quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Ressurreição de mamute será possível, diz cientista


Na opinião do biólogo molecular Stephan Schuster, da Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA), a maioria das pessoas vivas hoje viverá o suficiente para ver o mamute --um animal extinto-- ser ressuscitado com técnicas de laboratório.

Schuster liderou o grupo de pesquisadores que já conseguiu seqüenciar 80% do genoma do paquiderme peludo, trabalho publicado na edição desta quinta-feira da revista "Nature" (www.nature.com).

Leia abaixo entrevista que Schuster concedeu à Folha de S.Paulo por telefone.

*

FOLHA - Com a publicação do genoma do mamute, fala-se agora na possibilidade de "ressuscitar" esse animal extinto. Isso vai ser possível?


STEPHAN SCHUSTER - Há, em princípio, dois modos de fazer isso. Há um grupo de japoneses que tentou durante uns dez anos achar um mamute com material para isso. Seria preciso achar um teci­do de mamute bem preservado e então tentar achar um núcleo celular intacto, para implantar num óvulo de elefanta e, então, usá-la como mãe de aluguel.

Isso pode parecer fácil, porque dessa maneira teríamos imediatamente um mutante clonado. Fazemos isso com gado todos os dias, não? Mas, absolutamente, não é possível fazer isso com os mamutes.

A razão é que, a partir dos nossos estudos, sabemos que o DNA em todos os remanescentes de mamutes que analisamos está quebrado em pequenos pedaços de cerca de cem pares de bases [as letras do DNA].

A única maneira de fazer o trabalho, então, seria uma segunda abordagem. Primeiro precisaríamos seqüenciar esses pequenos pedaços quebrados muitas vezes, repetidamente --dez vezes mais do que precisamos fazer para montar um genoma.

Então poderíamos, no computador, usar o genoma dos elefantes africanos como referência para montar toda a informação sobre o mamute, numa sobreposição. Isso resultaria num genoma do mamute em alta resolução.

Mas aí você teria o problema de o genoma estar no computador. Precisaríamos inseri-lo num óvulo de elefanta, e a única maneira que alguém pode imaginar de fazer isso é pegar elefante existente e introduzir em seu genoma as mudanças, uma por uma.

Isso iria requerer mais de 400 mil alterações. E se você quisesse fazer para o genoma inteiro seriam vários milhões de alterações.

FOLHA - Alguns pesquisadores defendem essa abordagem, mas dizem que o resultado seria mais um elefante peludo e dentuço, do que uma cópia do velho mamute-lanoso da Era Glacial. Isso está correto?


SCHUSTER - Sim.

FOLHA - O trabalho que o sr. publicou agora mostra 80% do genoma do animal. Vai ser preciso obter 100% dos dados para tentar fazer esse tipo de ressurreição que o sr. descreve?


SCHUSTER - Sim, nós precisaríamos do genoma inteiro para isso. Temos sim planos produzir uma versão ainda melhor do genoma do mamute, mas isso vai precisar de muito mais verbas.

A única limitação que temos para esse projeto, agora, é mesmo o dinheiro. Mas eu acho que isso custaria apenas mais US$ 1 milhão ou US$ 2 milhões para completar o genoma do mamute, o que não é tanto dinheiro, comparado a outros projetos.

FOLHA - Um cientista que comenta seu trabalho na "Nature" diz que os 80% ainda não permitem saber muito sobre como o DNA influencia a aparência do animal.


SCHUSTER - Para os dois traços que você menciona nós não sabemos, mas no manuscrito nós descrevemos 92 posições [do DNA] nas quais o mamute é muito diferente do elefante e também muito diferente de outros animais que foram seqüenciados. Essas diferenças, acreditamos, têm a ver com o fato de o mamute ter vivido em clima frio.

FOLHA - Um diagrama publicado no seu trabalho mostra que o elefante-asiático é mais próximo do mamute do que os elefantes africanos o são. Um genoma dessa espécie não ajudaria também a completar o genoma do mamute?


SCHUSTER - Sim, isso é outra coisa que precisaria ser feita.

FOLHA - O seu trabalho contou com amostras de DNA sobretudo de dois mamutes achados congelados. Se forem encontrados espécimes em melhor estado de conservação, isso poderia facilitar o trabalho?


SCHUSTER - A amostra de um desses indivíduos, que chamamos de M4, já está praticamente perfeita, porque 90% das seqüências [pedaços de DNA] que obtivemos são de mamute, não de bactérias, vírus ou fungos do ambiente que contaminam a amostra.

Então, eu não acho que precisemos de amostras melhores e não gastaria montes de dinheiro para tentar achar amostras melhores.

FOLHA - Os espécimes que vocês analisaram foram achados na Sibéria?


SCHUSTER - Sim, todos eles foram achados na Sibéria, depositados em permafrost [solo congelado], se estendendo para fora.

FOLHA - Há duas semanas, um grupo de cientistas japoneses conseguiu clonar um camundongo que havia sido congelado por 16 anos usando transferência nuclear direta, mas o sr. diz que isso não será possível. O problema é o tempo de congelamento, já que os mamutes ficam dezenas de milhares de anos no permafrost?


SCHUSTER - Não acredito que o tempo seja a diferença, mas sim o tamanho do animal. Se fazemos um experimento desses com um camundongo, podemos congelá-lo quase instantaneamente.

Se um mamute morre, mesmo que seja numa temperatura de 40º C negativos na Sibéria, levaria várias horas ou dias para todo o cadáver se congelar. Então, há tempo mais do que suficiente para o DNA se degradar.

É por isso que todos os cromossomos nos mamutes já estão quebrados no momento em que se congelam.

FOLHA - O que os japoneses estão propondo, então, não seria possível se fossem encontrados mamutes que tivessem tido a sorte de ser mais bem preservados?


SCHUSTER - Não. Não acho que o que eles estejam tentando seja factível, pelo menos do modo com que eles estão tentando fazer. É viagem, nunca vai funcionar.

Mas vai funcionar da maneira que eu descrevi, em que primeiro você seqüencia o genoma do elefante e depois insere as alterações de mamute.

FOLHA - Alguns cientistas dizem que o uso de elefantas como mães de aluguel também é uma barreira para o projeto de ressuscitar os mamutes, independentemente da abordagem adotada.


SCHUSTER - Acho que há algum risco, mas não sei dizer quão relevante é esse problema. Acho que as pessoas provavelmente tentarão superá-lo.

FOLHA - Seu trabalho também ainda não sabe dizer quantos cromossomos tinha o genoma do mamute. Será possível descobrir isso quando vocês chegarem a 100% do genoma?


SCHUSTER - Não. Não acho que possamos resolver isso. Mas uma coisa que podemos fazer é pegar os genes do mamute e tentar montá-los sobre os cromossomos do elefante. Não temos como voltar no tempo para saber como eram os cromossomos.

FOLHA - Um mamute ressuscitado com essa estratégia alternativa, então, será possível? As pessoas de hoje vão viver o suficiente para ver isso?


SCHUSTER - Eu tenho certeza de que vai acontecer, por causa dos avanços na medicina reprodutiva em bovinos. A peça que falta é conseguir fazer a reconstrução [de genes do mamute] no genoma do elefante de modo realmente rápido e com bom custo/beneficio.


Fonte: Folha Online


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