O software usa, pela primeira vez, elementos de inteligência artificial para analisar o estilo e a escolha de palavras de forma a determinar as partes do texto escritas por diferentes vozes narrativas.
Embora tenha variadas aplicações potenciais, o Livro Sagrado acabou tornando-se um tentador caso de teste para os criadores do programa.
Para milhões de judeus e cristãos, a crença de que Deus é o autor dos textos no núcleo do Antigo Testamento - conhecidos como a Bíblia Judaica, Torá, Pentateuco ou os Cinco Livros de Moisés - está na base de sua fé.
Mas desde o advento dos modernos estudos bíblicos, os acadêmicos acreditam que eles foram escritos por vários autores diferentes que podem ser distinguidos pelas suas inclinações ideológicas, estilos linguísticos e nomes que usam para se referirem a Deus.
Atualmente, os estudiosos dividem esses textos em duas vertentes principais. Uma parte teria sido escrita por um indivíduo ou grupo conhecido como autor "sacerdotal", por causa de sua aparente ligação com o Templo de Jerusalém.
Já a outra é classificada simplesmente como "não-sacerdotal" e há décadas os acadêmicos buscam separar que partes pertencem a que vertente.
Quando o programa de computador analisou o Pentateuco, ele encontrou a mesma separação, concordando com a divisão acadêmica tradicional em 90% dos casos, isto é, recriando em poucos minutos os trabalho de séculos de diversos estudiosos, afirma Moshe Koppel, professor de ciências da computação da Universidade de Bar Ilan que liderou o grupo de pesquisadores.
"Desde então, fomos capazes de recapitular vários séculos de um difícil trabalho manual com nosso método automático", informou a equipe em um artigo apresentado na semana passada durante a conferência anual da Associação de Linguística Computacional em Portland, nos EUA.
As passagens em que o programa discorda da interpretação acadêmica tradicional podem indicar pistas interessantes para os estudiosos da Bíblia.
O primeiro capítulo do livro Gênesis, por exemplo, é atribuído a um autor "sacerdotal", mas o software indicou que não.
Da mesma forma, o livro de Isaías geralmente é visto como tendo sido escrito por dois autores distintos, com o segundo assumindo a partir do capítulo 39.
O programa concordou que o texto pode ter dois autores, mas sugeriu que o segundo começou a trabalhar seis capítulos antes, no 33.
As diferenças "têm o potencial de gerar discussões frutíferas entre os estudiosos", reconheceu Michael Segal , do Departamento de Bíblia da Universidade Hebraica e que não está envolvido no projeto.
Na última década, programas de computador têm sido usados pelos estudiosos da Bíblia na busca e comparação dos textos, mas o novo software parece ter a habilidade de pegar os critérios desenvolvidos por eles e aplicá-los por meio de uma ferramenta tecnológica mais poderosa que a mente humana, disse Segal.
Antes de aplicar o programa no Pentateuco e outros livros da Bíblia, os pesquisadores primeiro tiveram que montar um teste objetivo que demonstrasse que o algoritmo criado por eles poderia distinguir corretamente um autor de outro.
Para isso, eles misturaram passagens dos livros de Ezequiel e Jeremias em um único texto. O software separou o texto embaralhado em suas partes componentes "quase perfeitamente", anunciou a equipe.
O programa reconhece escolhas de palavras repetidas, como os usos dos equivalentes hebraicos de "se", "e" e "mas", e também percebe sinônimos.
Em alguns trechos, por exemplo, a Bíblia usa a palavra "makel" para se referir a um cajado, enquanto em outros é usado o termo "mateh" para o mesmo objeto.
O software então separa o texto em vertentes que acredita terem sido o trabalho de pessoas diferentes.
O que o algoritmo não poderá responder, no entanto, é se a Bíblia é humana ou divina, admitem os pesquisadores.
Três dos quatro envolvidos no seu desenvolvimento, inclusive Koppel, são judeus devotos que de uma forma ou de outra creem que a Torá foi ditada a Moisés por um único autor: Deus.
Já para os acadêmicos, a existência de diferentes estilos na Bíblia indicam uma autoria humana. Para a equipe de pesquisadores israelenses, seu artigo não aborda "como e porquê essas distinções existem".
"Para aqueles que é uma questão de fé que o Pentateuco não é uma composição de múltiplos escritores, a distinção investigada aqui pode ser vista como uma multiplicidade de estilos", escreveram.
Em outras palavras, não há razão pela qual Deus não possa ter escrito o livro com vozes múltiplas.
- Nenhuma pesquisa será capaz de resolver essa questão - resumiu Koppel.
Fonte: O Globo Online
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