Tinha quatro a seis anos de idade, quando morreu no século XVI, e
tinham-na descoberto num túmulo na cidade de Yangju, perto de Seul, na
Coreia do Sul.
Os seus restos mortais, que chegaram até nós mumificados
de forma natural, têm sido submetidos a vários estudos — num deles,
procurou-se ver como estavam os seus órgãos internos através de pequenos
furos, por onde também se extraíram amostras de tecidos.
Agora, uma
equipe internacional anuncia que as amostras do fígado retiradas revelam
que a criança estava infectada com o vírus da hepatite B.
Mas não foi fácil detectar a presença de DNA do vírus, uma vez que se
encontrava degradado por ser tão antigo: só depois disso ter sido
conseguido em laboratórios de três países (Coreia do Sul, Reino Unido e
Israel) a equipe avançou para o sequenciamento do genoma completo deste
vírus antigo da hepatite B.
Nisto tudo, e na comparação do genoma
entretanto obtido com sequências genéticas de vírus que infectaram
ocidentais nos últimos 60 anos, a equipe levou três anos.
Resultado: este genoma é o mais antigo alguma vez obtido de um vírus, sublinha a equipe, composta por investigadores de Israel e da Coreia do Sul, entre outros, que publicou as conclusões do trabalho na revista Hepathology, da Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fígado.
“Apesar dos grandes progressos na área do DNA, até agora só tinha sido descrito na íntegra um genoma viral antigo, o da gripe espanhola de 1918”, diz o artigo de Gila Kahila Bar-Gal, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e colegas.
Este genoma permite contar mais pormenorizadamente a história de um vírus que infecta hoje, segundo a Organização Mundial de Saúde, 400 milhões de pessoas em todo o mundo, sobretudo na África, na China e Coreia do Sul, apesar de existir uma vacina que permite evitar a infecção.
Transmitido pelo sangue e outros fluidos corporais, como
saliva e esperma, nomeadamente por material não esterilizado como
seringas, o vírus da hepatite B está na origem da cirrose e do câncer do
fígado, doenças que matam cerca de 700 mil pessoas por ano.
A comparação entre partes do genoma do vírus antigo e dos vírus modernos da hepatite B permitiu calcular o ritmo das suas mutações, ocorridas ao longo dos últimos quatro séculos.
Uma vez na posse dessa informação, os
cientistas puderam então andar para trás no tempo, para tentar descobrir
quando surgiu o antepassado da estirpe do vírus que infectou a criança
(a estirpe é a C2).
“Pensa-se que as mudanças genéticas
resultaram de mutações espontâneas e, possivelmente, de pressões
ambientais ocorridas durante o processo evolutivo do vírus. Tendo em
conta a taxa de mutações observadas, a análise do DNA do vírus da múmia
sugere que ele teve origem há pelo menos 3000 e talvez até há 100 mil
anos”, refere um comunicado da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Migrações de uma doença
A idade da múmia, que mantém os órgãos internos relativamente bem preservados, foi confirmada por datação por carbono 14 quer das suas roupas, quer dos pedaços de fígado.
Por isso, a sua idade e, por
conseguinte, a do vírus da hepatite B que transportava dão ainda pistas
sobre a forma como a doença se disseminou pelo planeta.
Supõe-se
que viajou da África para o Sudeste asiático, refere o comunicado.
“Pode-se ainda clarificar as vias migratórias da hepatite B no extremo
asiático, desde a China e Japão até à Coreia, bem como para outras
regiões na Ásia e na Austrália”, explica-se no comunicado.
No
artigo científico, os cientistas consideram mesmo que os vestígios do
vírus encontrados na múmia constituem um dos primeiros exemplos da sua
chegada ao Sudeste da Ásia através de migração humana.
O genoma
antigo agora obtido também pode servir como modelo no estudo de como vai
evoluir a infecção crônica da hepatite B, explicou ao jornal Haaretz um
dos elementos da equipe, Daniel Shouval, também da Universidade
Hebraica: “Este resultado vai permitir-nos determinar o ritmo das
mutações do vírus no futuro.”
Fonte: Público
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