Descoberta intriga historiadores e abre nova linha de pesquisa sobre o passado da cidade.
Quatro canhões de ferro fundido, que teriam permanecidos três séculos enterrados na Zona Portuária, foram encontrados por arqueólogos e operários da Secretaria municipal de Obras em fevereiro e este mês na Rua Sacadura Cabral, na altura do Largo de São Francisco da Prainha, durante obras da prefeitura na região.
A descoberta, que remete ao tempo em que o bairro da Saúde tinha uma praia, intrigou historiadores e estudiosos da área de patrimônio.
Qual seria a origem dessas peças de artilharia, já que não há referência em documentos e livros à presença de qualquer forte naquele lugar no começo do século XVII?
Segundo especialistas, na área só havia registro da existência da Bateria da Prainha (construída após a invasão francesa, em 1711), situada onde hoje está o Edifício A Noite, na Praça Mauá. Local onde, em janeiro, foi descoberto um outro canhão. Com isso, a cidade reencontrou cinco relíquias.
Assim que os dois primeiros canhões foram achados durante obras de revitalização da Zona Portuária, em 13 de fevereiro, a arqueóloga Tânia Andrade Lima, que acompanha as escavações, ficou surpresa, pois só esperava encontrar por ali peças do século XIX, relacionadas à vida cotidiana e às áreas de trabalho nos trapiches, além de objetos ligados a escravos.
Para tentar esclarecer a presença dos canhões, ela pediu ajuda a um especialista em fortificações e armas, o historiador e pesquisador do Iphan Adler Homero Fonseca de Castro.
Onze dias depois, outro canhão foi encontrado numa área bem próxima. E, no dia 8 deste mês, um quarto exemplar foi desenterrado.
Numa primeira análise, Adler identificou as peças como canhões de estilo inglês, de um período entre os séculos XVI e XVII.
Uma das hipóteses que ele investiga é a da existência de uma bateria na região, já que havia quatro canhões juntos:
— Ainda preciso fazer nova análise para determinar a datação correta. Mas essa descoberta abriu uma linha de pesquisa para quem estuda a urbanização do Rio, pois, pelos registros históricos, naquela região não havia nada no começo do século XVII.
A cidade surgiu entre o Morro do Castelo e o de São Bento. Aquela região está fora da cidade antiga. Se havia ca$ões ali, e até uma bateria, é sinal de que havia algo que merecia ser protegido. Ou armazéns ou um local de desembarque.
Para o pesquisador, os canhões podem ter sido jogados ao mar depois de desativados. A tese do descarte é compartilhada por Tânia.
Ela conta que os canhões foram localizados abaixo dos trapiches do século XIX e que eles estavam com a boca voltada para o continente, o que indica que não foram achados na posição de uso.
— Naquela época, o mar era a grande lixeira da cidade — diz Tânia, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da UFRJ.
O subsecretário de Patrimônio Cultural, Washington Fajardo, acredita que os canhões podem ter sido usados numa artilharia secundária de defesa da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição:
— A descoberta confirma o que mostram mapas e documentos históricos: havia baterias na Prainha. O Morro da Conceição era então encimado pela Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição. Mas havia no sopé do morro baterias militares.
O historiador Nireu Cavalcanti diz que, até que se determine com exatidão de que período são os canhões, muitas poderão ser as hipóteses:
— Se forem do século XVIII, podem, por exemplo, ter sido de algum navio que soçobrou na região. Muitos navios usavam $ões para se defender.
Há, ainda, a possibilidade de os canhões serem de uma data e a bateria de outra, já que, como se tratava de armamento caro, era comum as peças serem reutilizadas. Ou seja: podem ser canhões do século XVII que foram usados numa fortificação construída no século XVIII.
Sobre a origem do canhão encontrado na Praça Mauá, nas escavações das obras do Porto Maravilha, a hipótese mais provável, segundo um relatório da arqueóloga Erika Marion Robrahn-González, é que seja do século XVIII, "por causa do comprimento de dois metros, já que os canhões do século XIX são mais curtos".
De acordo com a arqueóloga, a peça pode ter sido usada na Bateria Prainha da Marinha, localizada no entorno da Praça Mauá e que dava apoio de fogo ao Morro da Conceição.
Para a superintendente do Iphan no Rio, Cristina Lodi, essas e outras descobertas arqueológicas na Zona Portuária têm o efeito positivo de divulgar a riqueza histórica da cidade:
— Esses achados estão evidenciando um passado da cidade que era desconhecido. Estava tudo embaixo da terra adormecido, para que pudéssemos tornar visível e transformar em conhecimento esse pedaço da história da cidade. Esse passado faz com que a gente entenda aonde estamos chegando — analisa.
Fonte: O Globo Online
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