Prever o futuro pode ser um negócio arriscado. Quando o profeta francês Nostradamus publicou suas centúrias, no século 16, teve de usar versos obscuros aparentemente para impedir que o acusassem de herético.
O vidente tailandês Thongbai Khamsri tem um problema mais prosaico: advogados. "Prever o futuro só me trouxe problemas", disse Thongbai, de 73 anos, em seu refúgio nas montanhas perto da fronteira da Tailândia com o Camboja.
Pouco antes da virada do ano, circulou no YouTube um vídeo em que Thongbai divulgou que seu filho mais novo, Suthat, alertou anos atrás que um dique gigantesco no leste da Tailândia iria desmoronar.
Segundo Thongbai, seu filho também já havia previsto outros desastres. O que deu à profecia um toque de veracidade entre os tailandeses foi a revelação de Thongbai de que Suthat, aos cinco anos de idade, ou seja, há 40 anos, havia previsto precisamente sua própria morte, antes de enumerar uma série de catástrofes futuras.
Diante de tamanha profecia, muitos tailandeses entraram em pânico, o que deixou Thongbai em maus lençóis — e o levou aos tribunais — por espantar os turistas da tradicional festa de Ano Novo no dique e prejudicar a economia local.
Thongbai foi condenado por alarmar o público, multado em US$ 17 e ordenado a manter a boca fechada.
Mas sua condenação lançou a indústria de adivinhos da Tailândia num território inexplorado, pois colocou a tradição milenar da adivinhação contra a modernidade dos vídeos e programas de TV — e também dos processos judiciais.
"Nosso país está mudando, e os adivinhos precisam se adaptar e escolher suas palavras mais cuidadosamente", disse Pinyo Pongcharoen, presidente da Associação Internacional de Astrologia, em Bangcoc, ele próprio um advogado.
Enquanto clicava numa série de mapas astrais em seu notebook, ele reclamou que "se não fizermos isso, outros entre nós serão processados na justiça". É difícil prever qual será a versão da Tailândia que prevalecerá, a velha ou a nova.
O país é famoso pela superstição. Ultimamente, as pessoas têm enchido as ruas onde quer que a primeira-ministra Yingluck Shinawatra vá, para tentar descobrir o número da placa do seu carro oficial. Duas vezes nos últimos meses, a placa coincidiu com os números sorteados na loteria nacional.
Os principais políticos e líderes militares, enquanto isso, buscam habitualmente o auxílio dos videntes.
Uma das mais procuradas é uma velha mulher que mora numa região infestada de mosquitos próximo à fronteira com a Birmânia, e que tem o apelido de "E.T".
Mas, à medida que o país tropical se modernizou, em meio ao boom econômico de várias décadas da Ásia, os advogados começaram a competir com os videntes por poder e influência.
Dois governos foram derrubados nos últimos anos por processos na justiça, e essa cultura do litígio está se disseminando rapidamente para outras partes da vida local — inclusive a sobrenatural.
Isso preocupa alguns adivinhos. Eles temem que videntes como Thongbai, que preveem acontecimentos catastróficos, terão de suavizar suas declarações para o governo não intervir e regulamentar o setor, como o regime militar do país fez nos anos 60. Os astrólogos são uns que estão particularmente contrariados.
Um deles, Kengkard Jongjaiprah, aparece regularmente em programas de TV para afirmar que a astrologia é uma ciência.
Ele diz que videntes como Thongbai, que se baseiam em visões ou outros fenômenos sobrenaturais, devem ser ignorados.
"Eles estão apenas inventando coisas e vendendo suas previsões", disse Kengkard há pouco tempo num show da TV, tendo na cabeça um chapéu com listras de leopardo.
Thongbai, que já foi motorista e hoje planta frutas, diz que não está disseminando as previsões do filho por dinheiro, então "não tenho motivo para dizer nada que não seja verdade".
Pouco antes de Suthat morrer, em 1974, Thongbai disse que o filho proferiu uma série de declarações estranhas, bem como previu que morreria logo.
Depois do falecimento, Thongbai e a mulher, Sunthana, passaram anos de luto até que alguns desastres no mundo fizessem com que se lembrassem das previsões do garoto.
Quando um terremoto arrasou o norte do Japão em março passado, Thongbai diz ter concluído que tinha de se manifestar.
Com a ajuda de um monge budista adepto dos computadores e um empresário local, ele fez um vídeo que o trio colocou no YouTube. Em poucos dias, o clipe tornou-se viral na internet.
Visitantes de cidades como Bangcoc e Chiang Mai continuam a percorrer a sinuosa e empoeirada estrada que leva ao retiro que Thongbai construiu no topo da Montanha Escondida aqui, para rezar diante de estátuas do buda e retratos de Suthat. Thongbai diz que a profecia ainda pode se realizar, já que o Ano Novo tailandês cai em abril.
Porém, ele espera que ela esteja errada. "É verdade que algumas pessoas acreditam que sou louco, mas eu não me importo", Thongbai disse, batendo uma mistura vermelho brilhante de noz de bétele e tabaco, que ele mastigaria mais tarde. "Eu sou apenas como um carteiro que traz as notícias."
Fonte: The Wall Street Journal
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