Bug cerebral, premonição ou mera coincidência. O déjà vu (em francês, "já visto") costuma ser descrito dessas três formas, entre outras definições mais "esotéricas".
Especialistas no assunto não sabem por que ele ocorre, mas estudos mostram que, quando a sensação de familiaridade com situações, lugares ou pessoas desconhecidas é frequente e intensa, ela pode ser um dos sintomas da epilepsia na área do cérebro responsável pela memória.
É nessa região, a do lobo temporal, que ficam estruturas como o hipocampo e a amígdala, que codificam e dão a conotação emocional às informações que recebemos, diz o neurologista Wagner Teixeira, coordenador do Programa de Cirurgia de Epilepsia do Hospital de Base, em Brasília, e presidente da Liga Brasileira de Epilepsia.
Teixeira conta que testes com estímulos elétricos (pequenos choques) na região do lobo temporal de pacientes com esse tipo de epilepsia já conseguiram reproduzir o déjà vu, o que confirma a ligação entre a doença e o fenômeno.
Segundo o neurocientista Gilberto Xavier, do Laboratório de Neurociências e Comportamento da USP (Universidade de São Paulo), os pacientes relatam que o déjà vu faz parte de um conjunto de sensações chamado aura, que funciona como uma antecipação das crises e convulsões. "Pelo fato de já ter tido alguns ataques, a pessoa reconhece os sinais que indicam as crises", diz Xavier.
Foi o que aconteceu com a professora de inglês Ana Paula Morier, 41. Há quatro anos, seus déjà vus foram ficando cada vez mais intensos e sempre ocorriam imediatamente antes de ela se sentir "fora do ar", devido às chamadas crises de ausência -um tipo de epilepsia em que as crises convulsivas são mais raras.
"A sensação era a de que eu já havia sonhado com aquilo. Depois, ficava uns 30 segundos ou até um minuto fora do ar.
Meu marido e minha mãe diziam que eu ficava parada, com o olhar fixo e a cabeça balançando para a frente e para trás. Depois não me lembrava de nada", conta Ana Paula, que teve crises na sala de aula.
Fenômeno mundial
Segundo o psicólogo Alan Brown, professor da Universidade Southern Methodist, nos Estados Unidos, e autor do livro "The Déjà Vu Experience" (a experiência do déjà vu), dois terços da população mundial relatam ter tido ao menos um déjà vu na vida.
Isso não significa, no entanto, que todo esse contingente apresente epilepsia. De acordo com o neurologista Li Li Min, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), de 1% a 2% da população mundial sofrem de algum tipo de epilepsia.
Ela se divide entre as focais -que começam em determinado setor do crânio- e as generalizadas -que atingem os dois hemisférios do cérebro.
Min diz que a epilepsia do lobo temporal se enquadra no primeiro grupo da doença (e, geralmente, no lado direito do cérebro, o que não domina processos de linguagem) e corresponde a 80% do total das epilepsias focais.
Ele, no entanto, faz a ressalva: o déjà vu também pode ser mera desatenção ou uma alteração pontual do metabolismo.
Ana Paula Morier buscou tratamento no ano passado, depois de quase provocar um acidente de carro. Ela acabara de dar a partida e estava em velocidade baixa quando veio o déjà vu e logo depois a crise de ausência.
Ana Paula não se machucou, já que o marido, do banco ao lado, assumiu o volante e desviou do poste.
Três médicos e alguns diagnósticos equivocados mais tarde, ela fez um eletroencefalograma (exame que mapeia a atividade elétrica do cérebro), que acusou baixa atividade no lobo temporal.
Imprecisão
Os especialistas ainda não sabem como exatamente ocorre a sensação do déjà vu em pessoas não epilépticas.
Para a que ocorre em pessoas com a doença, no entanto, existem algumas hipóteses, como a batizada pelo psicólogo Alan Brown de "duplo processamento".
A analogia a que se recorre nessa hipótese é a do funcionamento da fita cassete com duas cabeças, uma responsável pelo registro e a outra, pela reprodução. O mesmo se daria com a memória.
O déjà vu ocorreria quando o cérebro começasse a reproduzir uma informação recém-registrada, o que apareceria como uma memória.
Gilberto Xavier explica: "O sistema nervoso está constantemente comparando a memória às expectativas do que deve acontecer no ambiente. Se a pessoa tem focos epilépticos, é como se houvesse uma má sincronia entre a decodificação dessas informações".
Fonte: Folha Online
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