Filme Hotxuá foi dirigido pela atriz Letícia Sabatella e pelo cenógrafo Grinco Cardia.
O som de risos e gargalhadas, antes mesmo de qualquer imagem surgir, é o prenúncio do que está por vir.
A alegria é o elemento base da tribo indígena krahô, que vive em Tocantins, e também norteia o documentário em longa-metragem Hotxuá.
O filme, que tem direção da atriz Letícia Sabatella e do artista plástico e cenógrafo Gringo Cardia, pela primeira vez atrás das câmeras, traz um relato poético do hotxuá, um palhaço sagrado, que é profundamente respeitado pela tribo.
Assim como a figura clássica do palhaço, eles usam a força do humor e do riso para fortalecer a autoestima do povoado, garantindo a sua cultura milenar.
“Os krahôs realmente são conhecidos por isso entre outras tribos e estar entre eles traz sensação de bem-estar incrível, de se ficar bem à vontade, pela simplicidade e pela deliciosa forma como vivem entre a natureza e seus ritos. E o hotxuá tem essa especial liberdade e é amado como é. Ele é detentor desse dom e da prática de prestar atenção em todos e procurar animar a aldeia, não deixar ninguém triste”, explica Letícia Sabatella, que considerou como “bárbara e criativa” sua estreia como diretora.
“Lá fomos batizados e saí com a intenção de nunca deixá-los, sempre pensando em algo para ajudá-los a se expressar. Este projeto partiu de um desejo muito forte de vê-los reconhecidos no seu valor, na sua importância para a nossa boa existência. O tanto que podemos aprender com eles”, destaca a atriz e diretora.
“O trabalho de recuperação de todos os massacres que vêm sofrendo os povos indígenas é infindável; alternam-se ações desastrosas com boas ações. Vemos a política agrícola ameaçando a reserva e a cultura. A política energética também os ameaça, como podemos ver, e eles continuam de pé e lutando”, reforça a atriz.
Um dos pontos altos do documentário é o encontro entre o palhaço tradicional, vivido pelo ator, pesquisador e coordenador artístico do Lume Teatro, Ricardo Puccetti, e do hotxuá Ismael.
Enquanto o primeiro estava caracterizado com seu nariz vermelho, maleta na mão e os trajes típicos, o índio surgia com folhas, galhos, miçangas e maquiagem com tinturas extraídas do urucum (vermelho), jenipapo (preto) e de pó de giz (branco).
Mesmo de maneira improvisada, a interação entre os dois agentes do riso é impressionante. Ricardo conta que já estava há uma semana na aldeia para conhecer os rituais e as crenças dos krahôs e que prontamente se sentiu acolhido pelos nativos.
“Lembro-me que, nos primeiros dias, estava me vestindo e as crianças ficavam me espiando com aquele ar de curiosidade. Quando saí e vi aquele mundo de índio olhando para mim, foi como descer em outro planeta. Fui conquistando aos poucos, mas quando deslanchou, foi surpreendente. Eles passaram a me chamar de hotxuá”, recorda.
“Os krahôs brincam e riem o tempo todo. Tudo é motivo para dar gargalhada. E isso é muito espontâneo. Definitivamente, eles trazem o riso para a vida e o transformam em uma ferramenta de encontro e comunhão”, resume.
“E mostra também que, mesmo com contextos e culturas diferentes, o humor é universal. Mas mesmo assim, na minha opinião, o humor dos hotxuás traz uma liberdade sem censuras, uma singeleza e uma safadeza. Sempre partindo de uma atenção amorosa que busca o bem-estar da aldeia. É nisso que eles focam”, afirma.
Os diretores Letícia Sabatella e Gringo Cardia realmente tomaram um banho de imersão na tribo e registraram o maior e mais importante evento dos krahôs, a Festa da Batata, que marca a mudança da estação chuvosa para a seca e celebra a fertilidade da tribo.
Nessa ocasião, também são realizados vários ritos de passagem, inclusive a oficialização de casamentos entre os nativos.
Com depoimentos, em sua língua nativa, o merrim, e em português, o que mais salta aos olhos do espectador é a maneira como esse povo leva a vida sempre com um sorriso no rosto, apesar de todas as adversidades e preocupações que os rondam. Uma verdadeira lição para o homem branco.
Os krahôs também são conhecidos como “os senhores do cerrado”, a grande savana brasileira, que eles lutam para preservar e manter intacta.
Estes índios têm dois caciques, cada um representando um partido. Duas vezes por dia promovem uma corrida de toras entre os partidos, para garantir o equilíbrio do ambiente.
É importante que nenhum deles ganhe sempre e que a competição seja motivo de fortalecimento e união para todos.
Três crenças são primordiais na cultura: a harmonia da natureza, a força das plantas e a celebração da vida.
Eles consideram que a natureza se divide entre o partido do sol (wakmiyé) e o partido do úmido (katamiyé) e as duas forças são complementares.
Os krahôs acreditam que as plantas foram presente de Caxekwyj, uma estrela que veio do céu e trouxe as sementes.
Depois, a estrela se transformou em moça e ensinou o povo a plantar e comer os frutos da terra. Um dia, um índio chegou à roça e as plantas estavam dançando e elas o ensinaram a festejar.
Fonte: UAI
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