sábado, 9 de abril de 2011

Em matéria de assombração, o ferroviário Manoel Seixas se mostra perito

Manoel Rodrigues Seixas


Entre os causos, os destaques ficam por conta dos trens fantasmas.

A Quaresma não só abre o apetite pelo bacalhau, propõe a reflexão sobre religiosidade ou abriga os ensaios das encenações da Paixão de Cristo.

Mais do que isso: traz à tona histórias de assombrações. Que o diga seo Manoel Rodrigues Seixas, que foi chefe de estação da antiga ferroviária Mogiana, em Jaguariúna.

Basta instigá-lo sobre o assunto para uma enxurrada de histórias de trens fantasmas ou de espíritos sombrios chegarem aos ouvidos de quem o escuta.

Segundo seo Manoel, as histórias recorrentes eram duas: a do trem fantasma, que passava iluminado pelos trilhos da estação, e a do vigia fantasma com sinaleiro que acompanhava os assustados funcionários “Os rondas, como chamávamos, levavam as mulheres, os filhos e até os cachorros vira-latas para acompanhá-los durante a vigia”.

E não para por aí: preocupados e assustados, os antigos funcionários até pagavam para outros realizarem a labuta aterrorizante. Eu nunca vi nada, mas acreditava nas histórias”, explica o ex-funcionário.

A esposa dele, dona Florinda, não fica para trás. Afinal, tem na ponta da língua causos de antigamente.

Os dela, em especial, remetem ao período que morava no campo. “Uma vez, os cavalos apareceram com tranças nas crinas. Todos diziam que havia sido o saci-pererê”, lembra. Aos 79 anos (“vou fazer 80 anos, 57 de casada no domingo de Páscoa”) ela explica que todos acreditavam nas histórias.

Ainda mais, quando se tratava da Quaresma. “Quando dava 18h, corria para casa e fechava todas as portas e janelas. Morria de medo”.

Nem todas as histórias são infundadas, gosta de deixar claro Seixas. Certa vez, por exemplo, chegou na estação um caixão fechado sem identificação.

Os funcionários temerosos decidiram acender velas em volta do falecido. A ação, no entanto, causou pânico entre os outros ferroviários que chegavam ao local, sem saber do ocorrido.

“Um condutor do trem que chegou na ferrovia ficou com os cabelos arrepiados quando viu o estranho velório”, conta Seixas.

As memórias são muitas e o maço de folhas escritas à mão à frente de Seixas, guardados com esmero, relembram momentos passados nas décadas vividas na cidade.

Mas não só as folhas avulsas de caderno guardam as lembranças de seo Manoel. Autor de dois livros “O Herói Ferroviário” e “Crônicas de um Ferroviário”, ele não deixa de documentar as memórias sobre o antigo trabalho. “Eu estou sempre rabiscando coisas. Vou lembrando e vou escrevendo”.

E se a história de Manoel entrelaça a da companhia ferroviária, a história da companhia entrelaça a do surgimento de Jaguariúna, já que estava instalada no local antes mesmo da cidade existir. “Muitos dos habitantes locais trabalharam na Mogiana e suas famílias se tornaram tradicionais na cidade”.



O antigo cemitério da cidade também serve de pano de fundo para as histórias assombrosas. “Uma certa noite, há muitos anos, um grupo de músicos de serenata passava em frente ao cemitério, vindo de um baile. Foi quando um deles teve uma ideia: porque não tocar uma música para o cemitério, ao que todos concordaram.



Antes mesmo de terminarem a canção, ouviram palmas vindas de dentro do cemitério. Saíram em disparada tão desesperados que deixaram todos os instrumentos lá”.

No fim? Era somente um bêbado que havia escolhido o cemitério como dormitório e aprovou a cantoria, conta Seixas.

Mas com o tempo as histórias foram se acabando. Talvez por causa da chegada da luz elétrica e da televisão, sugere o ex-ferroviário.

“Hoje, as pessoas não temem mais gente morta. Gente viva é quem provoca o medo nas pessoas”. Ao final, o que fica são as lembranças e as memórias de seu Manoel. E melhor: o jeito dele em contá-las.


Fonte: EPTV

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...