sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Inglês usou telescópio para ver a Lua antes de Galileu

Thomas Harriot

No ano em que o mundo comemora o quarto centenário da introdução do telescópio na astronomia, um obscuro acadêmico inglês ameaça roubar do italiano Galileu Galilei (1564-1642) o mérito de ter feito a primeira observação celeste com esse tipo de instrumento óptico.


De acordo com um desenho antigo --e com cartas e anotações analisadas por historiadores--, foi o britânico Thomas Harriot (1560-1621), não Galileu, quem desbravou o céu usando o novo equipamento.

Mapa parcial e simplificado da superfície da Lua


A ilustração, um mapa parcial e simplificado da superfície da Lua, é datada de 26 de julho de 1609, quase quatro meses antes do registro mais antigo das observações de Galileu.


Um novo estudo, que esquadrinhou a cronologia dos fatos com base em documentos antigos, foi distribuído ontem à imprensa pela RAS, a Sociedade Astronômica Real da Inglaterra.


Segundo o autor do trabalho --Allan Chapman, da Universidade de Oxford--, a ordem dos fatos em 1609 demorou a ficar clara porque Harriot, já reconhecido como matemático naquele ano, nunca publicou sua obra de astronomia.


Chapman diz que, na época, ele evitava chamar a atenção de autoridades por causa de um envolvimento mal explicado com mentores da Conspiração da Pólvora, uma tentativa fracassada de golpe contra o rei Jaime 1º.


A despeito disso, o debate sobre a possível primazia de Harriot não é novo. Mas, até agora, vinha sendo encarado como arroubo de nacionalismo exacerbado por parte de alguns historiadores ingleses.


Excelentes mapas lunares do acadêmico já eram conhecidos, mas aquele cuja data deve comprovar sua primazia não estava no Museu Britânico, onde fica a maior parte do legado de Harriot hoje.


O primeiro dos desenhos foi parar no Escritório de Registros de West Sussex, em Chichester, cidade de 24 mil habitantes no sul da Inglaterra. Lá, pelo visto, a primazia de Harriot não é grande novidade.


"Eu sempre soube que havia um desenho datado de 26 de julho de 1609 entre as observações lunares de Harriot", disse à Folha Alison McCann, arquivista que preserva os manuscritos do cientista no escritório de registros.


"Mas foi só nos últimos anos mesmo que historiadores da ciência apontaram que elas precederam as observações de Galileu."


McCann, que ajudou Chapman, recebe um agradecimento especial em estudo que ele publicará na edição de fevereiro da revista "Astronomy and Geophysics", da RAS.


Briga na festa


A Unesco celebra 2009 como o Ano Internacional da Astronomia, e a primeira exibição pública do original do mapa lunar pioneiro de Harriot já está marcada.


O documento será mostrado ao lado de desenhos de Galileu numa exposição em Florença, em 12 de março. Uma exibição pequena em Chichester já põe à mostra uma cópia.


Apesar das evidências apresentadas agora pelos ingleses, aparentemente não será tão fácil estragar a festa de italianos mais nacionalistas que quiserem comemorar os 400 anos do mapeamento da Lua que Galileu fez com seu telescópio a partir de novembro de 1609.


Os que quiserem contestar Chapman dirão que não há prova de que o primeiro desenho de Harriot fora feito com uso de um telescópio.


Ele menciona, porém, um carta de William Lower, amigo de Harriot, enviada a ele em 6 de fevereiro de 1610. Ele agradece o envio de um "cilindro de perspectiva" --telescópio-- e ainda não menciona descobertas de Galileu, por quem se interessou depois.


"A carta de Lower antecede a publicação do Sidereus Nuncius, de Galileu, e sua chegada à Inglaterra", diz Chapman. Pode haver, porém, confusão na data da missiva, já que ingleses ainda não adotavam oficialmente o calendário gregoriano.


Mares não navegados


Chapman argumenta, porém, que sem um telescópio Harriot não teria desenhado bem a Lua com seus "mares" --na verdade, grandes planícies escurecidas. Já em 1610, diz, os mapas do inglês eram bem melhores que os de Galileu.


"Não apenas os mares foram desenhados com notável precisão, mas numerosas crateras e outras características topográficas", escreve o historiador.


Ele defende que sua cronologia dos fatos só pode ser contestada se alguém conseguir provar que Lower já usava, extraoficialmente, o calendário gregoriano na Inglaterra. Mas a discusão não deve acabar agora.


Fonte: Folha Online

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