terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Gigante subterrânea

Abismo de 18 metros na entrada da caverna do Trapiá, no Rio Grande do Norte. Com 2.330 metros de comprimento, trata-se da maior caverna do Brasil formada em rochas do período Cretáceo (foto: Leda Zogbi).


Espeleólogos mapeiam a caverna do Trapiá e descobrem que ela é a maior do Rio Grande do Norte. A gruta abriga tesouros naturais, como fósseis e formações rochosas raras na região.


Imagine-se em um lugar escuro, quente e de difícil locomoção, carregando 10 quilos de equipamento de exploração.

Foi nessas condições que uma equipe de espeleólogos do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), descobriu que a caverna do Trapiá, no município de Felipe Guerra, no interior do Rio Grande do Norte, é a maior do estado, com 2.330 metros de comprimento (ou “desenvolvimento linear”, no jargão dos espeleólogos).

A gruta foi encontrada em 2003 por meio de um trabalho de prospecção iniciado após uma análise de imagens de satélite que revelavam as áreas com maior probabilidade de existência de cavernas.

Algumas expedições preliminares foram realizadas em 2006 e 2007, mas devido às constantes inundações na região, somente no final do ano passado a equipe de espeleólogos iniciou o mapeamento em parceria com o Meandros Espeleo Clube.


Foram encontradas na caverna amostras de flores de gipsita, uma formação rochosa nunca antes encontrada no Rio Grande do Norte. (Foto: Diego Bento)


Por enquanto, o trabalho de topografia revelou que a caverna é a maior do Brasil formada em rochas do período Cretáceo – que vai de 144 a 65 milhões de anos atrás.

“A caverna do Trapiá se destaca entre as demais do Rio Grande do Norte e levanta a possibilidade de novas descobertas na região”, diz o analista ambiental Diego de Medeiros Bento, integrante da equipe de exploração e coordenador do Cecav no Rio Grande do Norte.

Segundo ele, a gruta difere do padrão das cavernas da região que em média não passam de 500 metros.

A medição da caverna ainda não terminou e já se sabe que ela é mais de três vezes maior que a gruta Furna Feia, do município de Baraúna, antes considerada a maior do estado.

Bento acredita que ela seja ainda maior do que já foi medido. ”O final da caverna fica a 300 metros do rio Apodi-Mossoró e há indícios de que há ligação entre a caverna e o rio”, afirma o pesquisador.

As explorações demonstraram também que Trapiá abriga formações rochosas incomuns na região, como helictites (formações de superfície irregular, com protuberâncias que crescem para cima), velas (formações que crescem a partir do chão em direção ao teto) e o primeiro registro de flores de gipsita (conjunto de cristais estriados e retorcidos) no Rio Grande do Norte.



Pesquisas geológicas



Como a caverna fica inundada a maior parte do tempo, as pesquisas geológicas de seu interior só terão início após o período das chuvas.

Bento acredita que em agosto já será possível fazer a medição da idade das formações rochosas. Essa informação permite aos pesquisadores chegar a um histórico do clima da região.

“Dados de outras cavernas permitem ver a mudança do clima da região ao longo dos últimos 20 mil anos”, conta Diego Bento. “Sabemos que o clima que hoje é seco, semiárido, já foi muito mais úmido.”

Ainda não se sabe se há espécies desconhecidas pela ciência na caverna do Trapiá – descobertas desse tipo são comuns em cavernas inabitadas.


Espeleotema (formação rochosa de caverna) em formato de sol (Foto: Daniel Menin)


Por se tratar de uma gruta constantemente inundada, Bento acredita que as expedições não vão encontrar grande variedade de animais terrestres. “Ainda não há levantamento da fauna, mas pelo que vimos até agora não há nada de especial”.

A entrada da caverna é um abismo de 18 metros de altura, só acessível por rapel, por onde escorrem as águas das chuvas no período de enxurradas.

O pesquisador explica que isso faz com que ossos de animais que morrem fora da caverna sejam levados para dentro. Somado à umidade da gruta, esse fato propiciou a formação de fósseis ao longo dos séculos.

“Encontramos alguns ossos, aparentemente da megafauna pleistocênica (de 1,75 milhões de anos a 10.000 anos atrás), que ainda vão ser estudados”, conta Bento.

A dificuldade de acesso à caverna, situada em uma zona rural pouco povoada, é um dos fatores que faz com que ela se mantenha preservada.


Fóssil na Caverna do Trapiá, provavelmente da megafauna do período Plestocênico (1.75 milhões de anos a 10.000 anos atrás). (Foto: Walter Cortez)


A exploração da caverna é sinônimo de trabalho duro. Bento explica que, na primeira expedição topográfica, o grupo se dividiu em duas equipes.

Mapearam aproximadamente 350 metros ao sul, até chegar a um bloqueio de rochas, e 290 metros na parte norte, onde foram impedidos de continuar por falta de oxigênio.

Chuvas, uma colmeia de abelha bloqueando a entrada da gruta e o calor estão entre os outros obstáculos que o grupo enfrentou na série de excursões de mapeamento.

Bento conta que cada expedição leva em média seis horas dentro da caverna, a uma temperatura que chega a 34ºC. “O calor é o maior desafio”, avalia ele.

“A sensação térmica é de 40ºC, porque lá dentro é muito úmido. É preciso ter um preparo físico e psicológico bem elevado.”


Fonte: Ciência Hoje Online

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