Em setembro de 1909, Frederick A. Cook e Robert E. Peary retornaram do Ártico, cada um com uma história sobre ter conquistado o Pólo Norte.
Nenhum deles forneceu qualquer prova sólida ou testemunha de prova, ambos contaram histórias com grandes lacunas.
Eles não conseguiram sequer explicar convincentemente como planejaram suas rotas através do gelo polar.
Apesar disso, cada explorador atraiu uma leva de apoiadores e nenhuma prova de contradição nos anos seguintes foi o bastante para dissuadir essas pessoas de sua crença.
Um século mais tarde, a "descoberta" do Pólo Norte pode ser considerada a fraude mais produtiva da ciência moderna, assim como o mais longo estudo de caso de um fenômeno psicológico chamado "raciocínio motivado".
Os crédulos que escrevem livros e montam expedições em reconhecimento a Cook ou Peary se assemelham a partidários políticos recentemente estudados por psicólogos e sociólogos.
Quando os fatos interferem em nossas crenças, admiravelmente, nossos cérebros preferem dispensar os fatos.
Os primeiros a acreditar em Cook e Peary tinham motivações óbvias: furos de reportagem e aumento de circulação.
Quando Cook contou sua aventura ao jornal The New York Herald, este dedicou sua primeira página inteira à notícia: "Combatendo a fome e o gelo, o corajoso explorador alcança seu grande objetivo".
Dias depois, Peary informou sua conquista ao jornal The New York Times, que ajudou a patrocinar a expedição.
O Times saudou seu triunfo, anunciou que "o mundo aceita sua palavra sem sombra de hesitação" e citou Peary denunciando Cook como uma fraude que "simplesmente entregou ao público um ouro de tolos".
Cada explorador prometeu fornecer provas, mas nenhum deles havia levado um navegador treinado para corroborar o feito com observações celestes independentes. Cook não era sequer competente para realizar tais observações.
Peary era um navegador experiente e havia viajado com companheiros que sabiam usar um sextante, mas ele os deixou para trás no esforço da última semana. Então, sem outro navegador treinado presente, seu ritmo diário de progresso de repente dobrou.
O mais surpreendente foi que sua expedição viajou por centenas de quilômetros através do gelo sem realizar nenhuma observação celeste para determinar sua longitude, uma forma de garantir que não haja desvio de curso para leste ou oeste.
Então, depois de cinco semanas, Peary fez uma observação e se recusou a revelar os resultados para seus companheiros.
Segundo relatos, ele parecia desapontado e deixou em branco as páginas de seu diário naquele dia. Mais tarde, entretanto, ele disse ao resto do mundo que sua observação havia confirmado sua chegada ao pólo.
Como Peary chegou infalivelmente direto ao Pólo Norte atravessando banquisas confusas flutuando continuamente com as correntes de vento e oceânicas?
Como ele atravessou quase 800 km para chegar "de primeira ao pólo", nas palavras do historiador Dennis Rawlins?
Em 1909, tais questionamentos não incomodavam o Times, a National Geographic Society ou outros apoiadores de Peary.
Eles estavam tão ocupados depreciando a alegação de Cook - "a impostura mais chocante desde que a raça humana chegou à Terra", de acordo com o New York Times - que faziam vista grossa para as falhas de seu próprio herói.
Isso na verdade não é nenhuma surpresa, pelo menos não para pesquisadores que estudaram partidários democratas e republicanos usando varreduras cerebrais e outras técnicas.
Quando contemplamos contradições na retórica do candidato do partido de oposição, os centros racionais de nossos cérebros se ativam, mas as contradições do candidato de nosso partido disparam uma reação diferente: os centros emocionais são acionados e crescem os níveis de dopamina, hormônio responsável pelo bem-estar.
Com nossas faculdades racionais silenciadas, às vezes, evidências indesejadas não chegam a ser registradas, ou usamos uma lógica admirável para contornar os fatos.
Em um estudo, republicanos que culpavam Saddam Hussein pelos ataques de 11 de setembro de 2001 foram apresentados a fortes provas contrárias, inclusive um pronunciamento do presidente George W. Bush absolvendo Hussein.
No entanto, a maioria continuou a culpar Saddam, como relatam os pesquisadores na atual edição da revista Sociological Inquiry.
Alguns ignoraram ou rejeitaram as evidências contrárias, outros contra-argumentaram que Saddam era maligno o suficiente para tal feito e houve aqueles que disseram categoricamente que tinham o direito de manter opiniões contrafactuais.
Mas alguns inventaram uma forma especialmente criativa de raciocínio motivado, classificada pelos psicólogos como "justificativa inferida": já que os Estados Unidos estão em guerra contra Saddam, então deve ser por causa de seus ataques de 11 de setembro.
Esse é o tipo de lógica retroativa empregado pelos apoiadores de Peary em décadas recentes. Já que acadêmicos e exploradores com muito mais experiência no Ártico do que Peary rejeitam sua alegação, os apoiadores tentam produzir as provas e explicações faltantes: se Peary disse que conseguiu chegar ao pólo, deve haver alguma forma de fazê-lo.
Eles bolaram formas pelas quais ele poderia ter navegado com precisão rumo ao nortepadrões eólicos na neve, olhando para o sol ou observando sombras.
Eles sugerem que Peary navegou com uma bússola, apesar de seu uso ser notoriamente difícil próximo ao pólo magnético. Eles tentaram reproduzir a velocidade do explorador próximo ao pólo, mas falharam mesmo orientados por GPS.
Eles analisaram fotografias de Peary para concluir que as sombras são a prova tão procurada de que ele estava no pólo, de acordo com um relatório de 1989 para a National Geographic Society. A sociedade considerou o relatório "incontestável" e hoje se baseia nele e na declaração de Peary para defender sua causa.
O relatório, porém, foi criticado por especialistas externos, que concluíram que as fotos podem ter sido tiradas a mais de 160 km do pólo.
Outra afirmação do relatório, que a navegação precisa de Peary seria plausível já que Roald Amundsen havia chegado ao Pólo Sul de maneira similar, foi diretamente questionada por provas de que Amundsen havia dependido de observações regulares para determinar sua longitude.
Atualmente, o consenso de especialistas polares é de que Peary chegou muito mais perto do que Cook, mas não alcançou o pólo.
Alguns sugerem que Peary desistiu no dia em que fez sua observação solitária porque percebeu o quanto estava fora do curso, outros suspeitam que ele havia decidido evitar observações de longitude para não deixar um registro de sua rota. (Para saber mais sobre o eterno debate - e sobre quem realmente chegou ao pólo primeiro - visite nytimes.com/tierneylab.)
Rawlins e outro eminente estudioso polar, Robert M. Bryce, duvidam que Peary tenha superado a marca dos 160 km de distância do pólo.
Bryce, que descobriu recentemente o esboço do telegrama de Cook que iniciou a controvérsia, calcula que ele tenha parado a mais de 640 km do seu destino.
Bryce escreveu "Cook & Peary" (1997), um livro de 1,1 mil páginas com o subtítulo "a controvérsia polar resolvida", mas sabe que ela não está resolvida para todos.
Embora alguns adeptos tenham perdido a fé (O New York Times redigiu uma correção formal em 1988 citando os registros "inconfiáveis" e as velocidades "incríveis" de Peary), ambos os exploradores ainda encontram apoio na Frederick A. Cook Society, na National Geographic Society e em outros lugares.
Rawlins, que é editor do Dio, um periódico sobre história da ciência, afirma que não pode imaginar outra fraude científica moderna que tenha sido mais lucrativa e popular e que tenha resistido um século.
O único exemplo mais longo que vem à mente, diz ele, são as "observações" astronômicas do século II de Ptolomeu, que foram aparentemente derivadas de suas teorias, não dos céus.
As tabelas de Ptolomeu foram usadas por mais de 14 séculos, o que parece ser um recorde bem difícil de bater. Mas com suficiente raciocínio motivado, quem sabe?
Em 1909, após os adeptos de Cook ignorarem as evidências de fraude reveladas pelos próprios companheiros de viagem do explorador, a revista Independent previu exaustivamente: "Haverá uma 'celebração a Cook' no final das contas, independente da força das provas contra ele no futuro". Um século depois, ainda existe uma celebração a Peary.
Fonte: Terra
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