terça-feira, 1 de novembro de 2011

Caçadores de monstros


por Felipe Pontes

Arriscando suas carreiras, pesquisadores sérios buscam criaturas extintas e até lendárias. Conheça o estranho mundo da criptozoologia.


Fede muito. Anda em 4 ou duas patas — de pé, chega a dois metros de altura. Seu corpo é coberto de pelos avermelhados; seus braços têm garras enormes e afiadas. As dezenas de pessoas que dizem ter visto o mostro dizem que é bicho bravo, com um urro assustador.

Para elas, a criatura é o Mapinguari, protagonista de lendas amazônicas. Conhecido como o guardião da floresta, nunca foi capturado ou fotografado, mas atraiu o interesse de um cientista renomado.

“Muita gente me disse ter visto o diabo em carne e osso”, afirma o americano David Oren. Ele estudou aves da Amazônia de 1977 a 2001, mas desde 1993 também estava procurando o Mapinguari. Os colegas caíram em cima do biólogo formado em Yale com mestrado e doutorado em Harvard. “Certamente arrisquei a minha reputação”, diz o pesquisador. Mas ele não está sozinho.

Oren faz parte da legião de criptozoólogos, cientistas que buscam criaturas lendárias, dadas como extintas, ou vistas por poucas pessoas.

Embora atraia gente séria, conte com associações e tenha tido sucesso em descobrir alguns animais, a criptozoologia também é cultuada por amadores, gente que procurara do chupacabra ao monstro do Lago Ness.

Por conta disso, Oren e outros pesquisadores acabam vítimas de bullying científico pela comunidade acadêmica.




Crédito: Jean Magalhães

MAPINGUARI, floresta amazônica
Altura: 2 metros
Lenda: mito indígena, pode estar relacionado com preguiça gigante extinta há 10 mil anos
Evidências: relatos de 80 pessoas e pegadas



Nada que os detenha, claro. O primeiro contato de Oren com a história do Mapinguari foi no Acre. “Achava que era uma lenda até visitar a região”, diz.

Depois de ouvir pessoas que descreviam os filhotes da criatura, seus hábitos e até o aspecto das fezes, decidiu investigar o assunto.

De 1993 a 2001, foram 80 entrevistas com quem supostamente vira o bicho e 7 com gente que jurava ter matado um — mas não guardara nenhuma evidência.

Nesse período, ele procurou a criatura em 5 expedições patrocinadas pela Fundação Grupo Boticário (isso, d'O Boticário), quando coletou moldes de pegadas e amostras de fezes... de antas, como descobriu mais tarde.

Mesmo sem ter conseguido uma prova, Oren defende que a lenda indígena se baseia em uma criatura que realmente existiu, a preguiça gigante.

O animal, que tinha 3 metros de altura (o Mapinguari teria dois), vivia na América Central e América do Sul, mas está extinto há 10 mil anos. “Nunca afirmei que ele está vivo. Mas acho que a lenda tem uma base real.”




Crédito: Jean Magalhães

TIGRE-DA-TASMÂNIA, Austrália
Comprimento: de 1 a 1,3 m
Última vez que foi visto: 1936
Evidências: fotos e vídeo de baixa qualidade



A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM


Caçar animais extintos nem sempre é uma tarefa inglória. Um terço dos 187 mamíferos dados como varridos do planeta desde 1500 foram encontrados vivos novamente, mostra pesquisa de 2010 da Universidade de Queensland, na Austrália.

Nesse ano, por exemplo, o sapo arco-íris, visto pela última vez em 1924, foi reencontrado na Indonésia.

O lagarto gigante de La Gomera, considerado extinto há 5 séculos, foi redescoberto nas Ilhas Canárias em 2000.

Outros exemplos clássicos são a descoberta de um exemplar do peixe pré-histórico Celacanto (o último fóssil era de 65 milhões de anos atrás) em 1938 e do cavalo Cáspio, reencontrado no Irã em 1965, quando seus últimos relatos datavam de 700 a.C.

Segundo a pesquisa de Queensland, no entanto, o redescobrimento de animais sumidos há muito tempo é o mais raro.

Na maioria das vezes, os reencontrados são aqueles com extinção oficializada recentemente. O problema, para os australianos, é que os criptozoólogos tendem a se focar nos animais “carismáticos” e não naqueles mais fáceis de serem achados novamente.

É o que acontece com o tigre-da-tasmânia, que teve seu fim decretado em 1936, mas continua sendo objeto de expedições sem resultado.

Muitas delas organizadas pelo australiano Murray McAllister, que procura sinais de vida do marsupial carnívoro há 12 anos.

O professor de educação física já gastou R$ 82 mil do próprio bolso para bancar as caçadas e passa feriados instalando câmeras e armadilhas caseiras na esperança de prender o animal.

McAllister alega ter visto o bicho, que parece uma raposa, mais de 20 vezes, mas não tem uma foto decente para mostrar. “Há 7 anos eu quase capturei um. Eu sei que ele vive, e fui colocado neste planeta para provar isso.”



Crédito: Jean Magalhães


CADBOROSAURUS, Canadá e EUA
Lenda: Mito de índios da América do Norte
Comprimento: 10 m (só cabeça e pescoço têm 2 m)
Evidências: carcaça encontrada em 1937 que desapareceu e vídeos inconclusivos



HISTÓRIA DE PESCADOR


Outro que dificilmente será encontrado é o Cadborosaurus, uma serpente marinha com 10 metros de comprimento e cabeça num formato semelhante à de um camelo.

O oceanógrafo canadense Paul LeBlond procura por ele há 40 anos. “Para mim, é um hobby, um entretenimento”, diz.

Assim como o Mapinguari, a criatura está em mitos nativos, e foi descrita por colonizadores europeus do Oeste Canadense.

“Eu gostaria de provar que o Caddy existe”, diz, usando um apelido carinhoso. “Mas não tenho como. Há somente fotos, desenhos e relatos de testemunhas.”

Até hoje, a melhor pista sobre o bicho é uma fotografia de 1937. A imagem mostra a carcaça do que parece ser uma serpente marinha, retirada do estômago de uma baleia, mas ninguém sabe que fim a tal ossada misteriosa levou.

Em 1989, LeBlond fundou o Clube Científico de Criptozoologia da Colúmbia Britânica (uma província canadense) que reúne interessados em animais misteriosos da região. Cientista aposentado, ele não se importa com o estigma.

“A era da descoberta ainda não acabou”, diz.

Nesse ponto ele tem razão. Uma única expedição de cientistas às Filipinas, neste ano, encontrou 300 novos exemplares de animais, de tubarão a caranguejo.

No caso dos “monstros do mar”, só nos últimos 20 anos, 8 espécies com mais de dois metros de comprimento foram achadas, de acordo com o britânico Charles Paxton, ecologista marinho e estatístico da Universidade de St. Andrews, na Escócia.

Um exemplo recente é a lula-gigante, que pode atingir até 18 metros de comprimento e tem olhos do tamanho de uma cabeça humana.

Em 2006, um grupo de japoneses capturou um exemplar vivo do animal, que pode ter dado origem à lenda escandinava do Kraken, que destruía barcos com seus tentáculos.


Crédito: Jean Magalhães

PÉ GRANDE, EUA e Canadá
Altura: 2,5 m a 3 m
Tamanho do pé: 42 cm (calçaria 64)
Evidências: pegadas com formato inusitado e polêmico vídeo de 1967


ASSUNTO CABELUDO


Assim como o Mapinguari ou o Cadborosaurus, a ciência não reconhecia o gorila-das-montanhas até 1902, quando dois foram mortos em Ruanda, na África.

Isso não é um exemplo isolado. Cerca de 70 espécies de primatas foram nomeadas ou descobertas só nas últimas duas décadas.

Essas histórias animam cientistas conceituados, como Jeffrey Meldrum, a se envolver com um tema para lá de controverso: o Pé Grande.

Meldrum é professor de anatomia e antropologia da Universidade Idaho State, nos EUA, e especialista na evolução e biomecânica das pegadas de hominídeos. Entre um estudo e outro, há 15 anos ele procura o suposto primata de 3 metros que habitaria florestas americanas e canadenses.

Em seu laboratório, Meldrum guarda mais de 200 moldes de pegadas que supostamente pertencem à criatura, mas ainda não tem provas conclusivas.

“Sou o primeiro a admitir: o reconhecimento oficial de um animal requer uma evidência física. Mas também acho que outras evidências não devem ser descartadas como ‘pseudociência’ até que um corpo seja encontrado.”

Para o especialista, os inúmeros vídeos e fotos relacionados sem nenhuma razão à criatura atrapalham e criam uma mistificação sobre a pesquisa séria.

“Fraude sempre existe. Mas imagine alguém muito alto andando por quilômetros vestindo pés enormes somente para talvez enganar alguém. Isso é improvável”, afirma o biólogo e conservacionista britânico Ian Redmond, um dos maiores especialistas mundiais em primatas.

Redmond participou de 3 expedições e fez 3 documentários sobre o Pé Grande, dois para o History Channel e um para o canal National Geographic.

Enquanto produzia o material, diz que conheceu acadêmicos respeitados que não saem falando suas opiniões sobre o assunto por medo de virarem piada.

Segundo o britânico, cientistas iniciantes acabam optando por pesquisas mais tradicionais para não sofrerem o mesmo tipo de bullying e perderem suas garantias financeiras. “Coisas potencialmente fascinantes são sufocadas e se perdem neste caminho.”

No momento, a equipe liderada por Meldrum coleta amostras de fezes e fios de cabelo pelas matas do estado de Washington, na esperança de achar um vestígio de DNA do Pé Grande.

A evolução de aparelhos tecnológicos e o surgimento de testes genéticos elaborados são a esperança desses pesquisadores.

Mas o custo altíssimo das expedições é argumento para quem acha que financiar algo assim é jogar dinheiro no lixo.

Para Redmond, a exemplo dos vários primatas que temos descoberto, precisamos abrir a mente e não esquecer da máxima do Direito: a ausência de evidência não implica na evidência de ausência.


O mistério vende


Investigador de mitos diz que justificativas mais racionais para as lendas são ignoradas.

“O mistério vende. Não importa se estamos falando de fantasmas, discos voadores ou monstros”, afirma o americano Joe Nickell, investigador cujo trabalho é estudar e desmascarar mitos para a revista americana Skeptical Inquirer.

Para ele, o problema com os criptozoólogos é fantasiar sobre relatos que podem ter outras explicações.

“Nós não devemos ignorar o que uma testemunha diz. Mas se ela viu algo que a ciência diz que é improvável, temos que pensar em possibilidades mais racionais”, afirma.

Nickell pondera que as testemunhas que dizem ver as corcovas do Cadborosaurus subindo e descendo no mar podem estar olhando para focas ou golfinhos nadando enfileirados (ele chegou inclusive a desenhar um modelo de como essa ilusão pode ser criada).

O cético afirma também que sempre existirão “um ou dois” cientistas credenciados de cada área dispostos a acreditar e insistir em evidências pouco racionais.


LENDAS VIVAS | Confira os animais já encontrados por criptozoólogos e que podem ser a versão real de criaturas mitológicas


Bubo nipalensis
Estudo mostra que a ave rara, descoberta em 1836, possui as características do “pássaro diabo”, mito de tribos no Sri Lanka. A penugem na cabeça lembra os chifres do monstro lendário.


Ocapi
Mascote da extinta Sociedade Internacional de Criptozoologia, era considerado um mito até 1902, quando foi encontrado no Congo. É provavelmente o “unicórnio africano” citado nas lendas locais.


Lula-gigante
Descrita na década de 1850, foi capturada viva só em 2006 por cientistas japoneses. Com potencial de chegar a 18 m de comprimento, o animal pode ser a origem do Kraken, monstro lendário nórdico que afundava barcos.




Fonte:
Revista Galileu

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