A construção de uma hidrelétrica no sudoeste de Goiás acabou trazendo à superfície uma nova espécie de cobra-de-duas-cabeças, ou anfisbênio.
Esses répteis, que passam a maior parte de sua vida debaixo da terra, ainda são relativamente misteriosos para os biólogos, e sua diversidade ainda é pouco conhecida -- tanto que muitas outras espécies ainda podem estar esperando para serem descobertas.
"Em regiões mais quentes eles parecem ser de difícil acesso, havendo poucos registros de encontros ocasionais para muitas das espécies de anfisbênios.
Em lugares nos quais alguns meses do ano são mais frios, é possível encontrá-los mais facilmente perto da superfície para tentar se aquecer.
No entanto, obras grandes para construções ou para abertura de áreas para plantio estão revelando animais desconhecidos com frequência no Cerrado e na Caatinga", contou ao G1
a bióloga Síria Ribeiro, doutoranda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Ribeiro e seus colegas Alfredo Santos-Jr., também da PUC-RS, e Willian Vaz-Silva, da Universidade Federal de Goiás, descreveram formalmente o novo réptil em artigo na revista científica "Zootaxa".
A criatura ganhou o nome de Leposternon cerradensis por ser, por enquanto, o primeiro membro de seu gênero, o Leposternon, a ser encontrado apenas no Cerrado.
Os pesquisadores ainda não têm dados precisos sobre as profundidades que ele habita, sua dieta (provavelmente composta por pequenos insetos também subterrâneos, como formigas, cupins ou larvas deles) ou mesmo sua distribuição geográfica.
"Normalmente, o que acontece é que, quando a terra está sendo escavada durante determinada obra, os bichos são encontrados.
Também pode acontecer de eles subirem à superfície quando o reservatório de uma hidrelétrica está se enchendo", fugindo da água, explica Ribeiro.
Por isso mesmo, os biólogos acabam dependendo de um golpe de sorte (ou de azar, levando em conta a bagunça no habitat do animal) para conseguir observar as criaturas.
Foi Vaz-Silva, que acompanhava a construção da Usina Hidrelétrica de Espora no município de Aporé (GO), o responsável por recolher os espécimes da cobra-de-duas-cabeças durante um procedimento de resgate de fauna.
"Ele me mandou as fotos e eu logo notei que se tratava de um bicho novo, porque morfologicamente ele é muito diferentes das outras espécies de Leposternon", diz a bióloga da PUC-RS.
Cabeças
Ribeiro explica que "cobra-de-duas-cabeças" está longe de ser um nome popular adequado. "Na verdade a cabeça verdadeira é bem característica.
O problema é que as pessoas têm tanto medo de serpentes e assemelhados que não conseguem olhar direito", brinca.
Bobabem: para humanos, os anfisbênios são inofensivos. Na verdade, o que confunde o observador casual, diz ela, além da leve semelhança no formato das duas extremidades, é o fato de que a locomoção do animal envolve o movimento de ambas as pontas do corpo, de forma que a cauda pode dar a impressão de ser a cabeça.
A nova espécie tem uma conformação especial da cabeça que faz com que ela funcione como pá, escavando o caminho adiante no subsolo.
As principais diferenças do bicho em relação a seus parentes próximos estão em detalhes como as escamas da cabeça, nos chamados poros pré-cloacais e no número de meio-anéis dorsais e ventrais e anéis caudais que recobrem o corpo.
Os poros, como o nome diz, ficam perto da cloaca (abertura que, nos répteis, serve para todas as funções fisiológicas, como expelir urina e fezes e copular).
"Não temos dados diretos sobre a função dos poros nessa espécie. Mas, em outros anfisbênios, estudos morfológicos indicaram que eles podem estar relacionados com a comunicação entre indivíduos da mesma espécie e de espécies distintas", diz Ribeiro.
A cor rosada do bicho não significa que ele seja albino, explica ela. "Ainda não sabemos muito a respeito disso, mas o Leposternon cerradensis compartilha com as demais espécies com poros a ausência de coloração escura, e essas espécies estão presentes, principalmente, em áreas abertas, podendo a coloração estar relacionada com o solo utilizado ou até mesmo um determinado ambiente", afirma a bióloga.
É mais um mistério ainda não-elucidado sobre os anfisbênios, como o de sua distribuição geográfica -- ninguém sabe se as espécies encontradas num só lugar até hoje, como a nova, são mesmo únicas daquela região ou apenas muito discretas e comuns em outras.
Fonte: G1
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