sábado, 13 de agosto de 2011

Um besouro de 115 milhões de anos

Um pequeno besouro de menos de 1 centímetro que viveu há 115 milhões de anos foi encontrado em rochas da Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil. (foto: José Ricardo Mermudes)



Inseto fóssil de grupo que reúne hoje algumas das principais pragas que atacam lavouras acaba de ser registrado no Brasil. A descrição da espécie suscita uma nova possibilidade de coevolução entre plantas e insetos.

Não há como negar que os achados de animais vertebrados no registro fossilífero – tais como dinossauros e pterossauros – acabam despertando maior interesse nas pessoas do que notícias de trabalhos sobre invertebrados ou plantas.

No entanto, não são somente os ossos – alguns grandes, outros não – que trazem contribuições relevantes para a compreensão da evolução da vida no nosso planeta.

Às vezes, o estudo de criaturas pequenas, que passam facilmente desapercebidas por pessoas distraídas, abre uma nova janela de possibilidades na pesquisa paleontológica.

Esse é justamente o caso de Arariperhinus monnei, um pequeno besouro de menos de 1 centímetro descoberto por Márcia F. de Aquino Santos (Museu Nacional/UFRJ) e colegas e cuja descrição acaba de ser publicada na revista Palaeontology.



Paraíso dos insetos fósseis



A nova espécie foi encontrada em uma rocha formada por calcário laminado que faz parte da Bacia do Araripe, uma das principais regiões para pesquisas paleontológicas do nosso país. Seus afloramentos se estendem pelos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí.

Rochas e fósseis encontrados na área revelam vários momentos distintos, mas dois são bem marcantes: a existência de um grande lago (ou um conjunto de lagos) de água doce de 115 milhões de anos que deu lugar a uma laguna (de água salgada) há 110 milhões de anos.

As primeiras camadas da bacia recebem o nome de Formação Crato e as seguintes, de Formação Romualdo.

Arariperhinus monnei é procedente das camadas mais antigas, que revelaram também alguns peixes, penas e uma boa diversidade de plantas.

Mas são os insetos, encontrados em grande quantidade e excepcionalmente bem preservados, que dão destaque à Formação Crato, cujas rochas podem ser consideradas um verdadeiro paraíso para quem se interessa por fósseis desses invertebrados.

Já foram registradas nessa formação em torno de 300 (!) espécies diferentes de insetos, que representam dezenas de grupos, desde libélulas até abelhas e mosquitos extintos.

Mas são os coleópteros – mais conhecidos como besouros, entre eles, joaninhas e vaga-lumes – que dominam a fauna de insetos fósseis desse depósito, a exemplo do que ocorre nos dias de hoje.



Besouro com tromba



Entre centenas de exemplares de insetos preservados em camadas finas de calcário e guardados nas coleções do Museu Nacional/UFRJ, um chamou a atenção de Márcia F. de Aquino Santos.

Tratava-se de um pequeno besouro que tinha em torno de 8 milímetros de comprimento e se destacava por apresentar uma enorme tromba na parte anterior da cabeça.


A nova espécie de besouro, batizada de ‘Arariperhinus monnei’, se destaca por apresentar uma enorme tromba na parte anterior da cabeça. (foto: José Ricardo Mermudes)


Essa estrutura, associada à forma do corpo do besouro e ao tamanho de seus olhos, fez com que Márcia e seus orientadores – Vera Medina da Fonseca (Museu Nacional/UFRJ) e José Ricardo Mermudes (UFRJ) – identificassem o exemplar como integrante de um grupo de besouros chamado de Curculionoidea.

Esse grupo tem cerca de 62 mil espécies descritas e ostenta o título de maior agrupamento conhecido até hoje no mundo animal! Entre os seus subgrupos está a família Curculionidae, que, por sua vez, abarca mais de 50 mil espécies.

Essa diversidade dos curculionídeos deve-se a sua extrema variedade de formas, que os torna adaptados a praticamente todos os nichos do planeta, com exceção dos oceanos.

Muitas formas constituem-se importantes pragas para a agricultura, enquanto outras são estudadas como agentes biológicos para proteger as plantações.

Voltando ao pequeno besouro do Araripe, Márcia e colegas acreditam que aquele inseto seja o primeiro representante de Anthonomini, grupo onde estão reunidas as formas mais derivadas dos curculionídeos.

O nome dado à nova espécie – Arariperhinus monnei – foi resultado da combinação de Araripe, bacia sedimentar onde o fóssil foi encontrado, e rhinos, expressão grega que significa bico, em alusão à extensa projeção que existe na cabeça desse inseto, além de ser uma justa homenagem ao colega uruguaio Miguel Angel Monné, que há pouco tempo se aposentou pelo Museu Nacional/UFRJ e é um dos principais estudiosos de besouros recentes.



Dupla importância



Um dos pontos mais interessantes da descoberta de Arariperhinus monnei está no fato de os representantes mais antigos de Anthonomini serem procedentes de rochas do Oligoceno, com cerca de 30 milhões de anos.

Assim, a história desse grupo acaba de ser estendida em quase 85 milhões de anos, o que torna o achado da Bacia do Araripe bem especial.


Os insetos da família a que pertence o besouro recém-descoberto estão entre as principais pragas que atacam lavouras de angiospermas, como a ervilheira. (foto: Wikimedia Commons/ Rasbak – CC BY-SA 3.0)


Mas a maior importância do registro desse novo curculionídeo fóssil está na ligação direta entre esses insetos e as angiospermas (plantas floríferas cujas sementes são protegidas por uma estrutura chamada fruto).

Como mencionado anteriormente, os curculionídeos reúnem algumas das principais pragas de lavouras formadas por angiospermas.

As larvas de Arariperhinus monnei – assim como as dos demais integrantes do grupo – deveriam se desenvolver nos órgãos reprodutivos das angiospermas, como flores, frutas e sementes.

Cabe lembrar que, apesar de serem comuns hoje em dia, as angiospermas – também chamadas de plantas modernas – eram bem raras no passado, e ainda se discute muito como elas evoluíram ao longo do tempo.

A descoberta de um curculionídeo fóssil em uma época onde as angiospermas eram escassas abre a possibilidade de estudos relacionados à evolução conjunta de insetos e plantas.

Pesquisando a presença de angiospermas e curculionídeos em outros depósitos, será possível compreender melhor como a evolução de um grupo afetou o outro.

O achado de Arariperhinus monnei também levanta a possibilidade de que a Bacia do Araripe, mais especificamente em torno dos 115 milhões de anos, tenha tido uma importante participação na evolução e dispersão das angiospermas.

Essa descoberta é daquelas que possibilita lançar um olhar diferente para os estudos paleontológicos, para que não se limitem à descrição de uma nova espécie em si, mas também observem a influência dessa nova espécie na evolução de outros grupos, no caso, as plantas modernas.


Alexander Kellner Museu Nacional/UFRJ Academia Brasileira de Ciências



Fonte: Ciência Hoje

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