectuais, quase sacerdotes. Se
pode dizer que ali são pessoas que possuem um cânone bem desenvolvido.
Em vez de enfatizar a performance, enfatizam o conhecimento de uma
tradição muito extensa”, analisa.
Fonte: A Crítica
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