Estudo inédito alia análises morfológicas e genéticas de populações indígenas brasileiras e identifica evolução acelerada entre os xavantes. Para os autores da pesquisa, esse processo pode ser explicado pelo isolamento cultural do grupo.
Por: Ana Carolina Correia
Eles têm a mesma origem genealógica, vivem na mesma região geográfica e falam línguas pertencentes ao mesmo tronco linguístico. O que explica, então, as diferenças físicas marcantes entre xavantes e caiapós? De acordo com estudo coordenado por pesquisadoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a resposta está na cultura.
Os resultados, publicados na PNAS, indicam que esse processo foi impulsionado por mudanças na estrutura social e nas práticas culturais desse grupo.
O material analisado incluía medidas de corpos e crânios, descrições minuciosas das características físicas e amostras de sangue de 1.203 indivíduos de seis populações distintas, entre os quais 113 xavantes e 235 caiapós.
Segundo Tábita Hünemeier, bióloga da UFRGS e uma das coordenadoras da pesquisa, existia a dúvida de se os dados seriam utilizáveis. No entanto, o trabalho era bastante preciso e permitiu a recriação das características dos índios quase em 3D.
Fator mais do que relevante
As mudanças morfológicas na espécie humana são, em geral, explicadas por barreiras geográficas, climáticas e linguísticas. Mas no caso específico dos xavantes e caiapós, esses fatores inexistem. As duas etnias vivem no Mato Grosso (MT) e no Pará (PA) e compartilham a mesma família linguística, a Jê, que compreende um grande número de outros povos.
A única barreira identificada pelos pesquisadores foi a cultural. Os xavantes consideram os caiapós um povo bélico e cultivam tradições diferentes, como a escolha e o número de parceiros – enquanto os primeiros são majoritariamente poligâmicos, os últimos são monogâmicos. Esses hábitos provocaram o isolamento cultural da etnia e a diferenciação entre os povos.
Entre as características mais marcantes dessa diferença estão o maior comprimento do crânio, maçãs do rosto bastante largas e narizes amplos dos xavantes.
Caciques caiapós. Há mais de 1.500 anos, os xavantes se desmembraram desse grupo e se isolaram culturalmente, o que explicaria as diferenças de fenótipo e genótipo entre as duas etnias verificadas pelos pesquisadores. (Valter Campanato/ Agência Brasil)
Além das divergências fenotípicas entre estes e os caiapós, os pesquisadores identificaram diferenças nos genomas dos dois grupos ao examinar o DNA presente nas amostras de sangue. “Quando analisamos os dados genéticos, vimos que os xavantes eram muito diferentes; pareciam que não tinham vindo dos caiapós, embora saibamos que isso é correto”, diz Hünemeier.
Em linhas gerais, explica a bióloga, os fatores culturais parecem ter promovido combinações inusitadas de frequências de alelos, que levaram à manutenção ou ao surgimento de novas variáveis genéticas e fenotípicas ao longo da evolução do grupo.
Espécie sem raças
Segundo o geneticista e professor da UFRGS Francisco Mauro Salzano, que participou da coleta de dados nos anos 1970 e da atual pesquisa, as pessoas tendem a separar a espécie humana por raças, um hábito incorreto.
“Os resultados indicam que é perigoso relacionar ‘tipos raciais’ fixos e rígidos à morfologia de nossa espécie e que investigações adicionais, especialmente com referência à relação dialética biologia-cultura, poderão fornecer informações importantes sobre a nossa história evolucionária”, afirma Salzano.
O trabalho ajuda também a refutar o caso de Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas e o povoamento do continente, já que uma das ideias defendidas por alguns pesquisadores é de que a ocupação se deu por duas correntes migratórias de grupos biológicos distintos, uma delas representada pelo exemplar brasileiro.
Fonte: Ciência Hoje
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