quarta-feira, 10 de junho de 2009

Atrás da bomba atômica nazista, detetives nucleares da Comissão Europeia identificam urânio do reator de Heisenberg

O principal investigador do projeto, Klaus Mayer, mostra uma réplica do cubo de urânio analizado.



O último capítulo do programa nuclear nazista narra a chegada de milhares de militares e cientistas norte-americanos a Haigerloch, uma pequena cidade do sudoeste da Alemanha, depois que inúmeros cientistas fugiram dali de bicicleta, levando cubos de urânio utilizados na tentativa de construir a bomba.

Agora, cientistas da Comissão Europeia, com a ajuda de detetives nucleares, confirmaram que esse material pertencia ao projeto.

Os membros da missão Alsos entraram na cidade em 24 de abril de 1945. Ela fazia parte do Projeto Manhattan, o plano secreto liderado pelos EUA para criar uma bomba atônica antes que os alemães.

Seu objetivo: descobrir se os nazistas estavam em seu encalço na corrida para a construção da arma que os EUA utilizariam quatro meses depois contra o Japão.

Os membros da Alsos tomaram muitos cientistas como prisioneiros em suas casas, mas um deles, Werner Heisenberg, que recebeu o prêmio Nobel de Física em 1932 pela criação da mecânica quântica, havia conseguido fugir da cidade dois dias antes.

Heisenberg era um cientista consagrado na Alemanha nazista. Trabalhava para criar um reator nuclear com o apoio do Exército. Mas em 1942, os militares pediram que ele fizesse uma arma nucelar no prazo de nove meses.

Heisenberg disse que não era capaz e perdeu o apoio. Com Berlim sitiada, decidiu ir para Haigerloch para continuar trabalhando em seu reator, e pediu a um colega mais avançado na carreira nuclear, Kurt Diebner, que o ofertasse um número suficiente de cubos de urânio que havia conseguido fabricar.

Mas a derrota alemã tornou o projeto impossível. Heisenberg, junto com o restante dos cientistas, enterrou os cubos de urânio, pegou sua bicicleta e percorreu 250 quilômetros até a cidade de Garmisch-Partenkirchen, próxima da fronteira com a Áustria.

Lá ele esperava refugiar-se com familiares para evitar a detenção que por fim revelou-se inevitável.

Uma versão desses acontecimentos afirma que, em sua fuga, Heisenberg levou consigo um curioso suvenir de seus dias de laboratório: vários dos 664 cubos de urânio do reator que construía.

Até agora não havia sido possível confirmar se ele os levara consigo ou não. No começo dos anos 60, crianças encontraram um cubo de metal na margem de um rio não muito distante de Garmisch-Partenkirchen.


Diagrama da bomba atômica nazista



O cubo passou por diversas mãos, públicas e privadas, até que, em 2002, chegou aos cientistas do Instituto de Elementos Transurânicos (ITU) de Karlsruhe (Alemanha), um centro de pesquisas da Comissão Europeia reconhecido por abrigar alguns dos melhores detetives nucleares da Europa.

Esta é a denominação coloquial assumida com naturalidade pelos profissionais forenses nucleares do centro de pesquisas, capazes de fazer com que poucos miligramas de material radioativo falem e revelem sua origem, sua data de processamento e alguns outros dados que comprovam cientificamente a narração oficial da história.

O urânio, como todos os elementos radioativos, é instável. Seus átomos vão se desintegrando gradualmente.

Esse processo e o período de tempo necessário para que a metade dos núcleos de um elemento se desintegre é bastante conhecido: é denominado semivida e permite datar a sua idade.

Entretanto, trata-se de um processo em parte aleatório e os números são obtidos por uma aproximação estatística.

Além disso, os isótopos (variações de um mesmo elemento químico com número diferente de nêutrons) que compõem o urânio natural têm uma semivida muito longa.

Por exemplo, o isótopo de urânio 234U, presente em 0,0055% do urânio natural, tem uma semivida de 245.500 anos.

Com um tempo tão longo e uma quantidade de amostra tão ínfima, parece difícil acertar uma data concreta.

Mas foi a partir dessa análise que os cientistas do ITU, sob a direção de Klaus Mayer, acabam de afirmar que o urânio do cubo foi processado pela última vez no fim de 1943. Ou seja, segundo o relato histórico, pouco antes de chegar às mãos de Heisenberg.


Werner Heisenberg


Empregando simultaneamente duas técnicas - espectometria de massa e espectometria alfa - os detetives nucleares conseguiram a primeira prova experimental da atividade nuclear da Alemanha nazista. E conseguiram determinar até onde havia chegado a ciência nuclear alemã.

Os fragmentos revelaram a presença de impurezas de parafina, uma das substâncias moderadoras que permitem que os nêutrons tenham uma probabilidade maior de interagir com o urânio e assim desencadear a esperada reação nuclear.

A parafina era a substância moderadora favorita de Heisenberg. Além disso, eles encontraram traços de cálcio, que era usado para transformar o óxido de urânio no metal dos cubos.

Assim, conseguiram descobrir que aquele urânio foi extraído da mina tcheca de Joachimsthal (atual Jáchymov). Para descobrir isso, usaram uma base de dados completa.

O ITU possui base de dados "de praticamente todos os lugares do mundo onde há extração e processamento de urânio", afirma Mayer, com a exceção de "certas áreas da Ásia Central".

Heisenberg morreu em 1976. Sempre negou, argumentando motivos morais, que sua pesquisa pretendesse construir uma bomba atômica.

Para construí-la, era necessário enriquecer o urânio ainda mais do que para seu uso em reatores. Agora, os pesquisadores do ITU comprovaram que o processo de fissão ainda não havia começado nos cubos de urânio.

"Assim, seus dispositivos não eram adequados para uma reação de fissão retroalimentada", segundo Mayer.

Em outras palavras, o reator de Heisenberg fracassou. E se não era capaz de conseguir urânio suficientemente enriquecido para fazer funcionar seu reator, muito menos o era para construir uma bomba atômica.



Tradução: Eloise De Vylder



Fonte: UOL/ El Pais

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