Deimos seria mais parecida com asteroides do que com outras luas do Sistema Solar
Neste domingo, enquanto a sonda Curiosity explora o solo marciano e
investiga a possibilidade de vida no planeta vermelho, completam-se 135
anos de uma grande descoberta: em 11 de agosto de 1877 (no horário dos
Estados Unidos, dia 12 no GMT), o astrônomo americano Asaph Hall
identificou o primeiro satélite natural de Marte, denominado Deimos.
Uma
semana depois, ele descobriria o segundo satélite, Fobos. A presença de
satélites naturais suscitou a ideia de que poderia existir vida naquele
planeta, hipótese remota que o robô da Nasa tenta averiguar agora.
Para o astrônomo Fernando Roig, do Observatório Nacional, do Rio de
Janeiro, a descoberta dos satélites Deimos e Fobos foi muito
significativa na época e gerou bastante expectativa na comunidade.
"Até
então, apenas os planetas gigantes gasosos tinham luas conhecidas
orbitando em volta deles, além da Terra, claro. Marte tornou-se o
primeiro planeta terrestre a ter um sistema de luas", explica o
pesquisador.
Descoberta não foi por acaso
Hall não deslindou os satélites naturais de Marte de forma acidental.
Segundo o astrônomo Ronaldo Mourão, fundador do Museu de Astronomia e
Ciências Afins (Mast), a descoberta constituiu uma das mais belas
conquistas da ciência astronômica, justamente por não ter sido resultado
do mero acaso.
Hall realizava buscas sistemáticas dos satélites, os
quais já haviam sido motivo de especulações por parte do astrônomo
alemão Johannes Kepler. Conforme Naelton de Araújo, astrônomo da
Fundação Planetário do Rio de Janeiro, além de Kepler, outros dois
escritores citaram a existência de duas luas marcianas em suas obras
antes da descoberta científica: o inglês Jonathan Swift, em Viagens de Gulliver, e o francês Voltaire, em Micromegas.
Mas a concretização dessa busca só aconteceu em 1877, quando Hall
utilizou o telescópio refrator de 26 polegadas do Observatório Naval, em
Washington, considerado o maior telescópio do mundo então.
O
astrofísico Enos Picazzio, professor e pesquisador do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São
Paulo (IAG/USP), justifica o porquê do tamanho: "Quanto maior for a
abertura do telescópio, maior será a sua capacidade de observar objetos
pequenos".
Se há 135 anos as descobertas eram feitas apenas por telescópios em
solo, limitados em tamanho e qualidade óptica, hoje existem muito mais
recursos para observar e desvendar novos satélites de planetas do
Sistema Solar.
Inicialmente, o olhar atento do astrônomo era
fundamental, entretanto, ao final do século 19 e início do século 20, a
fotografia se tornou uma aliada e passou a ser utilizada para obter
imagens dos astros.
Roig explica que, atualmente, as imagens são
captadas por dispositivos eletrônicos chamados CCD (em inglês, Charge-Coupled Device; em português, Dispositivo de Carga Acoplada), semelhantes aos que vêm nas câmeras digitais.
Conforme Araújo, esses dispositivos são acoplados a gigantescos
telescópios em terra ou a bordo de naves espaciais não tripuladas.
"Várias luas dos planetas gigantes foram descobertas desta forma desde
as primeiras sondas espaciais", esclarece. Mesmo com o recurso das
sondas espaciais, Roig argumenta que o procedimento para a descoberta de
um satélite é basicamente o mesmo.
"Tomam-se imagens de diversas partes
do céu, em volta do planeta, e procura-se por objetos que estejam se
movendo em volta deste", pontua o astrônomo.
Fobos e Deimos: a origem
O Sistema Solar possui, atualmente, 171 desses corpos, cada qual com
suas características e particularidades. Mas todos possuem algo em
comum, a definição de satélite: "Nome dado a um corpo celeste que gira
ao redor de outro", afirma Araújo.
Eles são classificados como
"naturais" para distingui-los dos satélites artificiais, criados e
colocados em órbita pelo homem.
"Os satélites naturais podem se originar
por formação simultânea com o corpo que orbitam, por captura
gravitacional ou por colisão", esclarece Picazzio.
Apesar disso, existe ainda muito debate e controvérsia no que se
refere à origem de Deimos e Fobos. Um dos motivos é que nenhum outro
planeta terrestre, além da Terra e Marte, possui satélites naturais.
Roig explica que Vênus e Mercúrio não os possuem e, no caso da Terra, o
tamanho da Lua é muito atípico se comparado aos outros satélites do
Sistema Solar.
Outro fato levado em consideração são as características
dos satélites de Marte, que levam a crer que eles sejam asteroides
capturados pelo campo gravitacional do planeta vermelho.
Claudia Vilega Rodrigues, pesquisadora da Divisão de Astrofísica do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), esclarece que Fobos e
Deimos, ao contrário da maior parte dos satélites do Sistema Solar, não
têm forma esférica.
"Eles são pequenos e de forma irregular, como
batatas, e são similares a asteroides presentes no Cinturão de
Asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter", justifica.
Picazzio
aponta ainda outras características que fomentam essa teoria: "Eles
apresentam figuras de superfície típicas de colisão (crateras, fraturas
etc.) e composição química parecida com a crosta dos planetas, isto é, a
parte mais superficial", exemplifica.
Além disso, o astrofísico
argumenta que a composição química deles é muito semelhante à dos
asteroides tipo C (ricos em carbono).
Existe ainda outra teoria para a formação desses satélites,
semelhante à formação da Lua. "Essa teoria supõe que Marte tenha sido
atingido por um corpo relativamente grande.
Essa colisão ejetaria
material de Marte que se recombinaria em corpos menores em torno do
planeta", elucida. Independente da origem dos satélites, ainda há muito a
ser descoberto.
Existem planos de exploração espacial dos satélites
Fobos e Deimos. De acordo com Picazzio, pensa-se, inclusive, que missões
futuras a Marte possam utilizá-los como bases para exploração tripulada
de Marte.
Investigação marciana
A descoberta de Fobos e Deimos contribuiu para o estudo de Marte e a
busca por respostas. Neste momento, essa investigação é materializada na
sonda Curiosity, em solo marciano desde a última segunda-feira. Para
Araújo, as informações sobre os satélites de um planeta ajudam a
entender vários detalhes importantes.
"Sabendo como os satélites se
movem, podemos saber mais precisamente a massa e a forma do planeta. Por
outro lado, saber onde estão as luas marcianas no momento da chegada de
qualquer sonda é fundamental, pois há a possibilidade de colisão",
explica o astrônomo.
Outra questão levantada pela descoberta dos satélites, conforme
Mourão, é que ela originou as histórias sobre os marcianos e a
preocupação dos astrônomos sobre a possibilidade de haver vida na
superfície de Marte.
A presença do robô Curiosity em solo marciano tem
justamente esse objetivo. "Essa sonda poderá fazer análises que nunca
foram feitas antes. Poderá percorrer distâncias maiores por quase dois
anos. Instrumentos poderosos vão revelar muito do passado e do presente
de Marte", afirma Araújo.
Segundo Picazzio tudo indica que o planeta já teve condições
ambientais (água líquida, temperatura amena, atmosfera, estufa, etc)
propícias à formação de uma biosfera - embora tenha sido um período
muito curto, quando comparado à Terra.
"Será que há outras vidas além da
Terra? Será que a vida terrestre surgiu apenas aqui ou veio de fora e
aqui se desenvolveu? Será que Marte tem alguma coisa a ver com isso?",
questiona o professor da USP.
Colonização
Por enquanto, a sonda Curiosity é a melhor aposta para trazer respostas a
esses e outros questionamentos.
"Espero de verdade que possamos
responder muitas perguntas sobre a existência de água e até vida.
Vivemos num momento brilhante da exploração marciana", aponta Araújo.
As
pesquisas desenvolvidas pela Curiosity poderão, também, servir de base
para o planejamento de uma futura missão tripulada a Marte, conforme
Roig.
Se existe ou algum dia existiu vida em Marte, ainda é difícil dizer.
Mas é provável que, daqui a algum tempo, não será mais.
"Não tenho
dúvidas de que iremos colonizar Marte e que já existe um projeto de
terraformação (processo biológico e geológico segundo o qual seria
possível tornar qualquer planeta habitável, à semelhança do que ocorreu
na Terra antes do aparecimento da vida)", diz Mourão.
Em seu livro, Marte - da Imaginação à realidade, ele ainda questiona: "Será que a presença dos primeiros robôs já não é um início de colonização?".
Fonte: Terra
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