Ilusões podem ajudar a compreender funcionamento do cérebro

Carte Blanche, de René Magritte

Ilusões podem ser divertidas e interessantes. Mas, mais que isso, elas desempenham um importante papel no processo de entendimento do funcionamento do nosso cérebro - e, particularmente, no entendimento de como a nossa percepção do mundo funciona.

Richard Gregory, em artigo no site New Scientist, propõe uma rápida classificação das ilusões, clarificando seus princípios de funcionamento, analisando causas físicas, apontando eventuais distúrbios fisiológicos neurais e, finalmente, chegando aos processos cognitivos - o momento mágico em que o cérebro tenta fazer os sinais sensoriais fazerem sentido (embora nem sempre com sucesso).

Antes de os analisarmos, precisamos compreender a importante distinção entre a fisiologia e cognição do nosso cérebro. Podemos pensar na diferença entre "como uma máquina funciona" e "o que ela realiza".

Por exemplo: um abridor de latas, para ser compreendido, necessita de dois tipos de descrição: como ele, por meio de lâminas e manivelas, funciona e do que é constituído (ou seja, sua fisiologia) e o que ele, com esses utensílios, faz para abrir a lata (sua cognição).

Com o cérebro não é muito diferente. Mas, durante o processo da percepção, podem ocorrer falhas: são as ilusões. Essa tabela periódica das ilusões traz o seguintes elementos: cegueira, ambiguidade, instabilidade, distorção, ficção e paradoxo.

Cegueira

As cegueiras dizem muito sobre nossa percepção. A cegueira abarca tanto o aspecto fisiológico (a incapacidade de apreender luz, causada por doença ou acidente) como a "cegueira mental", conhecida como agnosia, que é quando luz, cor, movimento e formas são percebidos, muito embora o objeto percebido careça de significado.

Outro tipo de cegueira é a "cegueira da mudança", caso em que uma pessoa deixa de perceber grandes diferenças numa figura ou numa cena, mesmo quando uma pessoa ou um objeto é substituído.

É com esse tipo de ilusão que brinca o popular Jogo dos Sete Erros. Um exemplo pode ser encontrado no site www.artesorrindo.com/infantil/sete_erros.htm.

Ilusões de ambiguidade ocorrem quando fracassamos em distinguir propriamente dois objetos, seja por razão de baixa luminosidade ou pelo envelhecimento de nossos sentidos.

Uma luz limitada faz com que o cérebro visual necessite decidir se a atividade neural é causada pela presença de luz ou por "barulho" ou "falha neural". Tanto esse "barulho" quanto a luz flutuam aleatoriamente, de modo que, para ver algo de modo confiável, precisamos de mais fótons.

Há ambiguidades alternantes, como a figura do "coelho-pato" (disponível no site http://mathworld.wolfram.com/Rabbit-DuckIllusion.html). Nela, dependendo do momento, enxergamos um ou outro animal, mas nunca os dois simultaneamente.

Existem duas terorias sobre como elas funcionam. De acordo com a primeira, o cérebro se cansa de uma imagem e muda para outra.

Para a segunda, duas percepções disputam primazia sobre um mesmo objeto. Uma vez que a percepção muda quando "aquilo que está lá fora" muda, também essa alternância espontânea poderia indicar que o cérebro está mudando sua opinião à medida que ele pondera interpretações alternativas.

Instabilidade

Um dos mais famosos tipos da ilusão de instabilidade é criado a partir do uso repetido de padrões, algo típico da pop art dos anos 60, que faz com que a figura pareça "se mover".

Mais uma vez, as causas são controversas. Uma interpretação é que esses padrões, quando repetidos, estimulam região cerebrais da área V5 produzir sensações de movimento.

Outra é que há um movimento na retina, resultado de um tremor no olho e das nossas lentes oculares tentando focar a imagem, o que pode estimular "sistemas de movimento" - especialmente de linhas repetidas e de grande contraste.

Um exmplo deste tipo de efeito é encontrado no site http://www.zazzle.com/boxer_pop_art_poster-228564534469062340.

Distorção

Ilusões de distorção são certamente as mais controversas, uma vez que elas se referem, sobretudo, à distinção entre ilusões criadas pela recepção de sinais neurais (onde as coisas podem dar errado fisiologicamente) e às ilusões criadas a partir da leitura desses sinais (onde as coisas errado cognitivamente).

Sobre as distorções, podemos mencionar os trabalhos de Ponzo e Müller-Lyer, nas quais geralmente vemos linhas e setas convergindo (por exemplo, as linhas de um trilho de trem: www.sandlotscience.com/Distortions/Ponzo_Illusion.htm).

Elas podem ser compreendidas como meras imagens bidimensionais, mas também como representações de cenas tridimensionais.

Mas nós sabemos que aquilo que vemos é muito diferente das imagens de nossas retinas, pois as percepções são imagens projetadas, tal como mapas.

Então o que é que determina a escala de projeção na percepção de tamanhos e formas de objetos?

Ou: quando e como decidimos o modo pelo qual nossos olhos e nosso cérebro vão perceber o mundo? Podemos pressupor que mudanças perceptivas (como as distorções) devem ocorrer no cérebro, e não no olho - e que, consequentemente, não há mudança na imagem, mas somente uma falha interna.

Ficção

Ilusões do tipo de ficção não são necessariamente falsas - não mais, por exemplo, que romances o são. Ficções são criadas pela atividade criativa do cérebro visual, geralmente guiado pelo conhecimento do passado e geralmente prevendo (ou tentando prever) o futuro imediato. Nesse sentido, há princípios estatístico-probabilísticos, conhecidos como a inferência bayesiana.

Um tipo de ficção diz respeito ao ponto cego da retina, onde se localiza o nervo ótico. Uma das mais fantásticas ilusões é que nós não enxergamos essa região como uma região preta no nosso campo visual. O cérebro geralmente "completa a imagem", acrescentando cores e padrões.

A ficção, bem como muitas das outras questões relativas à nossa percepção, é um dos fenômenos estudados pelos teóricos da Gestalt.

Paradoxo

A última categoria da ilusão, a do paradoxo, pode ser exemplificada em artistas, como o holandes M. C. Escher ou o frances René Magritte.

Ilusões do tipo paradoxal tentam (e, de um certo ponto de vista, o conseguem!) transformar o improvável ou mesmo o impossível em algo realizável.

Por exemplo, uma pessoa nadando no oceano Atlântico é algo improvável, mas permitido segundo as leis do mundo e da linguagem. Já uma "pessoa loira e morena" é algo impossível, não permitido pelas nossas regras, um paradoxo lógico.

Em Carte Blanche, de Magritte, vê-se um cavalo impossível - nós sabemos que ele não poderia ser cavalgado ou nem mesmo estar vivo.

Na torre de Escher, encontramos uma escada fechada em si mesma, mas que sempre conduz os andantes para cima (ou para baixo). Por quê?

Enquanto o "provável" é, por definição, o que tem mais chances de ocorrer, coisas improváveis de fato ocorrem e temos de prestar muito atenção nelas.

Mas... e o cavalo de Magritte? E a torre de Escher? Bem, talvez percepções sejam somente hipóteses, dependendo tanto de regras, que podem entrar em conflito, ou em pressuposições, as quais podem muito bem estar erradas.

Fonte: Terra