Fósseis encontrados na China podem mudar drasticamente a narrativa
tradicional da dispersão da espécie humana pelo mundo.
Cientistas que
trabalham em Daoxian, no sul do país, descobriram dentes pertencentes a
humanos modernos com uma idade de pelo menos 80 mil anos, segundo um
estudo publicado no periódico científico Nature.
Isso vai contra
a amplamente aceita teoria de que o homem deixou a África há 60 mil
anos. Diversas evidências, inclusive genéticas e arqueológicas, apoiavam
esta teoria.
Acreditava-se que os primeiros humanos modernos
vivendo no norte da África cruzaram o mar Vermelho pelo estreito de Bab
el Mandeb, tirando proveito da maré baixa. Todas as populações
não-africanas existentes hoje teriam derivado desta dispersão.
Tesouro arqueológico
As escavações na caverna Fuyan, em Daoxian, trouxeram à tona um tesouro arqueológico composto por 47 dentes humanos.
"Todos os fósseis estavam selados em pedra calcária. Então, os
dentes tinham de ser mais antigos que esta camada do solo. Sobre isso,
estão estalagmites com 80 mil anos de idade, algo que foi determinado
usando urânio."
Isso significa que tudo que está abaixo destas
estalagmites deve ser mais antigo do que elas. Os dentes humanos podem
ter até 125 mil anos de idade, de acordo com os pesquisadores.
Além disso, fósseis de animais achados junto com os dentes são típicos
do período Pleistoceno Antigo - algo indicado também pelas medições
feitas com radioatividade.
Fósseis de humanos modernos que
precedem a data de migração para fora da África já tinham sido
encontrados em cavernas de Israel. Mas eles foram considerados parte de
uma tentativa fracassada de dispersão por humanos modernos que
provavelmente acabaram extintos.
No entanto, a descoberta feita na China complica a teoria em torno da dispersão humana pelo mundo.
"Alguns pesquisadores já propuseram que dispersões teriam ocorrido mais
cedo do que se pensa", diz Martinón-Torres. "Temos que entender o
destino dessa migração, se ela fracassou ou se de fato contribuiu para a
formação das populações modernas. Talvez sejamos descendentes de uma
dispersão ocorrida há 60 mil anos, mas precisamos rever nossos modelos.
Pode ter havido mais de uma migração para fora da África."
'Ponto de inflexão'
Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, no Reino
Unido, diz que o novo estudo é um "ponto de inflexão" no debate sobre
como humanos modernos se espalharam pelo planeta.
"Muitos
especialistas, inclusive eu, já argumentaram que a dispersão inicial a
partir da África, ocorrida há cerca de 120 mil anos - segundo evidências
das cavernas israelenses -, foi um fracasso e não foi além desta região
onde os fósseis foram encontrados", afirma.
"A grande amostra
de dentes de Daoxian parece ser indubitavelmente de humanos modernos por
seu tamanho e morfologia, e parece ter sido bem datada, com uma idade
de 80 mil anos. À primeira vista, parece ser condizente com uma
dispersão anterior pelo sul da Ásia por uma população parecida com a
achada em cavernas de Israel."
O especialista aponta, no
entanto, que "os fósseis de Daoxian se parecem mais com dentes de
humanos mais recente do que com aqueles dos fósseis de Israel, que ainda
mantêm traços primitivos".
"Então, deve ter ocorrido uma rápida
evolução na dentição de uma população como a das cavernas de Israel ou
os dentes de Daoxian representam uma dispersão diferente de humanos com
um aspecto mais moderno."
Martinón-Torres diz que seu estudo
pode lançar uma luz sobre por que o Homo sapiens levou outros 40 mil
anos para se estabelecer na Europa.
Talvez a presença de
neandertais tenha mantido nossa espécie de fora da parte ocidental da
Eurasia até nossos primos na escala evolucionária terem se multiplicado e
formado um grupo maior.
Também é possível que humanos modernos,
que começaram como uma espécie tropical, não estivessem tão bem
adaptados quanto os neandertais ao clima gelado da Europa.
Martinón-Torres destaca que, enquanto humanos ocupavam o quente sul da
China há 80 mil anos, regiões mais frias do centro e do norte da China
poderiam ser ocupadas por humanos mais primitivos que seriam parentes
asiáticos dos neandertais.
Fonte: UOL
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