Uma boa notícia neste início de ano no Brasil: a criança com agulhas no corpo passa bem. Vitima de um ritual de magia negra, esse menino de 2 anos, que teve o corpo perfurado por 32 agulhas de costura, poderá um dia agradecer aos cirurgiões do hospital Ana Nery de Salvador, na Bahia, que o salvaram.
O caso que chocou o país veio à tona dez dias antes do Natal. A criança vomitava e se queixava de fortes dores no estômago.
Sua mãe, Maria Santa Souza, uma empregada doméstica de 38 anos, o levou ao hospital de Ibotirama, a cerca de 600 km de Salvador.
Um exame de raio-X revelou a horrível evidência: o corpo da criança estava cheio de agulhas, sendo que algumas chegavam a 5 cm. Estavam alojadas em seu pescoço, seu peito, seu estômago, seu fígado e suas pernas.
Protegido pelo anonimato em razão de sua pouca idade, o menino foi transferido para Salvador, onde ultrassonografias e tomografias confirmaram a gravidade de seu estado. Antibióticos continham sua febre, decorrente de uma infecção provocada pela oxidação de algumas das agulhas.
Era preciso fazer uma operação de emergência. Durante a intervenção, que durou cinco horas, os médicos extraíram as quatro agulhas mais perigosas, próximas do coração e do pulmão.
Outras dezoito seriam retiradas em duas outras cirurgias. As que ficaram não ameaçam a vida da criança, e poderão ser extraídas mais tarde.
A mãe logo desconfiou de seu marido, Roberto Carlos Magalhães. Esse pedreiro de 30 anos viveu um ano com ela e seus seis filhos, antes de casarem seis meses atrás. Ela se lembrou que ele parecia nervoso na presença do menino, nas últimas semanas.
Ele tinha por amante uma vizinha, Angelina Ribeiro dos Santos, de 47 anos. Foi ela que o convenceu a recorrer ao ritual macabro, por ciúmes da esposa e para garantir a estabilidade de seu relacionamento, disse ela.
Ela solicitou e pagou pelos serviços de Maria dos Anjos do Nascimento, 56, uma "mãe-de-santo", sacerdotisa do candomblé, o mais antigo culto afro-brasileiro.
O padrasto falou sobre seu crime aos policiais e em uma entrevista à rede Globo de televisão. Antes de cada "cerimônia", duas ou três vezes por semana durante um mês, ele embebedava a criança com vinho misturado a um pouco de água, para que ela não chorasse.
Depois ele introduzia as agulhas "benzidas" com a ajuda da mãe-de-santo e de sua amante, seguindo as instruções desta última, em estado de transe.
"Comecei pelas pernas, antes de passar para o resto do corpo", ele explicou. "Pensava que as agulhas acabariam matando a criança.
Eu queria matá-lo sem que ninguém percebesse". Ele admitiu que foi "uma ideia maluca". Os três autores das torturas estão em prisão preventiva em Salvador, aguardando para responder à Justiça por tentativa de homicídio.
O martírio da criança suscitou um movimento de compaixão por ela e de fúria contra seus torturadores. Centenas de pessoas entraram em contato com o hospital, outras foram até lá para levar presentes de Natal.
Uma multidão jogou pedras contra o prédio da delegacia, onde os três cúmplices estavam presos, obrigando a polícia a transferi-los.
Esse caso não é o primeiro do gênero. Há indícios de pelo menos cinco outros semelhantes desde 1993.
Mas nenhum outro teve um caráter tão impressionante quanto esse. E desta vez as circunstâncias do ritual, claramente identificadas, podem alimentar os preconceitos contra os antigos cultos africanos trazidos ao Brasil pelos escravos.
Os representantes dessas comunidades religiosas, adeptos do candomblé ou da umbanda, ressaltam que os suplícios da criança foram fruto da ignorância e da ganância.
A magia negra, relembram os etnólogos, subsiste no mundo inteiro. Colocar agulhas no corpo de uma criança lembra tanto a antiga feitiçaria da Europa quanto as práticas do sincretismo afro-brasileiro.
No entanto, esse caso surge em um período em que as Igrejas neopentecostais, que prosperam no Brasil, estão demonizando os cultos de origem africana para recuperar seus adeptos.
Essa concorrência religiosa, que já tem 25 anos, se acirrou após a publicação de um best-seller do "bispo" Edir Macedo, líder da mais poderosa Igreja evangélica, onde este se perguntava se os "orixás", entidades espirituais afro-brasileiras, eram "deuses" ou "demônios".
A crescente intolerância em relação aos cultos vindos da África, hoje na defensiva, não se limita ao Nordeste.
Nas favelas do Rio, os traficantes de drogas deixaram proliferar minúsculas Igrejas independentes dos quais são devotos, obrigando os discípulos dos ritos afro-brasileiros a praticarem sua religião de forma clandestina.
Nessas comunidades urbanas entregues à própria sorte, as novas Igrejas prometem a seus seguidores uma vida melhor aqui embaixo.
Elas dão esperança de um acesso rápido a um status social mais gratificante. O candomblé e a umbanda, estranhos a qualquer proselitismo, têm uma mensagem mais espiritual, onde o acesso à "santidade" é merecido no final de um longo percurso de iniciação. Nesses tempos de pressa, os evangélicos andam de vento em popa.
O caso que chocou o país veio à tona dez dias antes do Natal. A criança vomitava e se queixava de fortes dores no estômago.
Sua mãe, Maria Santa Souza, uma empregada doméstica de 38 anos, o levou ao hospital de Ibotirama, a cerca de 600 km de Salvador.
Um exame de raio-X revelou a horrível evidência: o corpo da criança estava cheio de agulhas, sendo que algumas chegavam a 5 cm. Estavam alojadas em seu pescoço, seu peito, seu estômago, seu fígado e suas pernas.
Protegido pelo anonimato em razão de sua pouca idade, o menino foi transferido para Salvador, onde ultrassonografias e tomografias confirmaram a gravidade de seu estado. Antibióticos continham sua febre, decorrente de uma infecção provocada pela oxidação de algumas das agulhas.
Era preciso fazer uma operação de emergência. Durante a intervenção, que durou cinco horas, os médicos extraíram as quatro agulhas mais perigosas, próximas do coração e do pulmão.
Outras dezoito seriam retiradas em duas outras cirurgias. As que ficaram não ameaçam a vida da criança, e poderão ser extraídas mais tarde.
A mãe logo desconfiou de seu marido, Roberto Carlos Magalhães. Esse pedreiro de 30 anos viveu um ano com ela e seus seis filhos, antes de casarem seis meses atrás. Ela se lembrou que ele parecia nervoso na presença do menino, nas últimas semanas.
Ele tinha por amante uma vizinha, Angelina Ribeiro dos Santos, de 47 anos. Foi ela que o convenceu a recorrer ao ritual macabro, por ciúmes da esposa e para garantir a estabilidade de seu relacionamento, disse ela.
Ela solicitou e pagou pelos serviços de Maria dos Anjos do Nascimento, 56, uma "mãe-de-santo", sacerdotisa do candomblé, o mais antigo culto afro-brasileiro.
O padrasto falou sobre seu crime aos policiais e em uma entrevista à rede Globo de televisão. Antes de cada "cerimônia", duas ou três vezes por semana durante um mês, ele embebedava a criança com vinho misturado a um pouco de água, para que ela não chorasse.
Depois ele introduzia as agulhas "benzidas" com a ajuda da mãe-de-santo e de sua amante, seguindo as instruções desta última, em estado de transe.
"Comecei pelas pernas, antes de passar para o resto do corpo", ele explicou. "Pensava que as agulhas acabariam matando a criança.
Eu queria matá-lo sem que ninguém percebesse". Ele admitiu que foi "uma ideia maluca". Os três autores das torturas estão em prisão preventiva em Salvador, aguardando para responder à Justiça por tentativa de homicídio.
O martírio da criança suscitou um movimento de compaixão por ela e de fúria contra seus torturadores. Centenas de pessoas entraram em contato com o hospital, outras foram até lá para levar presentes de Natal.
Uma multidão jogou pedras contra o prédio da delegacia, onde os três cúmplices estavam presos, obrigando a polícia a transferi-los.
Esse caso não é o primeiro do gênero. Há indícios de pelo menos cinco outros semelhantes desde 1993.
Mas nenhum outro teve um caráter tão impressionante quanto esse. E desta vez as circunstâncias do ritual, claramente identificadas, podem alimentar os preconceitos contra os antigos cultos africanos trazidos ao Brasil pelos escravos.
Os representantes dessas comunidades religiosas, adeptos do candomblé ou da umbanda, ressaltam que os suplícios da criança foram fruto da ignorância e da ganância.
A magia negra, relembram os etnólogos, subsiste no mundo inteiro. Colocar agulhas no corpo de uma criança lembra tanto a antiga feitiçaria da Europa quanto as práticas do sincretismo afro-brasileiro.
No entanto, esse caso surge em um período em que as Igrejas neopentecostais, que prosperam no Brasil, estão demonizando os cultos de origem africana para recuperar seus adeptos.
Essa concorrência religiosa, que já tem 25 anos, se acirrou após a publicação de um best-seller do "bispo" Edir Macedo, líder da mais poderosa Igreja evangélica, onde este se perguntava se os "orixás", entidades espirituais afro-brasileiras, eram "deuses" ou "demônios".
A crescente intolerância em relação aos cultos vindos da África, hoje na defensiva, não se limita ao Nordeste.
Nas favelas do Rio, os traficantes de drogas deixaram proliferar minúsculas Igrejas independentes dos quais são devotos, obrigando os discípulos dos ritos afro-brasileiros a praticarem sua religião de forma clandestina.
Nessas comunidades urbanas entregues à própria sorte, as novas Igrejas prometem a seus seguidores uma vida melhor aqui embaixo.
Elas dão esperança de um acesso rápido a um status social mais gratificante. O candomblé e a umbanda, estranhos a qualquer proselitismo, têm uma mensagem mais espiritual, onde o acesso à "santidade" é merecido no final de um longo percurso de iniciação. Nesses tempos de pressa, os evangélicos andam de vento em popa.
Fonte: Le Monde/ UOL
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