Moléculas mostram presença de esponjas há mais de 635 milhões de anos. Achado sugere que evolução dos animais teve começo 'lento e gradual'.
No princípio era a esponja. Bem, não exatamente no princípio, mas pelo menos há mais de 635 milhões de anos, quando a vida animal começava a evoluir nos oceanos do nosso planeta, e as esponjas, invertebrados muito simples que mais parecem plantas, já se agarravam ao leito marinho.
Usando técnicas químicas engenhosas, pesquisadores dos Estados Unidos, da Austrália e do Reino Unido dizem ter comprovado a presença dos bichos nessa época remota. O achado tem potencial para fazer recuar a origem dos animais em até 100 milhões de anos.
Para todos os efeitos, até pouco tempo atrás o nosso grupo de seres vivos parecia ter surgido "de repente" há cerca de 600 milhões de anos.
Problema número 1: em tese, nada tão complexo quanto os primeiros animais poderia aparecer sem um tempo considerável de evolução prévia.
Problema número 2: as estimativas feitas com a ajuda do DNA dizem que, de fato, os animais são bem mais antigos do que isso.
O coordenador do novo estudo sobre as esponjas, Gordon D. Love, da Universidade da Califórnia em Riverside e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), diz que seu trabalho traz evidências sólidas da antiguidade dos animais.
"Nossas datas ficam, sem margem para incerteza, entre 635 milhões e 750 milhões de anos", declarou ele ao G1 por e-mail.
Paradoxalmente, apesar do alto grau de confiabilidade da análise, o número total de esponjas fósseis que a equipe encontrou foi... zero.
A descoberta foi totalmente indireta. As rochas estudadas por Love e companhia em Omã, no sul da Arábia, estão empapadas com moléculas orgânicas, derivadas dos seres vivos (a maioria de uma só célula) que existiam durante a era glacial que afetava o planeta naquela época.
Foi graças a essas moléculas que eles conseguiram detectar as esponjas no local. O truque para garantir a precisão das datações foi usar pedaços insolúveis e "duros" de matéria orgânica nos sedimentos.
Dessa forma, eles não poderiam migrar ao longo das camadas de rocha, o que significa que correspondem mesmo à época indicada pelos estratos rochosos.
Parece maluco que substâncias de seres vivos resistam por tanto tempo, mas o fenômeno não é tão incomum assim, de acordo com Love.
"Os lipídios [moléculas de gordura] são recalcitrantes [resistentes à degração] ao longo das centenas de milhões de anos do tempo geológico, mas sobrevivem melhor e em abundância quando há muita produtividade primária [produção de biomassa] e quando o oxigênio não é muito abundante em águas profundas. Já o DNA e as proteínas normalmente se degradam após alguns milhões de anos", diz ele.
Colesterol
De todos os lipídios, o que acabou sendo mais interessante para a análise foi o que recebe o indigesto nome de 24-isopropilcolestano, uma forma alterada do 24-isopropilcolesterol. Colesterol?
Sim, você ouviu direito: trata-se de uma molécula aparentada à que existe no organismo humano, provavelmente com a mesma origem evolutiva.
"Essa família de moléculas é encontrada na membrana das células das esponjas", explica Love. O detalhe é que o 24-isopropilcolesterol seria exclusivo de um subgrupo de esponjas, o que comprovaria a existência delas naquele período remoto.
Em artigo opinativo na britânica "Nature", mesma revista científica onde os resultados foram publicados, Jochen Brocks, da Universidade Nacional Australiana, e Nicholas J. Butterfield, da Universidade de Cambridge, aplaudem as descobertas, mas lançam dúvidas justamente sobre a identificação dos produtores das moléculas.
Para eles, é concebível que seres mais primitivos, talvez até unicelulares, tenham "iniciado" a produção de 24-isopropilcolesterol, característica depois herdada pelas esponjas "descendentes". Nesse caso, não daria para dizer que a vida animal realmente começou há 700 milhões de anos.
Além disso, a abundância das moléculas só ocorre justamente numa janela relativamente estreita de tempo na qual, segundo dados fósseis e de DNA, as esponjas deveriam aparecer.
Então, colocando tudo isso junto, nossa interpretação é a única razoável no momento". É esperar para ver quem se sai melhor no debate.
Fonte: G1
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