sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Visita de Ano Novo


Um jovem casal se mudou para uma casa velha na Quarta Seção cheio de esperança e cheio de fé. Não sabiam que alí os esperava uma presença que mudaria suas vidas para sempre.

No começo foi estranha a atitude dos vizinhos. Durante a mudança para a "casa nova" senhoras varriam a calçada desnecessariamente, maridos iam ao supermercado para comprar coisas supérfluas e adolescentes passavam olhando a porta aberta sem pudor.

Era um jovem casal com dois filhos. Ele era um engenheiro recém formado, dava aulas na Pablo Nogués e esperava ganhar um concurso na faculdade, ela era professora de matemática e se movimentava de escola para escola sem qualquer recompensa a não ser um magro salário e a satisfação do dever cumprido.

José e Maria Isabel Acosta eram Católicos Apostólicos Romanos. Não acreditavam em nenhum fenômeno, exceto os milagres de Jesus, a inclinação da Torre de Pisa e o insondável mistério do número Pi.

As crianças, Juan Bautista de seis anos, e Maria Teresa de cinco, eram o seu triunfo. Uma espécie de música espiritual da pura e divina carne terrestre. Eram seus anéis de ouro em um mundo cheio de falsas promessas.

Por eles haviam encontrado uma casa com três quartos. Ansiavam sair do pequeno apartamento na rua Morón para que os pequenos tivessem seus próprios quartos, pátio e uma certa cor de bairro de Mendoza.

A casa de Montecaseros e Jujuy na Quarta Seção os cativou desde a primeira visita. Tinha cinco quartos meio escuros, um longo corredor cheio de sol e uma cozinha grande como um salão de baile.

Uma certa forma de felicidade iluminou seus rostos durante o primeiro jantar encomendado por telefone aos "Dois amigos". Mas não existem paraísos, já se sabe.



Os fenômenos não tardaram a aparecer. Primeiro foi o cheiro de tabaco na roupa. José e Maria Isabel Acosta haviam sido fumantes, mas decidiram parar de fumar quando fizeram seus votos de casamento. "Você fumou? Não, eu peguei o cheiro da sala dos professores", disseram um para o outro.

Em seguida, foi o cheiro de álcool, como uma grappa envelhecida, presa nas camisas e camisetas do casal. Ambos haviam prometido não beber cerveja ou vinho depois da festa de casamento. "Você bebeu? Não, as meninas brindaram na aposentadoria da Yolly".

Então veio o barulho. As paredes começaram a tocar durante a noite como tambores distantes. Os filhos, João Bautista e Maria Teresa acordavam com cheiro de tabaco e álcool, aterrorizados pelos golpes surdos, batendo nas paredes de adobe, e corriam para a cama de seus pais feito dois novelos de lágrimas.

As crianças inconsoláveis e os pais desconcertados, se amontoavam em um mar de rosários à Virgem Santíssima, Mãe de Deus para afastar o maligno, ou o que fizera a casa rastejar na penumbra como um morto insepulto.

José e Maria Isabel Acosta compraram dezenas de imagens de santos e penduraram com pregos por toda a casa, o padre Miguel salpicou com água benta cada canto, e sufocou o ar com o cheiro do incenso, acompanhado do conjuro infalível do Pai nosso que está no céu, santificado seja vosso nome, e etcétera.

Os crucifixos se multiplicaram como se fossem animais de estimação da fé, e as páginas da Bíblia se desesperavam diante do tratamento urgente que lhes davam as mãos nervosas do casal.

Agora José e Maria Isabel Acosta entendiam os olhares estranhos de seus vizinhos, que não podiam acreditar que ninguém, muito menos uma família, se mudara para esta casa, a casa do Turco Salem.



Para os Acosta, a "casa nova" tinha se tornado um pesadelo. E piorou. As lâmpadas explodiam sem motivo, no quintal, eles ouviam um antigo barulho de correntes e o cão e o gato que foram dados pelos amigos da paróquia morreram repentinamente antes que as crianças lhes pusessem um nome.

Em apenas seis meses, os Acosta estavam destruídos, tomando tranquilizantes, fumando às escondidas, e bebendo solitários vodka barata no bar da esquina.

Todo mundo tinha medo de dormir, e dormiam juntos na cama de casal, que havia se tornado um castelo defendido por fileiras de cruzes, rosários fosforescentes e pais nossos mal alinhavados.

Os vizinhos se compadeciam da
evidente deterioração, mas cada vez que diziam a eles para irem embora, que a casa estava amaldiçoada, que o turco mesmo morto era um bastardo, José e Maria Isabel os rechaçavam.

Eles não queriam saber o que toda a vizinhança sabia: que o velho lojista se recusava a morrer de todo, como havia se recusado a fiar um quilo de açúcar, a emprestar dinheiro para um funeral, e a festejar as festas, qualquer festa.


Quando chegou o Natal, montaram uma árvore e um presépio, e um Buda barrigudo sentado em uma dessas fontes de Feng Shui com água corrente para levar as ondas negativas.
A família e os amigos os haviam socorrido de mil maneiras e não pensavam em deixa-los sozinhos.

Alguns por solidariedade real, outros pela curiosidade, e a maioria por pura curiosidade mórbida, para o jantar de Ano Novo dezenas de pessoas vagavam pela velha casa com os seus tupperwares, sua sidra quente ou jarro de vinho na mão, conforme o caso. A verdade é que todos queriam ver o fantasma, inevitável protagonista da noite.

E o velho Salem chegou. Tentado pela audiência inesperada, afogou vários dos convidados com salada russa, quebrou a tigela de vidro, onde a avó Acosta estava preparando sua histórica salada de frutas, e acendeu o saco onde os fogos de artifício deviam explodir as doze.

A pólvora, em todos os tamanhos, cores e funções, explodiu, e a bolsa, como um pequeno vulcão louco começou a cuspir rojões, cabeças de nego, bombinhas, estrelas, gira giras, buscapés, entre os meu deus, os ai jesus, os deus nos ampare, os anjo da guarda doce companhia não me abandones nem de noite nem de dia, as gargalhadas dos céticos, e o Feliz Ano Novo dos previamente bêbados.



Cada faísca procurou um convidado e foi fogo nas perucas, nas meias de lycra e nas camisas de seda falsas. Todos sentiram pelo menos uma queimadura, e numa babel de exclamações, rolando no chão, e tirando rápido as roupas queimadas, correram para fora da casa mais ou menos vestidos, cheirando a pólvora e jurando que tinham visto o Turco Salem. Foi a última ceia.

Os últimos a sair foram os Acosta. Tinham provas de como era o inferno e a cara do Maligno. Meses depois se divorciaram como deus manda. José foi como missionário leigo para o Brasil. Maria Isabel começou a ensinar turmas de catequese.

As crianças não conseguem dormir sozinhas. A imobiliária pediu ajuda para uma bruxa médium. A casa segue vazia.


Tradução: Carlos de Castro




Fonte:
MDZOL
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