Autor de "A Invenção da Cultura", Roy Wagner conheceu, pela primeira vez, indígenas da América do Sul e participou de ritual.
Foi exatamente essa equivalência entre culturas que Roy Wagner vivenciou em sua primeira visita à Amazônia, na semana passada.
Em Manaus, Wagner realizou aula magna de abertura de ano letivo, participou de uma mesa redonda com graduandos e pós-graduandos indígenas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), visitou duas malocas de grupos indígenas que vivem na zona rural da capital amazonense e testemunhou o que ele chamou de “multiperspectivos”.
Autor da teoria sobre “a invenção e a noção da cultura”, que resultou no conceito de “antropologia reversa”, Wagner notabilizou-se pelos estudos que desenvolveu desde os anos 60 na Melanésia e na Nova Guiné (Oceania). Mas, somente agora, aos 73 anos, é que teve oportunidade de conhecer os povos nativos da América do Sul.
No sábado (06), último dia em Manaus, Roy Wagner conheceu e participou de um ritual dos índios tukano, tuyuka e dessana, em uma maloca localizada a quatro horas de Manaus em viagem de barco de recreio.
Na maloca, o indígena tuyuka Higino Tuyuka, que veio de São Gabriel da Cachoeira (a 851 quilômetros de Manaus), cidade onde 90% da população é indígena, apenas para participar das atividades e dialogar nos eventos com Roy Wagner, fez uma demonstração de um ritual de iniciação e apresentou ao antropólogo uma bebida típica chamada kahpí, de efeito alucinógeno e que é destinada apenas aos homens.
Perspectivas
“São muitas perspectivas se encontrando. Não considero um encontro de uma cultura nativa com um antropólogo, mas entre culturas compartilhando os mesmos espaços”, disse Wagner ao portal acrítica.com, ao final da experiência com os indígenas.
Esta foi a primeira vez que Wagner teve contato com os povos nativos da América do Sul, desde que começou seu trabalho como etnográfico e antropólogo.
Nas atividades desenvolvidas em Manaus, ele participou “uma conversa intercambiada sobre as cosmologias” e identificou semelhanças entre os ameríndios e os povos que estudou na Oceania.
A principal delas refere-se à relação entre o humano e os animais. “Na Austrália, os aborígenes têm uma relação, em sua cosmologia, com os corvos. Os animais são incorporados no mundo dos humanos. Aqui, vemos que os indígenas tem uma associação com os peixes. São os peixe-gente”, disse.
No seu diálogo com os indígenas brasileiros, Wagner, contudo, conta que encontrou uma característica específica: a preferência pelas “origens”. “Os povos daqui falam muito sobre o início, sobre a origem, a estrela Dalva, em contraste, por exemplo, com os povos aborígenes, que falam mais do poente, para a morte”, descreveu.
Intelectuais
Roy Wagner veio a Manaus numa articulação do Instituto Brasil Plural, que vincula a Universidade Federal do Amazonas e a Universidade Federal de Santa Catarina.
Sua vinda ao Amazonas não estava prevista inicialmente. Convidado pelos professores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Ufam, ele aceitou o convite para dialogar com os intelectuais indígenas – professores e estudantes.
A agenda do antropológo inclui palestras em Florianópolis (SC), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).
“Os intelectuais indígenas são aqueles que detêm as suas formas específicas do conhecimento. Alguns não são necessariamente pessoas que passaram pela universidade, mas que detém um profundo conhecimento”, descreveu o professor Carlos Dias, do PPGAS.
Carlos Dias disse que Roy Wagner ficou muito impressionado com a experiência vivenciada no Amazonas, sobretudo pela interlocução com os indígenas com os quais teve oportunidade de conversar.
Dias contou que, no domingo (08), o orientando de Wagner entrou em contato com os professores da Ufam e contou que “o grande momento no Brasil do antropólogo foi sua vinda à Amazônia”.
Conforme Carlos, em seu contato com os indígenas, Wagner encontrou uma grande quantidade de paralelos em termos cosmológicos entre os ameríndios e os povos que estudou, no passado.
“O Roy Wagner cria uma nova teoria de noção da cultura quando leva a sério essas novas formas de pensar. Capturar o outro através de seu conhecimento.
João Paulo Barreto, indígena tukano e mestrando em antropologia da Ufam, comentou que Wagner ficou surpreso com a apresentação de perspectivas na visão indígena. Isto ocorreu quando o líder Higino Tuyuka, durante o ritual, relacionou o cocar utilizado por João Paulo com as estruturas da maloca.
Estévão Barreto, também tukano e mestre em Sociedade e Cultura da Amazônia, destacou que a presença de Roy Wagner indicou a necessidade de promover o diálogo “ciência indígena e o saber científico”.
Igualdade
Roy Wagner tem formação em literatura inglesa, história, astronomia e antropologia.
Seus trabalhos mais conhecidos foram realizados entre os Dabiri, na Nova Guiné, e entre os aborígenes, na Austrália. Sua obra mais conhecida, “A Invenção da Cultura”, foi lançada em 1975 e teve uma revisão em 1981. No Brasil, o livro foi traduzido apenas em 2010.
No Brasil, seu principal interlocutor é o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, autor do conceito de Perspectivismo.
No livro “A Invenção da Cultura”, Wagner diz que “o antropólogo usa sua própria cultura para investigar outras, e para estudar a cultura em geral”. Ou seja, “a idéia de cultura coloca o pesquisador em pé de igualdade com seus objetos de estudo: cada qual 'pertence a uma cultura'.”.
Fonte: A Crítica
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