Estudo encontra provas de que homens e mulheres dessa espécie realizavam tarefas diferentes, algo que ainda fazem as sociedades de caçadores-coletores atuais.
Há anos os neandertais deram ao Homo sapiens um importante banho de humildade. Essa espécie que considerávamos primitiva e bruta, entretanto, foi tão parecida com a nossa que há milhares de anos a transformamos em nossos companheiros sexuais e em pais e mães de nossos próprios filhos.
Descobertas
recentes mostraram que os neandertais também tinham cultura, faziam
desenhos e usavam adornos e símbolos que indicam um pensamento complexo.
Agora, um novo trabalho revela outras semelhanças entre nossa espécie e
a daqueles primos que se extinguiram há cerca de 35 mil anos: eles
também dividiam o trabalho por sexos.
Até agora haviam sido
encontradas provas de que as sociedades de caçadores e coletores de Homo
sapiens separam o trabalho segundo o sexo, algo que continuam fazendo
povos como os hadza da Tanzânia.
Uma das provas dessa divisão de
trabalho pode ser encontrada nos dentes. A boca se transforma em uma
terceira mão e os incisivos são usados, por exemplo, para segurar um
pedaço de pele ou de carne e, enquanto se segura com uma das mãos,
corta-se com a outra, ajudada por uma ferramenta de pedra.
Às
vezes a ferramenta bate nos dentes e deixa marcas características que
servem para os paleoantropólogos estudarem os usos "culturais" dessa
terceira mão.
Vários estudos com Homo sapiens primitivos e
também dos que vivem atualmente como caçadores e coletores na África
encontraram evidências de que as marcas desse tipo são diferentes em
homens e em mulheres, o que evidencia uma especialização das tarefas.
Uma equipe formada por Antonio Rosas e Almudena Estalrrich,
pesquisadores do Museu Nacional de Ciências Naturais, encontraram agora
marcas semelhantes em dentes de neandertais que viveram há cerca de 49
mil anos em Astúrias (noroeste da Espanha), na França e na Bélgica.
Em um estudo publicado no "Journal of Human Evolution", os
pesquisadores descrevem a análise de 99 incisivos e caninos de 19
neandertais de idades e sexos diferentes. A amostra mais completa provém
da caverna de El Sidrón, em Astúrias, onde foi possível confirmar o
sexo dos indivíduos com análises do DNA. Restos das cavernas de l'Hortus
(França) e Spy (Bélgica) completam a amostra.
Os resultados
revelam que em geral as mulheres apresentam mais estrias em seus dentes e
que estas também são mais largas das que se encontram nos homens.
Também foram encontradas diferenças por sexos em outro tipo de lesões no
esmalte e na dentina, relacionadas ao uso da dentadura para segurar
objetos.
Segundo o trabalho, "todos os indivíduos provavelmente
usavam o mesmo tipo de ferramenta, mas o tipo de tarefa, o material que
cortavam (por exemplo, carne fibrosa ou macia) e o número de repetições
variavam segundo o sexo".
Isto "poderia significar que havia uma
separação por sexos", semelhante, segundo os autores, à que se observa
nos caçadores e coletores de hoje.
Nessas comunidades,
acrescentam, as diferenças observadas nos dentes podem ser explicadas
por atividades diferentes na "preparação de peles, fiação ou manufatura
de produtos de pele ou roupa, que são atribuídas com mais frequência às
mulheres".
Depois que estudos anteriores demonstraram que os
neandertais tinham um comportamento muito mais complexo do que se
pensava, que manipulavam símbolos e cultura, que usavam plantas
medicinais e inclusive se relacionaram sexualmente com os Homo sapiens,
esse trabalho traz "uma nova visão" do "comportamento moderno" desta
espécie, concluem os autores do estudo.
María Martínón-Torres,
especialista em dentição de hominídeos no Centro Nacional de Pesquisas
sobre a Evolução Humana, avalia o novo trabalho.
"Trata-se de um
estudo muito estimulante", opina, sobretudo porque não teria sido
possível sem a excepcional amostra de dentes de El Sidrón e o DNA
extraído deles.
"O mais complicado agora é explicar o mecanismo
que faz que as mulheres apresentem marcas diferentes", acrescenta. "Uma
possibilidade é que se explique pela destreza ou a força e que as
mulheres, por serem menos fortes, precisassem fazer mais cortes e por
isso têm mais marcas."
É difícil garantir isso com base na
amostra existente, diz a especialista, que não participou desse estudo e
sugere analisar as lesões dentárias dos caçadores e coletores atuais
para esclarecer o assunto.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: UOL
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