sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Quando a cultura faz muita diferença


Grupo de xavantes em registro da década de 1970. Pesquisadores analisaram recentemente dados coletados naquela época e verificaram traços evolutivos marcantes em índios dessa etnia. (foto: Arquivo pessoal Francisco Salzano)


Estudo inédito alia análises morfológicas e genéticas de populações indígenas brasileiras e identifica evolução acelerada entre os xavantes. Para os autores da pesquisa, esse processo pode ser explicado pelo isolamento cultural do grupo.


Por: Ana Carolina Correia


Eles têm a mesma origem genealógica, vivem na mesma região geográfica e falam línguas pertencentes ao mesmo tronco linguístico. O que explica, então, as diferenças físicas marcantes entre xavantes e caiapós? De acordo com estudo coordenado por pesquisadoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a resposta está na cultura.

Com o objetivo de estudar a evolução morfológica dos índios brasileiros, biólogos e antropólogos envolvidos na pesquisa – realizada em parceria com instituições internacionais –, analisaram dados de populações indígenas coletados na década de 1970 e descobriram que os xavantes passaram por uma evolução acelerada no que diz respeito a determinados fenótipos (conjunto de características observáveis) nos últimos 1.500 anos – período que marca justamente sua separação dos caiapós.

Os resultados, publicados na PNAS, indicam que esse processo foi impulsionado por mudanças na estrutura social e nas práticas culturais desse grupo.

O material analisado incluía medidas de corpos e crânios, descrições minuciosas das características físicas e amostras de sangue de 1.203 indivíduos de seis populações distintas, entre os quais 113 xavantes e 235 caiapós.

Segundo Tábita Hünemeier, bióloga da UFRGS e uma das coordenadoras da pesquisa, existia a dúvida de se os dados seriam utilizáveis. No entanto, o trabalho era bastante preciso e permitiu a recriação das características dos índios quase em 3D.

Fator mais do que relevante


As mudanças morfológicas na espécie humana são, em geral, explicadas por barreiras geográficas, climáticas e linguísticas. Mas no caso específico dos xavantes e caiapós, esses fatores inexistem. As duas etnias vivem no Mato Grosso (MT) e no Pará (PA) e compartilham a mesma família linguística, a Jê, que compreende um grande número de outros povos.

A única barreira identificada pelos pesquisadores foi a cultural. Os xavantes consideram os caiapós um povo bélico e cultivam tradições diferentes, como a escolha e o número de parceiros – enquanto os primeiros são majoritariamente poligâmicos, os últimos são monogâmicos. Esses hábitos provocaram o isolamento cultural da etnia e a diferenciação entre os povos.

Entre as características mais marcantes dessa diferença estão o maior comprimento do crânio, maçãs do rosto bastante largas e narizes amplos dos xavantes.


Caciques caiapós. Há mais de 1.500 anos, os xavantes se desmembraram desse grupo e se isolaram culturalmente, o que explicaria as diferenças de fenótipo e genótipo entre as duas etnias verificadas pelos pesquisadores. (Valter Campanato/ Agência Brasil)


Além das divergências fenotípicas entre estes e os caiapós, os pesquisadores identificaram diferenças nos genomas dos dois grupos ao examinar o DNA presente nas amostras de sangue. “Quando analisamos os dados genéticos, vimos que os xavantes eram muito diferentes; pareciam que não tinham vindo dos caiapós, embora saibamos que isso é correto”, diz Hünemeier.

Em linhas gerais, explica a bióloga, os fatores culturais parecem ter promovido combinações inusitadas de frequências de alelos, que levaram à manutenção ou ao surgimento de novas variáveis genéticas e fenotípicas ao longo da evolução do grupo.

Espécie sem raças


Segundo o geneticista e professor da UFRGS Francisco Mauro Salzano, que participou da coleta de dados nos anos 1970 e da atual pesquisa, as pessoas tendem a separar a espécie humana por raças, um hábito incorreto.

“Os resultados indicam que é perigoso relacionar ‘tipos raciais’ fixos e rígidos à morfologia de nossa espécie e que investigações adicionais, especialmente com referência à relação dialética biologia-cultura, poderão fornecer informações importantes sobre a nossa história evolucionária”, afirma Salzano.

O trabalho ajuda também a refutar o caso de Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas e o povoamento do continente, já que uma das ideias defendidas por alguns pesquisadores é de que a ocupação se deu por duas correntes migratórias de grupos biológicos distintos, uma delas representada pelo exemplar brasileiro.

Para Hünemeier, diferenciações como as do caso dos xavantes podem explicar como integrantes de um mesmo grupo genealógico podem ter feições tão diferentes e eventualmente corroborar que o povoamento das Américas se deu por apenas uma corrente migratória.



Fonte: Ciência Hoje

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